Rui Rio: “Se não mudarmos de rumo iremos outra vez alegremente contra a parede”

O ex-presidente da Câmara do Porto explica ao ECO as vantagens e desvantagens da ideia que lançou, esta semana, de um imposto para pagar os juros da dívida pública.

Foi na segunda-feira que Rui Rio participou, enquanto moderador, numa mesa redonda sobre o tema “Economia e Fiscalidade no OE2017”, realizada no Porto. Na ocasião, lançou uma ideia para o debate: porque não reduzir o IVA, o IRS e o IRC para, em contrapartida, ser criado um imposto consignado ao pagamento dos juros da dívida pública?

Rui Rio em discurso direto: “A minha pergunta é: não seria salutar se reduzíssemos o IVA, o IRS, o IRC, os três, só num, dois deles e, por contrapartida, criássemos um imposto, vou dizer uma palavra que tecnicamente não se pode dizer, mas para me fazer entender, consignado ao pagamento dos juros da dívida pública”.

A ideia não agradou, nem à direita, nem à esquerda. Jerónimo de Sousa disse que “a solução não é essa”, insistindo no tema da “renegociação da dívida”. Duarte Pacheco do PSD disse ao Expresso: “Já não suporto que se fale em novos impostos.”. E João Galamba do PS também não terá gostado da sugestão, e lançou um repto: “O dr. Rui Rio tem primeiro de explicar aos portugueses que imposto é esse que vale oito mil milhões de euros para pagar o serviço da dívida”.

Numa entrevista por escrito ao ECO, Rui Rio explica não só como funcionaria esse imposto, mas também as suas vantagens e desvantagens.

Na qualidade de moderador de um debate sobre Economia e Fiscalidade, lançou para o debate uma ideia: o Governo poderia reduzir os impostos em sede de IVA, IRS e IRC e, em contrapartida, criar um novo imposto que servisse para pagar, anualmente, os juros da dívida pública? O que é que está implícito nesta proposta?

A sua pergunta está bem colocada e está bem longe da deturpação que tentaram fazer, dizendo que eu propus o lançamento de mais impostos para pagamento da dívida pública. Primeiro, não propus nada, limitei-me, enquanto moderador, a pedir a opinião aos palestrantes. Segundo, o tal novo imposto não implicaria o pagamento de mais impostos por parte dos cidadãos, mas sim apenas uma arrumação mais transparente da receita e da despesa pública. Terceiro, não era para pagamento da dívida, mas sim, dos juros dessa dívida, o que é uma coisa substancialmente diferente para quem tem alguma formação técnica nestas matérias.

Na minha ótica a ideia tem vantagens e desvantagens, mas o que está implícito é a tentativa de uma maior transparência. A tentativa de levar os portugueses a entenderem melhor os efeitos perniciosos dos sucessivos défices públicos que temos tido e que têm sempre de ser pagos por cada um de nós; ou conseguimos isto, ou os governos vão continuar a ser brutalmente pressionados pela opinião pública para fazerem mais e mais despesa pública.

Admitindo que seria possível consignar impostos, até porque há precedentes, até no Orçamento do Estado já aprovado na Assembleia da República para 2017, qual seria a vantagem para os contribuintes?

Como disse há vantagens e desvantagens nesta ideia. A principal vantagem é a de que os portugueses teriam uma noção exata de quanto lhes está a custar o pagamento dos juros da dívida pública, cuja fatura anual ascenderá em 2017 a 8,3 mil milhões de euros. Hoje pagam-na de forma escondida através dos diversos impostos que entregam ao Estado, e não têm a perceção exata desta brutalidade que está a cair sobre eles.

Se essa verba fosse bem explicitada através de um imposto com as características enunciadas, as pessoas passariam a perceber melhor os efeitos nocivos de um défice público, porque, logo a partir do ano seguinte, o novo imposto subiria. Hoje acontece o mesmo, mas as pessoas não o percecionam de forma tão transparente.

A principal vantagem é a de que os portugueses teriam uma noção exata de quanto lhes está a custar o pagamento dos juros da dívida pública.

Rui Rio

O novo imposto seria neutro do ponto de vista da carga fiscal?

No ano de partida seria neutro, porque se teria de baixar, na mesma proporção, outros impostos, designadamente o IRS. A partir daí, acho que a carga fiscal tenderia a baixar paulatinamente, porque a pressão sobre os Governos passaria a ser enorme, dada a transparência do imposto. Ou seja, haveria uma tendência para se equilibrar as contas públicas, senão mesmo para a criação de pequenos excedentes orçamentais que garantiriam a descida deste imposto. Os Governos passariam a ser também avaliados pela evolução deste imposto.

Portugal paga anualmente cerca de 8,3 mil milhões de euros de juros, como consta do Orçamento para o próximo ano. Não seria um risco a cristalização desse custo e, consequentemente, um risco de aumento de impostos a prazo?

Como disse, é justamente para atenuar, senão mesmo, para eliminar esse risco que esta alteração fiscal poderia fazer sentido. O problema é que se continuarmos da mesma forma, sem cuidar de mudar de rumo iremos outra vez “alegremente” contra a parede, e com mais estrondo.

Mas é curioso que no quadro dos comentários e das notícias que foram saindo, principalmente nas famosas redes sociais, li críticas e até os habituais insultos, mas não consegui descortinar nenhuma consideração inteligente contra a ideia. Cumpre-me, portanto, ser eu próprio a alertar para uma desvantagem que pode efetivamente existir, que é, por exemplo, o facto de a enorme transparência que este imposto traria, poder dar demasiada força a posturas de perfil mais populista, que reclamem, por exemplo, o não-pagamento da dívida, senão mesmo dos próprios juros.

[…] A enorme transparência que este imposto traria, poder dar demasiada força a posturas de perfil mais populista, que reclamem, por exemplo, o não pagamento da dívida.

Rui Rio

Se considera que os portugueses devem ter a noção exata do que custa o serviço da dívida, por que não impor um limite à dívida pública na Constituição?

Sou favorável a uma indicação constitucional, nunca a um número concreto, porque a própria medida do défice encerra critérios de caráter demasiado técnico e alguns demasiado subjetivos. Mas podemos, por exemplo, olhar para uma Lei de Enquadramento Orçamental e consagrar aí mais alguma especificidade. Eu próprio, enquanto deputado, fiz propostas nesse sentido há quase vinte anos. Pena que, na altura, as tivessem chumbado, porque, caso contrário, as finanças públicas estariam hoje em bem melhor estado.

Portugal continua a discutir impostos. Não deveria centrar-se a discussão na reforma da despesa corrente e na sua redução?

Concordo. Temos de debater os dois lados, a receita e a despesa, mas, efetivamente, a redução da despesa corrente é o debate mais importante.

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Fotografia Paula NunesPaula Nunes / ECO

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