A dívida que une PSD/CDS a BE/PCP…
A dívida pública une a Direita e os partidos à Esquerda do PS. É por isso que, agora, só o PS tem uma política europeia. E, como sucedeu com Mário Soares, é bom que o PS tenha razão.
A questão da dívida tem servido para todas as demagogias. Quando digo todas é porque tem servido aqueles que fazem da dívida uma arma de arremesso contra o projeto europeu. Aqueles que, de forma populista, falam de uma dívida ‘ilegítima’, como também para aqueles que a usam para impor um caminho único, com uma marca ideológica, e que remete todo o poder negocial para os credores, assumindo como necessário o empobrecimento do Estado do Bem-Estar.
É para muitos, em particular à direita, uma política conveniente, onde perante o pesado fardo fiscal e a concorrência num espaço global, deixam como último reduto, ou solução única, a alienação das conquistas civilizacionais que Portugal – e outros Estados-Membros – foram alcançando nas últimas décadas do século XX.
São uns e outros, à direita e à esquerda, claros adversários da sustentabilidade do projeto europeu e de um espaço comunitário coeso e próspero, com uma governação assente nos seus valores de sempre: democracia, solidariedade e liberdade.
Senão vejamos: Francisco Louçã ‘selou’ de ‘falhado’ o projeto europeu; Passos Coelho diz que falar da dívida ‘nem pensar’, e que por isso, tal como fez durante quatro anos, continua a afirmar que o melhor é fazer o necessário, ‘custe o que custar’, para acomodar o serviço de dívida num saldo primário necessariamente cada vez de maior volume. Um valor que para anular a despesa com juros, que se cifra em torno dos 4,6% do PIB, num stock que se cifra em 130% do mesmo indicador, ascenderá a mais de 8,5 mil milhões de euros.
Se para o BE o PCP a desagregação do projeto europeu é o resultado de uma política que sempre identificaram como errada; para o PSD e para o CDS a sua solução europeísta é a de um estado latente e permanente de austeridade, sem crescimento, e por isso com emigração, desemprego, onde os devedores ficam no seio da UE em função dos interesses de conveniência e circunstância dos credores oficiais (MEE, BCE e FMI).
Por isso, na verdade, Passos Coelho – e o CDS nas suas versões Portas e Cristas – também dizem de forma implícita, como Louçã, que o projeto europeu falhou. Só que preferem ainda assim ficar dentro do ente falhado. Não é, apesar de tudo, politicamente irrelevante querer ficar dentro; mas não deixa de ser um projeto falhado. São como faces diferentes da mesma (má) moeda.
A partir deste ponto, é legítimo que o leitor pergunte: qual é a solução? Desde o ponto de vista político, é evidente, para mim, e julgo que para a larga maioria dos militantes do PS, que uma solução europeia para dívida radica de forma estrutural na correção das divergências aprofundadas pela UEM, pela criação de instrumentos mitigadores dos choques assimétricos de uma área monetária não ótima, no que remeterá, já o escrevi aqui no ECO, para um orçamento da zona euro, com a institucionalização de um Eurogrupo com funções de gestão – e não apenas coordenação – orçamental, e com a criação de um Tesouro do Euro. Ou seja, uma política orçamental, com uma política económica europeia.
Segundo, ao Tesouro do Euro deve somar-se uma gestão comum da dívida, com claro enfoque no ajustamento da taxa de juro média das dívidas soberanas à evolução do PIB potencial (nominal), que permita limitar, ou eliminar, o efeito snowball, reduzindo progressivamente o peso da dívida nos orçamentos nacionais (e no conjunto da Zona Euro).
Não escondo o desapontamento com a falta de eficácia das políticas europeias; nem tão pouco considero que o ritmo e a orientação política da Comissão, do ECOFIN e do Eurogrupo tenha sido adequado.
Mas é aqui, ainda assim, com um projeto comum para dívida, ao mesmo tempo que discute a arquitetura de um Tesouro europeu, que se encontram os fundamentos de um futuro mais próspero.
A outra solução – que em grande medida a direita e a esquerda do PS apostam – é a derrota do que construímos nos últimos 30 anos em Portugal. E que é, apesar de tudo, bem melhor que o país sombrio que em 1986 na ressaca de dois resgates do FMI, e numa democracia em construção, assinou pela mão de Mário Soares, Rui Machete, Jaime Gama e Ernâni Lopes a adesão à Comunidade Económica Europeia.
Se não formos capazes de abordar este tema, e não percebermos como bem disse o senhor primeiro-ministro António Costa que Portugal deve colocar a questão como um problema de todos, cumprindo o Pacto de Estabilidade e Crescimento de forma inteligente, gerindo todas as margens de flexibilidade que for capaz de ir construindo, Portugal enfrentará um retrocesso económico (e democrático) sem precedentes.
Continuamos nesse caminho. Cumprir no défice, sanear e garantir a sustentabilidade do sistema financeiro e gerir o stock de dívida de forma a, progressivamente, reduzir o peso dos juros na despesa pública corrente. É por aí. E se as agências de rating o puderem subscrever, fazendo upgrade da notação da dívida soberana portuguesa, o caminho encontrará elementos de reforço que farão de Portugal um Estado-Membro que poderá contribuir para uma Europa melhor, com mais integração económica e orçamental.
Entre isto e aquilo que pensa o BE e o PCP vai uma enorme distância; mas também uma enorme distância para aquilo que PSD e CDS têm vindo a defender. Pode parecer paradoxal, mas não é: a dívida une hoje, no essencial, PSD/CDS e BE/PCP.
Ambos os blocos, à direita e à esquerda do PS, fazem política a partir de uma realidade subjetiva, onde encontram o verdadeiro onthos da sua política económica e orçamental: a União Europeia é um projeto falhado. Por agora, só o PS tem vindo a defender uma solução europeia para Portugal. E é bom para Portugal que, tal como no passado, com Soares, o PS tenha razão. Foi assim em 1975; que seja também assim em 2017.
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