Custos, liquidez e pressões. O Programa de Estabilidade da pandemia em 5 pontos
Este ano o Programa de Estabilidade é muito diferente: não tem previsões para este ano nem os próximos, mas há estimativas sobre impactos da pandemia. Mais do que economia, o documento fala de saúde.
“O Programa de Estabilidade 2020 surge num dos momentos mais críticos para a sociedade portuguesa nas últimas décadas“. É com esta frase que o Governo começa um documento que normalmente versa mais sobre economia, mas este ano é focado em saúde. Foi adiado duas vezes, mas chegou esta quinta-feira e, apesar de não trazer previsões, deixa pistas sobre o potencial impacto da pandemia na economia portuguesa e nas finanças públicas.
Não há previsões, mas um aviso: cada mês de confinamento tira 6,5% ao PIB
O Governo optou por não fazer previsões por causa da incerteza, remetendo um novo cenário macroeconómico para o final de junho, altura em que deverá apresentar o Orçamento suplementar. Ainda assim, o Programa de Estabilidade dá uma ordem de grandeza do impacto económico da pandemia em Portugal: tal como o ministro das Finanças, Mário Centeno, tinha dito em entrevista à TVI, o PIB anual encolhe 6,5% por cada mês de confinamento como aquele que ocorreu durante o estado de emergência.
“Estima-se, desta forma, que, em média, a cada 30 dias úteis de confinamento se gere um impacto negativo no crescimento anual do PIB de 6,5 pontos percentuais”, lê-se no documento, esclarecendo que “esta estimativa deve ser interpretada como a estimativa do impacto mais severo do período de confinamento correspondendo ao período do estado de emergência”. Dado que o estado de emergência decorreu durante mês e meio, é possível afirmar, com base nesta estimativa, que o PIB português já leva uma pancada de 9,75%. Esta estimativa será particularmente importante caso Portugal tenha de recuar no desconfinamento e voltar a um estado semelhante ao de emergência com disrupções na economia.
Segundo a análise do Ministério das Finanças, cerca de metade desse impacto é explicado por setores do comércio e do turismo, como a restauração e o alojamento, seguindo-se a indústria transformadora e extrativa. No entanto, o impacto final no ano de 2020 dependerá muito da capacidade de recuperação da economia e a evolução da pandemia. Nas palavras do Governo: “A rapidez com que a economia recuperará face a esse momento de quebra acentuada irá determinar o impacto global na taxa de variação anual do PIB em 2020, mas que ainda não está refletida nesta estimativa“.
De onde virá a pressão para o défice?
Apesar de não avançar com uma estimativa do défice orçamental de 2020, o Ministério das Finanças está já bem ciente de onde virão as pressões para os cofres públicos nos próximos meses. “A pressão sobre o SNS, bem como o funcionamento dos estabilizadores automáticos e o estabelecimento de pacotes de medidas de apoio aos cidadãos e às empresas, consubstanciará um forte impacto no saldo orçamental, seja por elevado aumento da despesa pública seja por uma significativa quebra na receita fiscal e contributiva“, resume o Programa de Estabilidade. Assim, há cinco veículos dessa pressão no défice:
- Impacto direto na despesa pública, resultante da procura acrescida dos serviços de saúde e das medidas de contenção epidemiológica (segurança pública, entre outras);
- Impactos diretos na despesa pública, nomeadamente decorrente das medidas de aumento das transferências do Estado para as famílias e para as empresas com vista à manutenção de rendimentos, e na receita fiscal e contributiva pela redução das obrigações fiscais e contributivas decididas neste contexto;
- Impacto adicional na despesa pública de um eventual aumento do custo de financiamento associado a instabilidade nos mercados financeiros;
- Impacto dos estabilizadores automáticos, na despesa e na receita fiscal e contributiva decorrente da crise económica, subsequente à pandemia;
- Impacto direto na despesa pública das medidas de relançamento económico e do respetivo financiamento.
Se é expectável que os dois primeiros impactos possam ser temporários, os dois últimos impactos referidos nesta lista terão “seguramente uma duração prolongada no tempo, provavelmente para além do corrente ano”, antecipa o Governo.
Como estava a economia antes e depois da pandemia
O Governo tem assinalado o facto de a economia portuguesa ter estado a (re)acelerar no final de 2019 e no início de 2020, antes da pandemia atingir o território nacional, além de celebrar a queda da taxa do desemprego para mínimos de mais de uma década.
Nas perspetivas para 2020, ano para o qual esperava um crescimento de 1,9%, as Finanças são cautelosas: “O desfasamento temporal na disponibilização de informação estatística dificulta a avalização dos efeitos na atividade económica do surto e das medidas de contenção, sendo esperada uma alteração da dinâmica observada nos primeiros dois meses do ano, com forte impacto negativo no consumo, investimento e comércio externo”.
Ainda assim, “os dados relativos aos indicadores de confiança refletem já o efeito da pandemia, observando-se uma forte redução na maior parte dos indicadores a partir de fevereiro, tendência que se acentuou em março”. “Consequentemente o indicador de clima económico diminuiu no primeiro trimestre, refletindo, no entanto, ainda apenas um efeito parcial da pandemia”, descreve o Programa de Estabilidade, referindo indicadores já noticiados como o inquérito semanal do Instituto Nacional de Estatística (INE) e do Banco de Portugal, os dados da SIBS sobre os pagamentos físicos e online, os dados do GEP sobre o lay-off e o desemprego, entre outros indicadores avançados.
Cada mês da pandemia custa 0,9% aos cofres públicos
O Governo estima que o Estado vá gastar 0,9% do PIB (de 2019) por mês com a pandemia este ano, incluindo as medidas com incidência única, o que corresponde a pouco mais de 1,9 mil milhões de euros. Este é o impacto direto pelo que não inclui os impactos indiretos da pandemia no saldo orçamental.
Nesta estimativa consta pelo menos duas despesas que serão únicas e, por isso, não deverão repetir-se todos os meses: a compra de equipamentos para as unidades de cuidados intensivos, como é o caso dos ventiladores, no valor de 60 milhões de euros e o apoio extraordinário à retoma da atividade empresarial, que é pago às empresas quando estas terminam o lay-off, no valor de 508 milhões de euros. Estas equivalem a cerca de 0,3% do PIB, sendo que as restantes que são mensais (mas por tempo ainda a determinar) custam 0,6% do PIB.
Contudo, o custo anual dependerá crucialmente da duração das medidas, principalmente do lay-off. Por mês, o Estado prevê gastar 564 milhões de euros (ao pagar 70% do salário reduzido mais o custo da isenção de TSU para as empresas) com este apoio ao emprego, mas é incerto por quanto tempo estará em vigor este regime simplificado com uma adesão significativa das empresas.
Injeção de liquidez nas empresas e famílias chega aos 11,8% do PIB
Além dos gastos orçamentais mensais com a pandemia, o Estado está também a dar garantias e a permitir o adiamento de impostos de forma a injetar liquidez numa altura em que a economia (quase) paralisou. Ao todo, essa injeção de liquidez poderá chegar aos 11,8% do PIB (de 2019), o que equivale a 25,1 mil milhões de euros.
Esta é a dimensão do “balão de oxigénio” para as empresas e as famílias aguentarem a pandemia sem entrarem em défices de liquidez ou mesmo em falência enquanto a economia não retoma. As moratórios no crédito à habitação (2,3 mil milhões) e no crédito empresarial (9 mil milhões) terão o maior impacto na liquidez na economia com um total de 11,35 mil milhões de euros (5,35% do PIB).
Segue-se o adiamento de impostos que, no futuro, terão de ser pagos. Ao todo, o Estado está a permitir que empresas adiem a entrega de 7,8 mil milhões de euros em impostos (3,71% do PIB) como o IRS, IRC, TSU e IVA.
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