Combate à pobreza das crianças é “uma das principais limitações do estado social”
A pobreza e a desigualdade aumentaram durante o programa de ajustamento, concluiu o estudo de Carlos Farinha Rodrigues. Ao ECO, o investigador sublinha o caso da pobreza das crianças.
A pobreza das crianças e dos jovens aumentou dramaticamente durante os anos da crise e é “uma das principais limitações do Estado Social”, disse esta sexta-feira Carlos Farinha Rodrigues, na apresentação do estudo da sua autoria, Desigualdade de Rendimento e Pobreza em Portugal, que teve lugar no Instituto Superior de Economia e Gestão, em Lisboa.
À margem da conferência, o investigador explicou ao ECO que, embora seja importante olhar como conjunto para os resultados do estudo sobre a desigualdade e a pobreza nos anos do programa de ajustamento em Portugal, visto que as diferentes variáveis estão interligadas, “qualquer estratégia efetiva de combate à pobreza e à exclusão social tem de começar por aí”.
Na apresentação do estudo, Carlos Farinha Rodrigues afirmou que Portugal tem tido dificuldades em combater a pobreza das crianças e dos jovens, que são um grupo particularmente vulnerável. Em períodos em que a taxa de pobreza sobe, a pobreza das crianças tem tendência a subir a um ritmo mais acelerado, mas quando a taxa de pobreza desce, a pobreza das crianças desce menos, explicou o investigador. Entre 2009 e 2014, os anos sobre os quais incide este estudo realizado para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, a taxa de pobreza das crianças e dos jovens agravou-se em 2,4 pontos percentuais, para alcançar um pico de 25,6% em 2013.
Ao ECO, Carlos Farinha Rodrigues esclareceu que uma estratégia de combate à pobreza das crianças e dos jovens tem de ser multifacetada. “Tem de haver simultaneamente medidas concretas dirigidas às crianças e medidas concretas dirigidas às famílias onde as crianças estão”, afirmou. “Também não faz sentido que políticas de combate à pobreza das crianças sejam exclusivamente uma questão de subsídios — tem de ser uma política que conjugue transferência de recursos para as famílias, medidas ao nível educativo e ao nível do sistema de saúde. Política de recursos, política de educação, política de saúde“.
"Mais importante do que de quem é a culpa, é importante que haja a consciência dos fortes problemas sociais que temos em Portugal, e que se encontrem formas para o resolver. O resto é espuma dos dias.”
O estudo Desigualdade de Rendimento e Pobreza em Portugal deu origem ao microsite Portugal Desigual, onde é possível consultar as principais conclusões do estudo e, através de vários gráficos interativos, ficar a perceber melhor como a crise e o programa de ajustamento afetaram os rendimentos e a situação económica dos portugueses de diferentes idades, qualificações e rendimentos médios. Os mais afetados pela crise foram as famílias jovens, as famílias alargadas com crianças, os desempregados e as pessoas com qualificações inferiores.
No primeiro debate quinzenal após a rentrée e apenas um dia antes da apresentação formal do estudo, os representantes dos partidos de esquerda mencionaram o projeto Portugal Desigual para acusar os partidos da coligação PSD e CDS de terem sido responsáveis pelo aumento da pobreza e da desigualdade durante os anos do período de ajustamento. Confrontado com essas declarações, Carlos Farinha Rodrigues pausou antes de concluir: “Mais importante do que de quem é a culpa, é importante que haja a consciência dos fortes problemas sociais que temos em Portugal, e que se encontrem formas para o resolver. O resto é espuma dos dias”.
A “armadilha” da linha de pobreza
Entre 2009 e 2014, a taxa de pobreza aumentou, passando de 17,7% para 19,5%, o que significa que, em 2014, havia mais 115 mil pessoas a viver abaixo da linha de pobreza do que em 2009. A intensidade da pobreza, por sua vez, subiu aos valores mais elevados desde que a série é calculada pelo INE: em 2013, ascendeu aos 30,3%.
E esta não é a história toda. A linha de pobreza não é calculada através de estudos dos rendimentos necessários à sobrevivência — é um indicador estatístico que se define como 60% do rendimento mediano por adulto equivalente num país. Em Portugal, onde a diminuição dos rendimentos de trabalho e das pensões provocada pela crise e pelo programa de ajustamento afetou mais marcadamente a distribuição do rendimento onde se situa o valor mediano, “muitos indivíduos e famílias que anteriormente eram considerados pobres ‘saíram’ dessa situação, mas apenas ‘artificialmente’: os seus recursos não aumentaram (podendo mesmo ter diminuído) mas foi a própria linha de pobreza que passou a ficar abaixo dos seus recursos“, lê-se na introdução ao estudo Desigualdade de Rendimento e Pobreza em Portugal.
Em 2009, o limiar de pobreza para um casal com dois filhos menores era de 911 euros mensais; em 2014, era de 886. Para os indivíduos sozinhos, a linha de pobreza desceu de 434 euros mensais para 442 no mesmo período.
Editado por Mónica Silvares.
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