No dia em que começa a segunda fase de desconfinamento da economia, João Vieira Lopes diz ao ECO que a retoma está a ser muito lenta. Por isso mesmo defende o perdão das rendas de abril e maio.
A partir desta segunda-feira, restaurantes, cafés, pastelarias abrem as portas, mas cheios só estarão mesmo os cabeleireiros e os barbeiros. Quem o diz é o líder da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP). Em entrevista ao ECO, João Vieira Lopes adianta que a retoma está a ser lenta e propõe, por isso, o perdão das rendas referentes aos meses em que os estabelecimentos estiveram fechados.
Já sobre a estratégia assumida pelo Executivo de António Costa à atual crise pandémica, o empresário frisa que a implementação “deixou muito a desejar”, ainda que o ponto de partida tenha sido positivo.
Entre as medidas incluídas nesse pacote de apoios lançado pelo Governo, está, por exemplo, uma ajuda aos sócios-gerentes, mas só àqueles que tenham até 80 mil euros de faturação. “Não tem qualquer sentido”, diz Vieira Lopes, adiantando que as propostas que o Parlamento está, neste momento, a debater são preferíveis.
Esta segunda-feira, arranca a segunda fase do desconfinamento do país e da economia. Abrem os restaurantes. Qual o principal desafio desses estabelecimentos, nesta altura?
Os restaurantes são o tipo de estabelecimento que tem algum risco, pelo menos em termos de funcionamento, porque o distanciamento social aqui é mais difícil de manter. A AHRESP fez um conjunto de medidas de autorregulação que são positivas e que podem servir de garantia para as pessoas sentirem alguma confiança. Agora, não há dúvida — como sucede em muitos outros estabelecimentos comerciais e serviços — provavelmente cheios só estarão os barbeiros e cabeleireiros. A retoma está a ser lenta.
A experiência que temos tirado da primeira fase [de desconfinamento], em termos de aberturas, é que nos primeiros dias houve uma certa corrida, porque provavelmente as pessoas foram comprar coisas que estavam em falta e que não tinham comprado nos últimos tempos. Depois, as vendas caíram um bocado e foram começando a retomar lentamente. É natural. No caso concreto destas novas aberturas das lojas até 400 metros quadrados, o problema vai ser, pensamos nós, semelhante ao que se passou até agora.
A nossa expectativa é que, em termos económicos, a evolução seja bastante lenta, por isso é que apresentamos propostas de revisão do conjunto de medidas relacionado com as rendas. Não achamos que a maior parte das empresas esteja em condições de pagar, mesmo de uma forma diferida, as rendas referentes ao período em que estiveram encerradas.
Uma das medidas de que se tem falado tem sido uma eventual redução do IVA da restauração para os 6%. Considera que tal seria um passo importante para a sobrevivência da restauração e proteção dos empregos?
Na opinião da AHRESP e de uma série de restaurantes, é uma boa medida, que foi inclusivamente tomada em alguns países. Como confederação, não conhecemos em pormenor o negócio. Esta é uma confederação muito heterogénea, das farmácias aos transportes, do comércio à restauração, aos serviços. Se a opinião deles é que isso seria uma via de tentar reanimar o negócio, não temos nada a opor.
Por um teto de 80 mil euros [ao acesso ao apoio destinado aos sócios-gerentes] não tem qualquer sentido.
No que diz respeito ao apoio lançado pelo Governo para os sócios-gerentes, dizem que é insuficiente. As propostas aprovadas na AR seriam preferíveis? Por exemplo, estender o lay-off aos sócios-gerentes?
Pôr um teto de 80 mil euros não tem qualquer sentido. Se fizer as contas, uma empresa com o gerente a ganhar 1.800 euros e quatro trabalhadores a ganharem o salário mínimo tem de custos de pessoal, incluindo encargos sociais, 76 mil euros. Se tiver que comprar produtos, se tiver que pagar rendas, se tiver uma viatura, se tiver que se fazer amortizações, isso atira logo para um valor superior; Mais a margem de lucro, o que quer dizer que dificilmente esses 80 mil euros abrangerão um número significativo de empresas.
Mas o problema é só o limite de faturação? Por exemplo, se o Governo retirasse esse teto, já seria um apoio suficiente?
Os gerentes deviam ter o apoio do tipo dos trabalhadores em lay-off, até porque descontam para a Segurança Social nos mesmos moldes. Não tem qualquer sentido terem um valor menor que o equivalente do lay-off para os trabalhadores. Repare, um teto de 60 mil euros para quem não tem empregados, de 80 mil para quem tem. Não tem grande nexo.
Considera que 200 mil euros poderia ser um teto adequado?
Pelo menos, era melhor. Mas provavelmente até se devia ir mais longe. Uma pequena loja com dois ou três empregados que tenham produtos eletrodomésticos ou produtos mais caros rapidamente passa esses valores e não é um grande império comercial.
Há cerca de um ano, no Parlamento, a questão da recuperação do tempo de serviço dos professores acabou por gerar uma crise política. Está preocupado com a possibilidade de acontecer o mesmo agora?
Estamos mais de acordo com as propostas apresentadas no Parlamento do que com aquelas que o Governo fez. Não quer dizer que apresentássemos exatamente as mesmas. O problema da crise política é uma questão que o Governo e os partidos têm de resolver.
Mas uma crise política num momento em que se vive uma crise sanitária e possivelmente uma crise económica seria particularmente grave ou não?
Sim, mas repare que também esta semana havia uma crise política por causa do ministro das Finanças e não houve. Esse tipo de enquadramento político não comentamos.
A estratégia [do Governo face à crise pandémica] pareceu-nos positiva. Agora, a sua aplicação prática é que deixou muito a desejar e acabou por neutralizar a parte dos seus benefícios potenciais
Em alternativa, pergunto-lhe que avaliação faz da atuação do Governo nesta crise?
Consideramos que o modo como, em termos globais, houve resposta à crise sanitária, trouxe desenvolvimentos positivos. Basta ver os números de Portugal e compará-los com os outros países, incluindo muitos deles com mais meios do que nós. A estratégia que teve a ver com diferimento de pagamentos ou moratórias, com o lay-off para limitar o desemprego e com a medida das linhas de financiamento para dar tesouraria às empresas, globalmente pareceu-nos positiva. Agora, a sua aplicação prática é que deixou muito a desejar e acabou por neutralizar a parte dos seus benefícios potenciais.
Esta semana, assinaram em Concertação Social um compromisso com o Governo. Em que medidas espera que isso se espelhe, na prática?
O compromisso foi uma declaração de intenções e de cooperação para dar confiança e neste momento a questão da confiança é fundamental. Os consumidores têm de ter confiança, os empresários também, caso contrário a retoma da atividade ainda será mais lenta. A nossa expectativa é que as nossas propostas recebam atenção por parte do Governo. Agora a bola está do lado do Governo.
Uma das consequências desta crise é que o tecido empresarial está a ser devastado.
O Governo arrancou esta legislatura com o objetivo de valorizar o emprego, os salários e a competitividade. Podemos já dar esse objetivo por perdido?
Houve uma alteração tão grande da situação. Isto foi uma crise completamente inesperada. Portanto, essas prioridades neste momento não podem ser o centro de gravidade. O centro de gravidade da atuação tem de ser agora como é que vai ser a retoma económica. Até porque uma das consequências desta crise é que o tecido empresarial está a ser devastado. Isto é tão complexo que raciocinar em termos do que pensávamos em outubro, novembro ou dezembro do ano passado que não vale a pena. Temos que começar de novo.
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“Cheios só estarão os barbeiros e cabeleireiros. A retoma está a ser lenta”, diz João Vieira Lopes
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