Neste Manicómio normaliza-se a doença mental pela arte

Fundado em 2019, o Manicómio é um espaço de dignidade: serve de pontes a artistas com experiência de doença mental que, através dele, conseguem trabalhar e são, com arte, tratados como iguais.

O espaço do Manicómio no Now Beato.Manicómio

A primeira barreira, quebra-a o nome. No Manicómio trata-se a saúde – e a doença – mental mas, primeiro, trabalha-se a dignidade. Depois, quebra-a o espaço: instalado no cowork NOW Beato, os artistas – todos com experiência de doença mental – “têm tanta liberdade” que ela vai muito além das barreiras inexistentes do open space – e dos horários – que ficam ao critério de cada um. É que, neste Manicómio, “não há paredes nem técnicos de saúde”. “Importa-nos o valor das pessoas, a dignidade. As empresas começam a olhar para para estas pessoas como artistas e não só como humanos com experiência de doença mental”, conta o fundador do projeto, o artista Sandro Resende, em conversa com a Pessoas.

Nascido como ideia numa entrevista de emprego de Sandro e, de uma “forma egoísta”, Sandro conta que, “há 21 anos” e “finalista de curso”, estava a “fazer um trabalho do eu perante o outro” quando viu o anúncio para uma vaga no hospital Júlio de Matos, em Lisboa. A ideia de trabalhar com doentes do hospital psiquiátrico pareceu-lhe a forma ideal de “reconhecimento do eu perante o outro” e um “muito bom exercício para o trabalho artístico”. Foi. Nascia aí o primeiro passo para aquilo que, há um ano, foi chamado de Manicómio. No hospital, há mais de 20 anos que acompanha doentes através da expressão artística. No final dos primeiros dois, considerou ter trabalhos suficientes para fazer uma exposição.

“Eram 40 ou 50 artistas expostos em pavilhões devolutos, e a administração começou a perceber que era válido”, conta Sandro Resende.

Por achar que, em Portugal, havia um espaço livre que permitia fazer crescer estes artistas profissionalmente e por considerar que era possível colmatar algumas falhas do Sistema Nacional de Saúde, lançou-se no projeto. “Não podíamos fazer outro Júlio de Matos e achámos que a mistura era perfeita. E, acima de tudo, para eles, tem zero ar de paternalismo, de coitadinho. O Manicómio vem limar limitações, tem liberdade e permite pensar noutros projetos”, conta.

É muito pela dignidade e para promover a identidade e o valor, mais do que a doença. Com uma doença mental, mesmo em família, foste sempre visto como alguém que não tem valor.

Sandro Resende

Fundador do Manicómio

O Manicómio paga refeições e transportes, bolsa de estudo (estatal), material de trabalho e qualquer apoio de que precisem. Além disso, toda a divulgação e promoção que permite que os artistas cheguem mais longe é feita pelo projeto que recebe uma parte da venda de obras e de masterclasses.

“Somos a única instituição que paga a doentes: pagamos pelo trabalho que eles desenvolvem, e não para eles estarem na instituição”, explica.

No Manicómio, todos são tratados como iguais mas há diferenças: o artista mais novo tem 26 anos, o mais velho, perto de 60. Das doenças que experimentaram, Sandro pouco sabe, “e nem me interessa”. “Aqui combatemos o facto de precisarem de meios de subsistência. Fazia-me sentido um espaço que não tivesse este estigma”, justifica.

A lista de artistas parte do Manicómio vai crescendo, tal como as parcerias: de uma “forma orgânica” e, permitindo a sustentabilidade do projeto. Com uma lista de espera de 90 pessoas, nos planos de crescimento estão mais dois ou três espaços Manicómio, todos em Lisboa, que serão, não “fábricas de doentes mas de dignidade”. “Inicialmente, é muito pela dignidade e para promover a identidade e o valor, mais do que a doença. Com uma doença mental, mesmo em família, foste sempre visto como alguém que não tem valor. E aqui não trabalhamos só o problema das pessoas: primeiro, identidade e valor. Depois a doença. Há organizações que se preocupam em resolver o problema como base. Aqui focamo-nos mais no que a pessoa é”, acrescenta, concluindo: “Toda a parte de orientação artísticas, promover com galerias, é trabalho nosso. Depois há o crescimento deles, enquanto pessoas, enquanto artistas e, finalmente, enquanto doentes”.

Atualmente, trabalham no Manicómio seis pessoas mais 14 artistas. A ideia, em termos de conceito, não mudou. “Mudou muito o que conseguimos criar dentro do mercado, de olhar para as pessoas como mais-valia. É muito importante as marcas ligarem para fazerem coisas connosco porque não se trata de responsabilidade social, trata-se de mudar a forma de pensar”, conclui Sandro.

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