Reforço da proteção na parentalidade
Leia aqui o artigo de opinião da advogada sénior da Morais Leitão, Joana Almeida, sobre o "reforço da proteção na parentalidade".
A Lei n.º 90/2019, de 4 de setembro, veio reforçar a proteção na parentalidade, alterando o Código do Trabalho e (entre outros) o Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de abril, que estabelece o correspondente regime previdencial.
Entre as alterações mais relevantes contam-se duas disposições inovadoras, aditadas ao Código do Trabalho: o artigo 33.º-A, que sob a epígrafe “referências” consagra no n.º 1 que as menções à mãe e ao pai se consideram efetuadas aos titulares do direito de parentalidade, salvo as que resultem da condição biológica daqueles; e o artigo 35.º-A, que proíbe qualquer forma de discriminação em razão do exercício de direitos de parentalidade (n.º 1), designadamente ao nível da atribuição de prémios de assiduidade e produtividade e progressão na carreira (n.º 2).
No que concerne ao primeiro, o próprio preceito concretiza, nos números seguintes, o alcance do princípio proclamado no n.º 1. É assim que a trabalhadora grávida ou puérpera (esta, a trabalhadora parturiente e nos 120 dias subsequentes ao parto) gozará da licença parental exclusiva da mãe, gozando o outro titular do direito de parentalidade da licença exclusiva do pai (n.º 2). Trata-se de disposição de inequívoca importância para casais do sexo feminino, atentas as dúvidas interpretativas que se colocavam antes da clarificação agora introduzida (a mulher não grávida exercia os direitos de parentalidade reconhecidos à mãe ou ao pai?).
Na mesma linha, o n.º 3 do artigo 33.º-A deixa claro que às situações de adoção por casais do mesmo sexo se aplicam os regimes da licença por adoção e da extensão ao adotante dos direitos atribuídos aos progenitores (portanto, em domínios tão variados quanto a dispensa para aleitação, a licença parental complementar em qualquer das suas modalidades, faltas para assistência a filho ou neto, redução do tempo de trabalho, direito a trabalhar a tempo parcial ou em horário flexível).
Mais complexa é a alteração prevista no artigo 35.º-A.
A complexidade resulta, desde logo, da circunstância da norma coexistir com outra que a precede, e que a Lei n.º 90/2019, de 4 de setembro, não alterou: o artigo 65.º, n.º 1, na parte em que caracteriza a generalidade das licenças, faltas e dispensas como constituindo prestação efetiva de trabalho, “salvo quanto à retribuição” (exceção feita às licenças para assistência a filho, nos termos do n.º 6).
Concretizando: se o empregador implementou sistema de prémios mensais ou trimestrais, cuja regularidade lhes confere natureza retributiva, durante o gozo da licença parental o prémio é devido por força do artigo 35.º-A, ou não é devido por força do artigo 65.º, n.º 1? Tendemos para este, desde logo porque durante a licença parental o trabalhador recebe subsídio compensatório da perda de rendimentos de trabalho que presumivelmente atende ao valor auferido a título de prémio.
Por isso, o alcance da norma parece ser o de atribuir direito ao prémio quando o trabalhador retoma a prestação efetiva de trabalho, como se ele tivesse estado ao serviço. Mas se esse alcance se percebe bem num prémio de assiduidade, em que basta considerar que o trabalhador prestou trabalho, que dizer de um prémio de produtividade assente em parâmetros qualitativos? Como medir a produtividade de quem não prestou trabalho efetivo? E se o sistema de prémios vigente reservar o direito ao prémio, ou a prémio de determinado valor, a quem tenha superado os objetivos fixados – mesmo se quantitativos – deve ficcionar-se que o trabalhador que gozou a licença parental foi o mais produtivo possível? Importará essa ficção um tratamento desigual de quem, tendo prestado serviço efetivo, ultrapassou essa barreira, ou não a ultrapassou?
Do mesmo modo, a garantia conferida pelo artigo 35.º-A convive bem com sistemas de progressão na carreira baseados no decurso do tempo, ou na assiduidade, mas colocará desafios em sistemas assentes no mérito ou na produtividade.
Sem que se discorde do sentido da norma, adivinham-se dificuldades práticas na sua aplicação.
*Joana Almeida é advogada sénior da sociedade Morais Leitão.
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