Novo Governo, os mesmos ministros. E a contestação continua

Depois de uma legislatura que ficou marcada por protestos na Saúde e na Educação, Costa decidiu manter nessas pastas dois dos rostos mais contestado do Governo, Marta Temido e Tiago Brandão Rodrigues.

Apesar das fortes críticas dirigidas aos ministros da Educação e da Saúde ao longo da última legislatura, António Costa decidiu manter essas pastas nas mãos de Tiago Brandão Rodrigues e Marta Temido, no novo Governo, uma escolha que não satisfaz alguns dos trabalhadores destas áreas. “É uma afronta e uma provocação“, dizem os professores. Menos ríspidos, os enfermeiros salientam que “há sempre espaço para as pessoas poderem corrigir trajetos“, ainda que não esqueçam os confrontos passados.

Tiago Brandão Rodrigues tomou posse a 26 de novembro de 2011, com 38 anos, tornando-se o ministro da Educação mais jovem de sempre. Durante a legislatura que está agora a terminar, muitas foram as críticas dirigidas a este governante, sobretudo nos dois últimos anos.

Isto já que, no início da vida do Executivo em causa, foram cumpridas algumas das promessas feitas aos docentes — como o descongelamento das carreiras, a reposição dos salários e o fim da prova de avaliação de conhecimentos e capacidades que tinha passado a ser exigida, a partir de 2013, a todos os professores contratados — o que acabou por criar certas expectativas aos docentes. “As coisas começaram com uma luz ao fim do túnel, mas depois o túnel desabou e acabou a luz”, chegou a frisar Mário Nogueira, líder da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), em conversa com o ECO.

Um dos confrontos mais quentes entre Tiago Brandão Rodrigues e os professores foi relativo à recuperação do tempo de serviço “perdido” por estes últimos. Os docentes reivindicavam a recuperação de nove anos, quatro meses e dois dias, mas o Governo insistiu na contabilização de apenas dois anos, nove meses e 18 dias. As negociações chegaram ao fim sem ter sido possível chegar a um consenso e com acusações de parte a parte de intransigência.

Em março deste ano, o Executivo de António Costa publicou, assim, em Diário da República o decreto-lei que “mitiga os efeitos do congelamento” na carreira docente, prevendo a recuperação dos tais dois anos, noves meses e 18 dias (1.018 dias) dos nove anos, quatro meses e dois dias, mas a história estava longe de terminar, uma vez que os partidos pediram a apreciação parlamentar deste diploma.

Em reação, António Costa ameaçou mesmo demitir-se, caso os deputados aprovassem a recuperação integral do período congelado. Perante esta posição do Governo, PSD e CDS-PP, que na especialidade tinham votado a favor da recuperação dos 9A4M2D, recuaram na votação global, levando assim ao chumbo da recuperação integral do tempo “perdido”. O Governo acabou então por aprovar a recuperação de apenas dois anos desse período congelado, frustrando as reivindicações dos sindicatos, que garantem que vão continuar a luta.

De resto, é todo este histórico que leva Mário Nogueira a considerar agora que a continuação de Tiago Brandão Rodrigues na Educação, no próximo Executivo, “uma afronta e uma provocação”. “Alguém que levou o confronto ao extremo em relação aos professores, levou à mesa que devia ser negocial a chantagem e que nos momentos em que era mais importante haver ministro da Educação não existiu”, sublinhou o dirigente da Fenprof.

Nogueira diz que as expectativas são, portanto, “muito baixas” e reforça que a permanência no Governo “não é pelo excelente trabalho” que Brandão Rodrigues desenvolveu. “É uma pessoa que já conhecemos, que demonstrou ser incapaz de dialogar, negociar e enfrentar o protesto, não tendo solução para os problemas. Quem segurou nas pontas do Ministério da Educação nos últimos quatro anos foram os secretários de Estado”, enfatizou o sindicalista.

No mesmo setor, a Federação Nacional da Educação salienta que a continuação de Tiago Brandão Rodrigues “era bastante expectável” e tem uma vantagem: é que já conhece os dossiês e os problemas do setor. “A nós não são as pessoas que nos satisfazem. O que é importante são as políticas que vierem a ser determinadas”, diz o sindicato.

Já para os diretores escolares, o mais importante é saber quem serão os secretários de Estado de Brandão Rodrigues, agora que Alexandra Leitão (até agora secretária de Estado Adjunta e da Educação) vai subir a Ministra da Modernização e da Administração Pública. “Tínhamos uma belíssima relação com o ministro Tiago Brandão Rodrigues, mas para as escolas a alma do Ministério da Educação eram os dois secretários de Estado“, disse à Lusa o presidente da Associação Nacional de Diretores Escolares (ANDE), Manuel Pereira.

E para a Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), a continuação de Brandão Rodrigues pode ser positiva se tal for “sinónimo de estabilidade nas políticas educativas”.

Oportunidade perdida com recondução de Marta Temido

Ainda que não esqueça o momento em que Marta Temido “apelidou os enfermeiros de criminosos”, Ana Rita Cravo salienta que “há sempre espaço para as pessoas poderem corrigir trajetos, caminhos e formas de estar”.

A bastonária da Ordem dos Enfermeiros aludiu às declarações da ministra da Saúde feitas em dezembro do ano passado em que dizia ter recusado conversar com os enfermeiros em greve, uma vez que isso seria beneficiar “o criminoso, infrator”. Temido acabou por pedir desculpas por tais palavras, mas esse histórico continua a lançar uma sombra sobre a relação entre o Governo e os trabalhadores. Ainda assim, Ana Rita Cravo diz: “Da nossa parte podem contar com disponibilidade para o diálogo mas também para continuar a fazer denúncias sempre que houver uma quebra na segurança da prestação de cuidados de enfermagem”.

Já o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, considera que a decisão de António Costa de manter Marta Temido na Saúde e Mário Centeno nas Finanças foi uma oportunidade perdida. “Não está a saber aproveitar a oportunidade que os portugueses lhe deram”, declarou.

“Não sei se esta escolha do primeiro-ministro é para ter um Serviço Nacional de Saúde mais forte ou para continuar a ser as Finanças a dominar sobre a saúde dos portugueses. Creio que é a segunda hipótese“, assinalou Miguel Guimarães, sublinhando que Temido “nada fez de significativo” pela Saúde em Portugal.

Por sua vez, o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) saudou a recondução de Marta Temido e demonstrou a sua “total disponibilidade” para “fortalecer e salvar” o Serviço Nacional de Saúde.

De notar que, ao contrário de Tiago Brandão Rodrigues, Marta Temido não fez parte do painel original de ministros de António Costa. Temido só chegou ao Executivo a 15 de outubro de 2018, substituindo Adalberto Campos Fernandes, num momento em que a contestação social tinha tomado conta do setor. Reconduzida agora no cargo de Ministra da Saúde, Marta Temido já tem fixado o primeiro desafio: o Orçamento do Estado para 2019.

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