Francisco Louçã: Queda do PIB pode ficar “próxima dos 10%” e recuperação ser “muito lenta”
Face à pandemia de coronavírus, Francisco Louça antecipa que o PIB português poderá cair cerca de 10% e há risco de a recuperação ser "muito lenta".
A economia portuguesa poderá recuar entre 5% e 10% este ano, mas “mais próximo dos 10%” na sequência da Covid-19, e há o risco de a recuperação ser “muito lenta”, adverte o economista Francisco Louçã.
Em entrevista à Lusa, o professor universitário diz que vê “muitos economistas a tratar esta crise como se fosse uma crise em ‘V’, em que há uma queda da produção devido a um choque exógeno e há, depois, uma rápida recuperação”. Uma tese que Louçã diz ser a que aparentemente está a ser seguida “pelo Ministério das Finanças português”, mas que não passa de “uma história mal contada”.
O economista considera que há vários fatores que permitem antever uma forte queda da economia e uma recuperação lenta e que, devido a todas essas razões, a que acresce a pandemia, “é provável” virmos a ter uma combinação entre “uma queda do PIB entre 5% e 10%, mas mais próximo dos 10% em vários países, incluindo Portugal”, e uma crise do lado da procura.
Primeiro, explica o economista, esta queda terá efeitos que se prolongarão no tempo e que afetarão “a confiança dos agentes económicos”. Uma queda desta magnitude pode representar, só num ano, “mais do que o efeito cumulativo da recessão de 2009 e anos seguintes”, lembra Louçã, acrescentando que haverá setores económicos, como o dos transportes aéreos, do alojamento local ou do turismo, setores de “especialização de Portugal nos últimos anos”, que “não se restabelecerão no mesmo nível”.
Aliado a esta queda do PIB e à decorrente falta de confiança dos agentes económicos, o antigo coordenador do Bloco de Esquerda diz ainda que vai começar a surgir, “não no imediato, mas no futuro, uma crise no lado da procura”. Isto porque “a queda dos rendimentos” das famílias será “muito significativa” à medida que “as pessoas passam para lay-off ou para o desemprego”, afirmou.
Tudo somado, Francisco Louçã diz que “o risco é que não tenhamos um ‘V’, mas que tenhamos um ‘L’, e que a recuperação seja muito lenta.” O diagnóstico do professor universitário não resulta apenas dos efeitos económicos da pandemia. Francisco Loução recorda que este fator exógeno ocorre “num contexto em que já havia três ameaças graves muito evidentes” à atividade económica.
Primeiro, a economia mundial estava num novo “pico de intensidade especulativa”, algo que apenas tinha acontecido “nos anos 30 do século passado e na crise do Nasdaq em 2000”. Em segundo lugar, em consequência das injeções de liquidez feitas pelos bancos centrais para salvar o euro, “tínhamos uma enorme inflação financeira”. Ou seja, explica o economista, como “não houve investimento, esses recursos foram utilizados para a valorização de títulos financeiros, criando uma bolha financeira e uma bolha imobiliária”. Por último, “tínhamos um enorme crescimento do endividamento das empresas, uma bolha no mercado de obrigações”, acrescentou.
São estes três fatores que, segundo Francisco Louçã, explicam “por que é que um choque exógeno, como a pandemia que estamos a passar, não só afeta cadeias de produção, mas também afeta a estrutura da distribuição dos rendimentos”.
“Sem cooperação países do Sul estão a ser atirados para fora da UE”
Louçã adverte, além disso, que se não houver cooperação, “os países do Sul estarão a ser atirados para fora da União Europeia (UE)”. “Sem uma regra de cooperação da UE, os países do Sul da Europa estão a ser encostados a soluções económicas e sociais que são a segunda vaga da atual pandemia [Covid-19] e essa segunda vaga é tão perigosa como a primeira”, defende o professor universitário.
Louçã diz concordar com a ideia de que a Covid-19 é um choque que está a atingir toda a UE e que terá efeitos económicos sobre todos os países, mas, no futuro, esses efeitos não serão iguais para todos, porque nem todos terão as mesmas condições para lidar com a crise económica que se adivinha.
O economista antevê mesmo um cenário pior, uma vez que considera que a Alemanha “beneficia em termos financeiros dos efeitos económicos da crise”.
Na prática, explica Louçã, as emissões de dívida vão ser muito mais elevadas porque os países vão ter de se endividar para fazer face à pandemia e à crise subsequente. Até mesmo a Alemanha terá de emitir dívida depois de ter abandonado o seu excedente orçamental, lembra o economista.
Ora, para Louçã, “a desigualdade da vulnerabilidade destes países [do Sul] implicará um aumento das diferenças de taxas juro. Ou seja, quanto pior forem as condições de emissão dos países do Sul, melhores são as condições da Alemanha, acabando por ser um beneficiário líquido”.
O economista admite que as próprias agências de rating voltarão a atacar os países mais endividados, transformando “a zona alemã, a Alemanha, a Holanda, a Finlândia, a Áustria, nos referenciais de ativos seguros”, enquanto aos “países do Sul será imposta austeridade”. Uma estratégia que para o economista “conduz à destruição do euro e, porventura, a uma tensão como a UE nunca viveu desde o seu início”.
É também por este cenário que Louçã, apesar de defender os coronabonds, não acredita na sua criação. “Permitiriam evitar um peso significativo sobre a dívida soberana porque permitiriam financiamento a juros muito baixos e poderiam ser emitidos a prazo muito largo. Mas creio que serão rejeitados”, uma vez que existe um obstáculo político à sua implementação e esse obstáculo é o veto alemão, afirma.
Não havendo este cenário, o antigo coordenador do Bloco de Esquerda diz que, neste momento, o que está a ser discutido “é uma combinação entre uma operação de caridade e operações de crédito”. A operação de caridade, explica, foi sugerida pelo primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, quando anunciou que a Holanda daria 600 milhões de euros para um fundo que poderia ir até 20 mil milhões.
“Resta saber quem o vai pagar”, questiona-se o economista, adiantando que este dinheiro seria depois oferecido à Itália e à Espanha e a países em dificuldades. “Tudo isto é muito nubloso e significa que a Holanda está a ressentir a gravidade da sua ostentação antieuropeia, da sua agressividade…”, afirma.
“Mas como este donativo é pouco plausível”, prossegue Louçã, “o que verdadeiramente parece estar a ser discutido é o recurso ao Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE)”. Louçã lembra que o MEE tem um fundo de 410 mil milhões de euros, mas que não é todo mobilizável a curto prazo. E, além da insuficiência do fundo, o economista aponta três problemas a estas linhas de financiamento: “têm um juro elevado, excluem a Itália e têm condicionalidade para quem aceitar.”
Assim, o professor universitário considera que, mesmo num cenário em que o Conselho Europeu aceitasse aliviar qualquer destas três condições, Portugal “não deveria aceitar” esta solução, “porque há condições para impor aos países beneficiários da desigualdade do euro uma condição muito mais protetora das sociedades”.
Na sequência do último Conselho Europeu por videoconferência, no qual foram visíveis as divergências entre os 27 sobre a melhor forma de responder no plano económico à crise provocada pelo surto do novo coronavírus, o Eurogrupo vai celebrar nova reunião extraordinária na próxima terça-feira, tendo em conta o mandato atribuído para finalizar propostas concretas a apresentar aos líderes europeus.
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