Cortes salariais no futebol podem custar seis milhões por mês ao Estado
Uma redução nos salários dos jogadores da I liga de futebol pode custar seis milhões de euros por mês ao Estado em perda de receita, estimaram fiscalistas ouvidos pela Lusa.
Uma eventual redução salarial dos futebolistas da I Liga durante a pandemia de Covid-19 pode reduzir a receita tributária do Governo entre cinco e seis milhões de euros por mês, avaliaram os fiscalistas ouvidos pela agência Lusa.
“Na última época, foram pagos quase 230 milhões a jogadores e treinadores e um corte de 50% durante três meses pode representar uma poupança a rondar os 30 milhões em salários. Com a consequente redução do IRS, admitindo taxas marginais a rondar os 48% e a Segurança Social, estaremos a falar à volta de cinco milhões de euros por mês”, estimou Samuel Almeida, especialista em direito fiscal da sociedade de advogados Vieira de Almeida.
José Maria Montenegro, do escritório Morais Leitão, defende que a queda tributária “será bem superior” e representa perdas de “seis milhões por mês”, num cenário “perfeitamente realista e até otimista”, começando por assumir ajustes para metade na média mensal de sete milhões de euros gerada pelo futebol em IRS (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares).
“As receitas mensais para a Segurança Social ascendem a 2,5 milhões de euros e uma queda de 50% determina que somemos mais 1,25 milhões de euros a esses 3,5 de IRS. Se admitirmos que a redução da atividade baixa para metade as operações geradoras de IVA [Imposto sobre o Valor Acrescentado], então teremos de somar mais um milhão”, explicou.
Além dos descontos a menos, relacionados com a “inevitabilidade de reduzir a massa salarial”, o advogado justifica a queda do montante a receber pelo Estado com “todas as operações que cessaram ou se reduziram significativamente”, como a descida de patrocínios e de merchandising ou a ausência de venda de bilhetes e de dias de jogo.
“Desse modo, será inexpressivo o IVA liquidado a entregar ao Estado. Finalmente, é também de elementar sensatez antecipar que o futebol conhecerá, de um modo generalizado, um exercício sem resultados positivos e, portanto, não haverá IRC [Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas] relevante”, expôs.
Samuel Almeida lembra que as “diferenças salariais” entre os primodivisionários podem dificultar estes cálculos, ainda mais quando alguns clubes equacionam “acordar percentagens distintas de cortes”, mesmo se determinadas componentes variáveis típicas dos contratos de trabalho desportivos deixem de ser aplicáveis por inatividade.
“Sem competição, não há prémios de jogo. Diria que os direitos de imagem não serão afetados, pois correspondem a percentagens fixas anuais e/ou variáveis indexadas à exploração da imagem do jogador. Já uma redução do ‘merchandising’ pode ser impactada, mas depende da forma como o contrato está construído”, explicou.
De acordo com a última edição do Anuário do Futebol Profissional Português, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e respetivas sociedades desportivas geraram quase 607 milhões de euros em volume de negócios, contribuindo com 24 milhões de euros em impostos e mais de 396 milhões para o Produto Interno Bruto (PIB) português na época 2017/18.
“Falamos em cerca de 0,2% do PIB e a I Liga representa 95% desse valor, excluindo IRS. Aqui não estão incluídas diversas variáveis como impactos em publicidade, receitas das operadoras de televisão, turismo, apostas, equipamento e material desportivo, além de montantes poupados ao Estado no fomento do desporto”, alertou.
A maioria dos postos laborais estava associada aos 18 emblemas da elite, que empregaram 1.212 trabalhadores — 943 jogadores, 135 treinadores e 134 funcionários afetos às áreas de suporte, gestão e administração do futebol –, num total de 1.958 pessoas repartidas também pela II Liga e pela estrutura da Liga Portugal.
“Os dados atestam a incontornável relevância do futebol na nossa sociedade e economia. Esta redução abrupta e brutal de receitas gera um fatal desequilíbrio de tesouraria face aos compromissos assumidos, nos quais surge a massa salarial, que é sempre a rubrica mais pesada em todas as sociedades desportivas”, notou José Maria Montenegro.
Há duas épocas, os gastos dos clubes com pessoal atingiram os 292 milhões de euros, dos quais 222 ME se destinaram aos jogadores, que auferiram um total agregado em salários de 198 milhões, cenário distinto das restantes modalidades, cujo peso “inexpressivo” poderá supor que “tenderão a depender mais do erário público”.
“Temo que a recuperação seja mais difícil, porque em tempo de bonança já é complicada a militância de adeptos e a atração de receitas, consumidores e audiências. Em sinal de esperança, talvez se possa dizer que, sendo a queda menor, tal como é a dimensão do desporto fora do futebol, poderá ser mais ágil a desejada recuperação”, afiançou.
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