Governo obriga a pôr mais biodiesel no gasóleo. Petrolíferas pagam fatura

A partir desta terça-feira, as petrolíferas estão obrigadas pelo Governo a respeitar uma incorporação física de 6,75% de biodiesel no gasóleo utilizado no setor dos transportes terrestres.

A partir desta terça-feira, e até um mês depois de terminar o estado de emergência decretado em Portugal, o Governo vai obrigar as petrolíferas a respeitar uma incorporação física de 6,75% de biodiesel no gasóleo utilizado no setor dos transportes terrestres. A decisão surgiu num despacho publicado na véspera e assinado pelo secretário de Estado da Energia, João Galamba.

Esta obrigatoriedade é excecional e transitória e suspende, para já, a possibilidade de as petrolíferas cumprirem a nova meta de 10% de incorporação que entrou em vigor em 2020 unicamente através de títulos de biocombustíveis comprados pelos incorporadores (empresas que introduzem no mercado combustíveis rodoviários, como gasóleo e gasolina), como tem vindo a acontecer até agora.

Galamba diz que se trata de “uma medida de caráter excecional, como outras tomadas nos últimos tempos em resposta à pandemia”. E explica a sua decisão: “A produção de biodiesel com óleos vegetais suporta a obtenção das farinhas proteicas utilizadas na ração animal para o setor pecuário. Portanto, o muito menor consumo e escoamento destes óleos tem como efeito imediato o menor funcionamento das instalações de extração de oleaginosas e, assim, a menor disponibilização ao mercado das farinhas proteicas indispensáveis à alimentação animal”, disse ao ECO.

As sirenes de alarme chegaram ao Governo quando o preço do frango, por exemplo, entre outras carnes, começou a aumentar nas prateleiras dos supermercados durante o estado de emergência decretado no país por causa da pandemia de Covid-19. As rações não estavam a chegar em quantidade suficiente aos produtores de animais e era urgente garantir que isso acontecia, mexendo em toda a cadeia de valor, a começar pelo fim. Os combustíveis não estão a ser vendidos nas bombas, o biodiesel não está a ser incorporado, as fábricas de biocombustíveis estão paradas com os stocks no máximo e sem capacidade de armazenamento, as empresas de moagem e extração de óleos, como a Sovena e a Iberol, também abrandaram as máquinas. Conclusão: abundam óleos alimentares no mercado, mas faltam farinhas para as rações animais.

Cabe agora às petrolíferas pagar a fatura. Perante a decisão do Governo, António Comprido, secretário-geral da Apetro – Associação Portuguesa De Empresas Petrolíferas, disse ao ECO que se trata de “mais uma obrigação para um setor que já está em dificuldades”. A medida “não terá grande expressão nos preços finais”, garante, pelo que não antevê uma subida do preço do gasóleo nas bombas. Já para as petrolíferas, esta decisão vai trazer “custos adicionais” e outros prejuízos.

“É impossível começar a cumprir esta obrigação a partir da data que determina o despacho, ou seja, um dia depois da sua assinatura. Além disso, retira flexibilidade às empresas do setor, que têm stocks em excesso e já gastaram dinheiro em títulos de incorporação. Agora ficam com um excesso de títulos nas mãos. Vai complicar a crise no setor porque se trata de uma alteração das regras a meio do jogo”, defende António Comprido. Esta obrigação de uma incorporação física de 6,75% de biodiesel no gasóleo existiu até 2014, tendo sido depois revogada.

Diz o despacho do Governo que “urge reverter as consequências da intensificação do recurso aos títulos de biocombustíveis para incorporação de biocombustíveis no mercado, que se tem verificado nas atuais circunstâncias”. No entanto, em resposta ao ECO, Galamba disse que “não existem ainda dados disponíveis relativamente a emissão de títulos de biocombustíveis dos meses de março e abril para aferir uma maior ou menor utilização” por parte dos incorporadores.

“Face às preocupações demonstradas, importa garantir o reequilíbrio dos mercados e garantir condições mínimas de funcionamento das fileiras envolvidas. Será desta forma possível manter as quantidades utilizadas na produção de biodiesel existentes, essencial para a produção de farinhas proteícas de alimentação animal, bem como salvaguardar a fileira de recolha e tratamento de óleos alimentares usados”, disse o responsável.

Setor dos biocombustíveis “em dieta”, com primeiro trimestre “magro”

Do lado dos produtores de biocombustíveis, a questão não é consensual. Contactada pelo ECO, a Prio, que tem uma fábrica de biocombustíveis do país em Aveiro, não quis comentar o despacho do Governo. Já Jaime Braga, secretário-geral da Associação Portuguesa de Produtores de Biocombustíveis (APPB) defende que a medida do Governo é positiva porque “garante que durante algum tempo haverá incorporação real de biocombustíveis”, e não apenas com base em títulos.

E dá exemplos: em 2019, de uma meta total de 7% de incorporação, apenas 4,6% foi física. Já este ano, com a subida da meta para os 10%, em janeiro e fevereiro esta percentagem desceu para os 3,2%.

“As pequenas quantidades de biocombustíveis incorporadas puseram o setor em dieta”, alerta Jaime Braga, falando de um primeiro trimestre “magro” por conta da crise sanitária que veio desregular todo o mercado e deixou os produtores de biocombustíveis com os tanques cheios e as fábricas a abarrotar de matérias-primas para produzir óleos alimentares. Por ano, Portugal precisa de 400 mil toneladas de biocombustíveis, dos quais, apenas cerca de 15 a 20 mil toneladas são provenientes de óleos alimentares usados.

Por isso, Jaime Braga rejeita os argumentos ambientais descritos no despacho: “A utilização de títulos de biocombustíveis em detrimento da sua incorporação física implica, desde logo, a menor reciclagem de óleos alimentares usados para produção de biodiesel, designadamente os de origem nacional, com as inevitáveis consequências em todas as empresas envolvidas na recolha e tratamento destes óleos e, igualmente, com repercussão na degradação dos objetivos ambientais que lhe estão subjacentes”.

O Governo garante que “a adoção desta medida irá contribuir decisivamente para os objetivos ambientais visados pelo fluxo específico de resíduos de óleos usados”.

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