ASF chama de urgência administração do Montepio

Com as contas de 2019 por fechar, devido a nova divergência com a PwC agora por causa dos créditos fiscais, a administração da mutualista foi chamada pelo regulador para reunião esta sexta-feira.

Sede do Montepio, na Baixa de Lisboa.Paula Nunes / ECO

Depois de ultrapassado o braço-de-ferro em torno da avaliação do banco, há uma nova divergência de fundo entre a PwC e a Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG) a atrasar o fecho das contas de 2019: os mais de 800 milhões de euros em ativos por impostos diferidos (os chamados créditos fiscais) que o auditor não acredita que venham a ser totalmente recuperados. No quadro de incerteza à volta das contas da instituição, o conselho de administração da mutualista foi chamado de urgência para uma reunião com o regulador. O encontro está marcado para esta sexta-feira, segundo informações recolhidas pelo ECO.

A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) decidiu chamar os quatro membros da administração: o presidente Virgílio Lima e os membros da administração Carlos Morais Beato, Idália Serrão e Luís Almeida. Contactado pelo ECO, o regulador liderado por Margarida Corrêa de Aguiar não confirma nem desmente a reunião.

“A ASF mantém, na prossecução das suas atribuições, reuniões regulares com todas as entidades que se incluem na sua esfera de competências. Não confirmamos nem tornamos público as realizações das mesmas, pelo que não confirmamos a reunião referida”, referiu. Nada mais a dizer.

Mas o encontro está marcado e surge num contexto delicado para a AMMG. A mutualista ainda não apresentou as contas do ano passado. A PwC continua sem entregar a certificação legal de contas. Se a discordância entre as partes em relação ao valor a dar ao Banco Montepio foi resolvida, como deu conta o ECO, os auditores estão agora com dúvidas sobre as perspetivas de evolução da atividade e dos lucros da mutualista e que suportam (ou deviam suportar) a recuperabilidade dos créditos fiscais (ou deferred tax assets, DTA). O que está a explicar o atraso no fecho das contas neste momento.

Os DTA representam o direito a um valor económico de uma potencial dedução fiscal futura e ficam registados no balanço do ano como ativos. Contudo, uma empresa só pode usufruir desta benesse fiscal na conta de resultados no futuro se, e quando, apresentar lucros tributáveis. Sem a perspetiva de resultados positivos, tem de anular os DTA.

No caso da AMMG, com o plano de ação e orçamento de 2020 a projetar cerca de 851,9 milhões de euros em DTA este ano (mais 18 milhões do que em 2019 e representando cerca de 20% do total do ativo), isto significa que terá necessariamente de registar lucros avultados nos próximos anos para poder recuperar estes ativos. O que não parece verosímil para a PwC, que pretende que uma parte destes créditos fiscais seja já anulada.

Não é ainda claro qual seria o impacto nas contas da mutualista. Ainda assim, abatendo-se uma parte do ativo, isso afetará diretamente os capitais próprios, que totalizavam cerca de 250 milhões de euros, numa base consolidada, no final de 2018.

Contactada pelo ECO, a AMMG limitou-se a dizer que não pode dar informação sobre as contas, “porque estas ainda não se encontram apreciadas pelo conselho geral nem aprovadas pela assembleia geral, devido à situação de pandemia”. A PwC não respondeu até à publicação do artigo.

Foi em 2018 que a AMMG aderiu ao regime dos DTA, ainda com Tomás Correia na liderança, Virgílio Lima como administrador e a KPMG como auditor.

Embora tenha abdicado da isenção fiscal de que beneficiava por ser uma IPSS, a mutualista avançou para esta medida (com a bênção do Ministério das Finanças) com o objetivo de tapar o buraco nas contas. Registou logo na altura mais de 800 milhões de euros em ativos por impostos diferidos, naquilo que foi considerado na altura um “passe de mágica” ou “engenharia fiscal” que permitiu à instituição inverter uma situação de falência (capitais próprios negativos de 250 milhões) para uma situação de capitais próprios positivos de 500 milhões.

A questão dos créditos fiscais volta agora a ser analisada pelo novo auditor e a colocar à prova a mutualista. Reina um sentimento de incerteza à volta da instituição. Mesmo entre os administradores o ambiente já foi melhor. Um conjunto de associados, entre eles Fernando Ribeiro Mendes (que se candidatou à liderança nas últimas eleições), o economista Eugénio Rosa e os conselheiros Carlos Areal ou Viriato Silva, publicou esta semana uma carta aberta dirigida a Virgílio Lima, manifestando preocupação em relação ao futuro da instituição e exigindo a divulgação das contas.

Em resposta ao ECO, a AMMG diz que perspetiva “a marcação da assembleia geral antes de 30 de junho, na expectativa de que as condições decorrentes da pandemia permitam a sua efetiva concretização, dado que é frequente que as assembleias gerais da mutualista reunirem algumas centenas de pessoas”.

A assembleia geral tem de ser convocada com 15 dias de antecedência. Também o conselho geral da AMMG tem de ser chamado a apreciar as contas (os conselheiros não têm poder de decisão em relação às contas), antes de serem submetidas à aprovação dos associados.

O grupo de associados também não poupa críticas ao Governo, designadamente o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Também a ASF foi acusada que querer “sacudir responsabilidades” ao empurrar a supervisão financeira da mutualista para o ministério de Ana Mendes Godinho. Questionado pelo ECO sobre se com a norma regulamentar publicada há duas semanas veio impor à AMMG uma data para a apresentação de contas, o regulador rejeita essa tese.

“Não, a ASF regulou o prazo de reporte das demonstrações financeiras das associações mutualistas a 31 de dezembro de 2019, tendo fixado um prazo de 30 dias após a data da entrada em vigor da norma regulamentar, sem impacto nos prazos legais de apresentação de contas“, disse a ASF.

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