O que já se sabe dos portugueses do Football Leaks
Cristiano Ronaldo, Fábio Coentrão, Jorge Mendes, Ricardo Carvalho e José Mourinho são os principais nomes portugueses. O ECO faz o ponto de situação uma semana depois da divulgação da investigação.
Desta vez são 18,6 milhões de documentos, um arquivo ainda maior do que o do Panama Papers — de 11,5 milhões de ficheiros investigados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação. Desta vez é o consórcio do European Investigative Collaborations (EIC) a trazer a público os Football Leaks, uma investigação jornalística que o Expresso divulgou em Portugal. E há muito nomes portugueses envolvidos no caso.
Cristiano Ronaldo, Fábio Coentrão, Jorge Mendes, Ricardo Carvalho e José Mourinho são os principais nomes portugueses envolvidos, em diferentes graus, na investigação do Football Leaks e do fisco espanhol. Ainda antes de a maior parte dos artigos virem a público, na passada sexta-feira, na quinta-feira (sábado) ficou a saber-se através do espanhol El Confidencial que Ronaldo utilizou uma empresa irlandesa para pagar menos impostos dos rendimentos com publicidade.
Tal como aconteceu com Messi — que teve de pagar uma multa para não ir preso –, as investigações do fisco espanhol podem ter consequências para vários portugueses. Mas, para já, é que isto que se sabe de uma investigação que já supera os sete meses, com base em 1900 GB de documentos da plataforma online Football Leaks:
1. Cristiano Ronaldo
CR7 tem números no nome, mas também em offshores. Alegadamente, o jogador português usou um paraíso fiscal para esconder quase 150 milhões de euros e pagar menos impostos. Em causa, tal como na empresa irlandesa, estão as receitas provenientes de direitos de imagem que iriam para empresas-fantasma sedeadas no offshore das Ilhas Virgens Britânicas, nas Caraíbas. Por pagar, terão ficado 63,5 milhões de euros em impostos.
Em sua defesa, Cristiano Ronaldo disse recentemente, em resposta à RTP, que “quem não deve, não teme”, frase que esta sexta-feira faz manchete no diário desportivo espanhol AS. A Gestifute revelou até uma declaração das autoridades fiscais espanholas que iliba o jogador do Real Madrid de estar em falta do ponto de vista das suas obrigações fiscais. E até o Real Madrid saiu em sua defesa depois de os adeptos assobiarem o jogador.
De acordo com a empresa de Jorge Mendes, “as autoridades fiscais europeias têm critérios diferentes em matéria de direitos de imagem e os clientes estrangeiros veem-se com frequência afetados por essas diferenças, que respeitam e cumprem. Em todos os casos em que se verificaram divergências com as autoridades sobre os critérios fiscais a aplicar, as mesmas foram resolvidas por acordo, sem necessidade de recurso aos tribunais”.
2. José Mourinho
Desde que chegou à Premier League, o treinador terá recebido rendimentos por direitos de imagem através de uma estrutura offshore. Desde que começou a ser agenciado por Jorge Mendes (através da empresa Gestifute), há 12 anos, Mourinho terá começado a receber as receitas por direitos de imagem repartidos entre a Irlanda, as Ilhas Virgens Britânicas e a Nova Zelândia.
Segundo a investigação, a Agência Tributária de Espanha realizou uma inspeção às declarações de Mourinho em 2014. Um ano depois foi imposta uma sanção: 2,1 milhões de euros, que corresponde a 20% das suas receitas entre 2010 e 2013. Ainda assim, ficou a metade dos potenciais 4,4 milhões de euros uma vez que, no ano em questão, 2013, Mourinho esteve menos dias em Espanha do que os necessários para ter residência fiscal no país. Resultado: o treinador pagou a taxa de não residente, que é inferior à de residente.
Pouco tempo depois, o caso de Mourinho leva-nos a um trio que envolve Real Madrid e Jorge Mendes. O clube alegou que o agente tinha sido um assessor externo para as negociações do treinador, e não seu representante. A autoridade espanhola não aceitou o argumento e Mourinho teve de pagar mais de 800 mil euros por contribuições em atraso, elevando para três milhões de euros o total já pago.
3. Jorge Mendes
É o agente de Cristiano Ronaldo e José Mourinho e, por isso, o elo de ligação dos portugueses nesta investigação. A empresa que gere a carreira dos jogadores, a Gestifute, gerida por Jorge Mendes, é o denominador comum dos esquemas de alegada fuga fiscal. É de referir que, para além de ser reconhecido pelos agentes desportivos, Mendes recebeu em 2012 o Colar de Honra ao Mérito Desportivo, decisão de Miguel Relvas, na altura ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares do Governo PSD/CDS.
Será Mendes o maestro dos esquemas empresariais complexos que envolvem vários países como Irlanda, Suíça, Caraíbas? Em comum estão os dividendos de direitos de imagem dos jogadores e três empresas que são os tentáculos do polvo: a Multisports & Image Management, a Polaris Sports e a Tollin Associates Limited (sediada nas Caraíbas). As duas primeiras eram utilizadas para negociar os contratos de publicidade e a última para receber os pagamentos e, assim, usufruir das vantagens fiscais das Ilhas Virgens Britânicas, nas Caraíbas.
O Expresso (acesso pago) explica que os impostos sobre receitas de direitos de imagem são mais baixos se forem recebidos por uma empresa e não por um cidadão, como seria se fossem, por exemplo, diretamente para Cristiano Ronaldo. Na Irlanda então, onde as taxas são mais baixas (12,5% para as empresas), o cenário é melhor. Pagos os impostos desses lucros, as receitas seguiam para a Tollin.
O fluxo do dinheiro e os contornos da história são complexos, mas centram-se numa estratégia à qual a investigação do El Mundo deixa questões: “Quando e a quem é que Ronaldo vendeu, logo em 2014, os seus direitos de imagem para 2015-2020. Foi um ‘bom amigo’. Mas porquê?”, escreve o semanário.
4. Fábio Coentrão
Com Coentrão voltamos ao Panamá: o futebolista português usou uma empresa com sede nesse paraíso fiscal para não declarar 3,5 milhões de euros dos direitos de imagem que iria auferir com a transferência para o Real Madrid, em 2011. Vendo-se sob investigação da Agência Tributária Espanhola por estar ligado à Gestifute, Fábio Coentrão decidiu regularizar a situação e declarar às autoridades portuguesas esse valor, tendo pago posteriormente a taxa de 28%, que é aplicada a estes rendimentos, e os juros pelo atraso na declaração.
Contudo, segundo o Expresso, Fábio Coentrão pode enfrentar um processo criminal em Portugal sendo que, em Espanha, o Ministério Público acaba de confirmar já ter avançado com acusações. Apesar da regularização da dívida, a lei portuguesa deixa em aberto um crime de fraude fiscal. Para que isso aconteça, as autoridades portuguesas têm de iniciar um processo de inquérito que pode depois ser arquivado ou transformar-se em acusação.
5. Ricardo Carvalho
Este é o nome português que está entre os acusados. No seguimento das divulgações desta investigação jornalística, o Ministério Público espanhol apresentou uma acusação a Ricardo Carvalho. O jogador português não apresentou ao fisco espanhol, em 2011 e 2012, os rendimentos de… sim, de direitos de imagem. Em causa estão dois milhões de euros não declarados pelo jogador.
Foi na ida do Porto para o Chelsea que as complicações começaram e, claro, envolvem offshores nas Ilhas Virgens Britânicas (a Alda Ventures) e as duas irlandesas Multisports & Image Management e Polaris Sports, sendo esta última gerida por Luís Correia, sobrinho de Jorge Mendes que é o agente de Ricardo Carvalho. Foi na transferência para Espanha, para o Real Madrid, que a estrutura continuou montada e o caso complicou-se.
O fisco espanhol investigou e encontrou problemas, mas a defesa alega que no contrato original há um acordo verbal para o jogador só receber o dinheiro dos direitos de imagem no final da sua carreira, o que ainda não aconteceu, explicou o Expresso (acesso pago).
O fisco espanhol é implacável?
A resposta a esta pergunta vai depender dos desenvolvimentos seguintes, mas a verdade é que os jogadores portugueses alvo da investigação jornalística tinham passado pela Inglaterra durante anos sem — alegadamente — nenhum problema com o fisco inglês. Assim que entraram em Espanha, o caso mudou de figura e esta sexta-feira a Autoridade Tributária do país avisou que “não vai aceitar multas inferiores a 40% do dinheiro desviado“, segundo fontes do Cadena Ser.
Nos acordos que vai tentar fazer com os jogadores acusados, o Ministério Público de Madrid pretende a “imposição de uma multa, para além da recuperação do dinheiro supostamente defraudado e de uma leve pena de prisão que não os conduza a um centro penitenciário“. O mesmo órgão de comunicação social revelou que Ricardo Carvalho já garantiu às autoridades que vai pagar os 400 mil euros que não terá declarado ao fisco espanhol.
Editado por Mariana de Araújo Barbosa (mariana.barbosa@eco.pt)
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