Limite à margem de lucro nas máscaras e gel “agrava escassez no mercado”, alertam as associações
As empresas que produzem, importam ou comercializam máscaras de proteção ou álcool em gel consideram que o limite do Governo às margens de lucro pode agravar o problema da escassez no mercado.
As empresas que produzem, importam ou comercializam máscaras de proteção e desinfetantes como álcool em gel consideram que a intervenção do Governo para limitar a 15% a margem de lucro nestes produtos pode criar uma escassez ainda maior no mercado. Já a descida do IVA cobrado sobre estes artigos, essenciais nesta pandemia, e que já foi aprovada pelo Conselho de Ministros, é uma boa medida para os consumidores finais.
Numa altura em que o Executivo prepara a reabertura da economia, e em que o uso de máscara é recomendado pela Direção-Geral da Saúde, representantes do setor confirmaram ao ECO que verificam constrangimentos na produção e importação destes produtos. Entre as dificuldades está não só o aumento “exponencial” na procura, como também a dimensão “residual” do mercado português, a falta de meios de transporte e a especulação por parte de empresas “sem experiência ou conhecimento” neste tipo de produtos, indicam.
“Os nossos associados com atividades no abastecimento de EPI [equipamentos de proteção individual] ao mercado estão com enormes dificuldades na importação de EPI para a indústria e para cuidados de saúde, quer por escassez resultante da insuficiência de produção face à crise pandémica, quer ainda por restrições à disponibilidade, por força de ações isoladas e/ou concertadas, de entidades privadas e de aparelhos de Estado de vários países”, refere fonte oficial da Associação Portuguesa de Segurança (APSEI), que também representa importadores de máscaras.
Esse problema, considera a associação, irá acentuar-se com a imposição de uma margem de lucro de 15%, anunciada pelo Governo português: “A escassez de stock de EPI para indústria e para saúde é evidente e torna-se preocupante no seio das empresas e da comunidade em geral, prevendo-se o seu agravamento com margem de lucro de 15% definida”, aponta, referindo-se à menor atratividade da atividade no atual contexto mais complexo e difícil.
Segundo a mesma fonte, o combate à especulação pelas autoridades não está a ser feito da maneira “mais correta”. O que está a “condicionar o mercado” são “as importações paralelas por empresas ou individuais sem experiência e conhecimento, quer de máscaras para a indústria, quer de máscaras cirúrgicas, diz a associação ao ECO.
“Muitas das empresas que têm o conhecimento técnico e atuam em conformidade com a legislação vigente, com a imposição da margem de lucro, independentemente de ser margem bruta ou líquida, veem inviabilizadas as suas importações, efetuando investimentos próprios que não serão valorizados no final, o que faz prever escassez de artigos”, alerta.
Muitas das empresas que têm o conhecimento técnico e atuam em conformidade com a legislação vigente, com a imposição da margem de lucro, independentemente de ser margem bruta ou líquida, veem inviabilizadas as suas importações.
A Federação das Indústrias de Óleos Vegetais, Derivados e Equiparados (FIOVDE), que junta a Associação dos Industriais de Cosmética, Perfumaria e Higiene Corporal e a Associação dos Industriais de Sabões, Detergentes e Produtos de Conservação e Limpeza, representando os produtores e importadores de desinfetantes e produtos como álcool em gel, tem preocupações semelhantes.
“Temos notícias de escassez de produto em pontos de venda e em utilizadores institucionais. Esta escassez é generalizada e global numa situação de crise pandémica”, aponta fonte oficial da FIOVDE. Isto mesmo já tendo em conta a “adaptação” que muitas destas empresas fizeram na respetiva “capacidade produtiva” como, por exemplo, a adoção de “matérias-primas de origens alternativas, como é o caso do etanol da indústria agroalimentar”.
À semelhança dos importadores de máscaras, a federação considera também que a limitação das margens de lucro não só não resolve como vai acentuar o problema da escassez de desinfetantes no mercado. “Todas as medidas que combatam a especulação são sempre positivas para reduzir a escassez de um bem ou produto. [Mas] deverá ter-se em atenção que a limitação do lucro poderá fazer com quem empresas abandonem a produção ou mesmo a distribuição”, alerta.
“A margem sobre o lucro, se for considerada estritamente sobre a fatura do produto ou da matéria-prima, poderá não cobrir a variação de outros custos, reduzindo o estímulo para a disponibilização dos produtos no mercado”, continua. É por isso que a instituição considera que “a maior dificuldade” está no “abastecimento de matérias-primas aos fabricantes destes produtos, essencialmente devido ao preço”. Daí advém a importância de encontrar fontes alternativas.
A FIOVDE aponta ainda que não tem “evidências” de que “não exista capacidade produtiva”. “A ver vamos se o valor do produto fabricado em Portugal paga a produção e distribuição face à concorrência de terceiros”, desabafa a mesma fonte.
O Governo também já aprovou uma descida do IVA cobrado sobre este tipo de produtos, uma medida que tinha sido proposta pelo PSD. Para as empresas que importam, produzem ou comercializam estes artigos, a medida vai beneficiar os consumidores finais e pode mesmo ser “importante” para uma parte da população ou para certas instituições, mas é-lhes “indiferente” enquanto operadores destes setores.
“Será a atenuação da receita fiscal, com perda de receita para o Estado e apenas benéfica para o consumidor final. Para as empresas é indiferente”, afirma fonte oficial da APSEI. Já a FIOVDE destaca que a medida “pode ser importante para que as pessoas com menos recursos, que agora serão mais, incluindo instituições de assistência a crianças, idosos e doente, possam ter mais condições para adquirir bens que são essenciais”.
Para já, os portugueses ainda vão conseguindo encontrar máscaras e álcool em gel em algumas farmácias e parafarmácias, e até em super e hipermercados. É o caso do grupo Dia Portugal, que tem “trabalhado diariamente” para “evitar ruturas de stock“, admitindo, no entanto, uma dificuldade acrescida no caso do álcool em gel.
“Consideramos a redução fiscal agora anunciada como um incentivo à compra destes artigos por toda a população e as nossas lojas, como líderes no segmento de proximidade, estão preparadas para ajudar a que todos consigam enfrentar esta fase devidamente seguros”, diz ao ECO fonte oficial da dona do Minipreço.
Já a Sonae, dona do Continente, garante que não tem “registo de faltas, nem de escassez grave destes produtos” nas suas lojas. “De acordo com a informação dos nossos parceiros de negócio, não se perspetiva qualquer perturbação relevante do abastecimento”, acrescenta. Ainda assim, foi limitada a venda de gel desinfetante e de álcool a duas unidades por cliente, para “garantir a justa repartição” destes produtos”.
“Relativamente à limitação das margens de lucro a 15% e à redução do IVA de 23% para 6%, estas poderão contribuir para a democratização generalizada destes produtos, mas consideramos que não terá impacto no aumento de disponibilização dos mesmos para o consumidor”, aponta fonte oficial da Sonae. Para já, a marca admite que vai “iniciar a comercialização de diferentes tipos de máscaras respiratórias brevemente”, numa altura em que a Sonae Fashion acaba de lançar uma máscara reutilizável que custa 10 euros e está à venda na loja online MO.
Contactada, a Jerónimo Martins, dona do Pingo Doce, não respondeu às questões do ECO a tempo de publicação desta notícia.
Deverá ter-se em atenção que a limitação do lucro poderá fazer com quem empresas abandonem a produção ou mesmo a distribuição.
Importadores de máscaras sugerem ponte aérea da TAP entre Xangai e Lisboa
Para além destas questões relacionadas com estes produtos, outras problemáticas estão a afetar o mercado neste momento, preocupando estas associações. Uma delas prende-se com o transporte dos produtos importados. A cadeia de distribuição mundial sofreu com a disrupção causada pelo coronavírus, pelo que a APSEI gostaria de ver a TAP a ajudar no transporte das mercadorias.
Sobre isto, fonte oficial da associação começa por dizer: “Os fornecedores internacionais têm uma determinada capacidade produtiva, também ela afetada por esta pandemia, e têm que fornecer vários mercados, sendo o português quase residual face ao volume de encomendas que recebem diariamente.”
“No entanto, o principal fator de atraso nas importações está na falta de transportes aéreos diretos para Lisboa desde as origens. A procura é elevada, mas acontece que se perde mais tempo no transporte do que na formalização da própria compra. Neste sentido, sugeríamos que o Governo tomasse a iniciativa de, a exemplo de alguns dos governos europeus, solicitar à TAP, que se encontra em lay-off, que passasse a fazer esta espécie de ponte aérea diária entre Xangai e Lisboa”, acrescenta fonte oficial da APSEI.
Em relação ao transporte, a associação aponta ainda para “disputas entre países, várias vezes de ética, deontologia e metodologia questionáveis, quando não menos ausentes de licitude”. E, como exemplo, denuncia: “Veja-se como um avião da TAP foi esvaziado de parte de carga destinada a Portugal, numa escala técnica num aeroporto internacional.”
Por fim, a APSEI avisa que “ainda não foi nomeado em Portugal um Organismo Notificado para a realização se ensaios” aos materiais importados. “A realização destes testes em larga escala aos produtos importados permitirá aferir a qualidade, que não pode ser descurada, nem deve ser negligenciada, seja com que pretexto for, com a agravante de estarmos perante um risco biológico”, aponta.
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