Daniel Bessa: “Quem mantiver rendimentos vai ter de contribuir pesadamente para um esforço de solidariedade”
Daniel Bessa alerta que "as pessoas vão ter de assumir a sua quota parte de um esforço que chamaria de solidariedade, de partilha da austeridade", após a crise.
As empresas e as pessoas que conseguirem durante a atual crise manter lucros e rendimentos “vão ter de contribuir pesadamente” para um esforço de solidariedade, defende o economista Daniel Bessa em entrevista à Lusa.
“Quem, por esta ordem, for capaz de manter lucros, salários e pensões vai ter de contribuir. Vai ter de contribuir pesadamente e com progressividade”, salienta o professor universitário, deixando claro que não quer ver lucros ou rendimentos a baixar, antes pelo contrário, para que possam contribuir para um esforço de solidariedade, de partilha da austeridade.
“É evidente que não se pode pedir a quem tem uma pensão mínima ou um salário mínimo esse esforço, mas consideraria repugnante que, quando terminar a fase de negação que estamos a atravessar, no momento próprio, mais cedo do que tarde, os rendimentos que sobreviverem não sejam chamados a pagar a sua parte”, explica o antigo ministro da Economia no governo socialista liderado por António Guterres.
“Não quero reduzir lucros, nem salários, nem pensões de ninguém, agora, em algum momento, as pessoas vão ter de assumir a sua quota parte de um esforço que chamaria de solidariedade, de partilha da austeridade”, enfatiza o professor universitário, lembrando que “na crise anterior falou-se muito sobre austeridade e sobre os anos de austeridades”, mas agora não é disso que se trata: “desta vez, a austeridade já cá está, é inevitável, precisando de solidariedade, para ser partilhada”.
Daniel Bessa diz concordar que, neste momento, no imediato, “o que se pode fazer é distribuir dinheiro, para que as empresas se mantenham, porque é vital que não acabem, e as pessoas não fiquem na miséria e não morram de fome.”
Mas, quando a recuperação se iniciar, “e provavelmente antes, mais cedo do que tarde, como referi, quem for capaz de manter algum rendimento tem de contribuir”, sublinha o economista, adiantando que se está a referir “aos lucros que alguns vão poder manter, não tanto na banca, um dos setores mais ameaçados, mas noutras empresas”, e “a quem recebe salários, alguns dos quais garantidos, como na função pública, pelo menos para já, ou pensões”.
Daniel Bessa diz mesmo que só este esforço pode justificar que haja também solidariedade por parte da União Europeia.
“Teria de dar toda a razão ao ministro das Finanças holandês se tudo se resumisse a ir ao Banco Central Europeu (BCE) e à Comissão Europeia buscar dinheiro, se, em casa, quem sobrevive não for chamado a contribui”, sublinha, salientando que não se excluí desse esforço.
“Espero sobreviver e, portanto, estou a falar contra mim”, afirma.
O professor universitário defende mesmo que o pior cenário que se pode dar aos portugueses, por irrealista, “é que o BCE e a UE vão resolver o problema, sem uma distribuição interna de custos”.
“As duas coisas têm de ir a par. Por isso é que falo de solidariedade. Perco toda a autoridade moral se tento pôr o essencial do contributo e da responsabilidade em terceiros. E isso para já não irmos mais longe, porque estamos a falar do nosso problema, mas há sempre, no mundo, problemas mais graves, para cuja resolução também teremos de contribuir; há sempre pior”, diz Daniel Bessa.
Depois de surgir na China, em dezembro, o novo coronavírus, responsável pela pandemia de Covid-19, espalhou-se por todo o mundo, o que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar uma situação de pandemia.
O continente europeu é aquele onde se regista o maior número de casos e a Itália é o país do mundo com mais vítimas mortais.
Em Portugal, segundo a Direção-Geral da Saúde, registaram-se 311 mortes e há 11.730 casos de infeções confirmadas.
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