Com a maior taxa de crescimento turístico do país, e passados quase dois anos da liberalização do espaço aéreo, os Açores estão na mira do turismo mundial. Esta é a história de como chegámos aqui.
“Aqui era o aerovacas”. Estamos a caminho da Ribeira Grande, vindos de Ponta Delgada, quando Vasco Rego interrompe a conversa. O rosto da ignorância continental a encarar um monte de verde que já foi pista de aterragem é o convite à explicação. “Há 50 anos, quem queria vir para São Miguel parava primeiro em Santa Maria, que já tinha aeroporto. Só depois é que vinha para aqui. Quando o avião começava a aproximar-se, os agricultores afastavam as vacas para o avião aterrar numa pista de terra batida”.
Vasco Rego não é do tempo em que os agricultores do campo de Santana tinham de afastar as vacas para os aviões dos Aliados aterrarem. Nem sequer do tempo em que o aeródromo foi promovido a aeroporto. Quando nasceu, já o aeroporto de Ponta Delgada, inaugurado em 1969, era o principal ponto de entrada de passageiros no arquipélago dos Açores. Mas, aos 38 anos, taxista há metade deles, lembra-se bem de quando o único turista da ilha era “o continental com grana”.
Quem por lá passar hoje, não reconhece a ilha de que fala o taxista micaelense. Com a maior taxa de crescimento turístico do país, seja em número de hóspedes, de dormidas ou de proveitos da hotelaria, e passados quase dois anos da liberalização do espaço aéreo e consequente entrada das companhias aéreas lowcost no arquipélago, os Açores estão hoje na mira do turismo mundial. Esta é a história, em três capítulos, de como chegámos a esse ponto.
Pagávamos 90 contos para ir ver o Benfica. Íamos na sexta, voltávamos no domingo. Agora, ficamos atentos à Ryanair e vamos ao continente por 10 ou 20 euros.
A insularidade, muito motivada pelo monopólio SATA/TAP — que durante décadas teve a exclusividade da operação dos aeroportos açorianos –, está bem presente na memória de todos.
“Pagávamos 90 contos para ir ver o Benfica. Íamos na sexta, voltávamos no domingo, eu ficava sempre na pensão Portuense. Agora, ficamos atentos aos preços da Ryanair, quando está barato compramos com antecedência e vamos ao Continente por 10 ou 20 euros”, conta Mário Jorge Borges, taxista na Ribeira Grande.
Já os contos tinham passado a euros há vários anos e os açorianos continuavam a queixar-se do mesmo. “Como podemos pagar 287 euros para sair da nossa ilha e visitar Portugal Continental, enquanto outras companhias fazem [viagens] para grandes cidades europeias por 10% desse mesmo valor?”, perguntava, em 2014, o grupo de pressão “Queremos a liberalização do espaço aéreo dos Açores”. Isto fora os “mais de 130 euros para visitarmos as nossas próprias ilhas”.
A vida tem requintes de ironia e, hoje, sai mais caro aos açorianos viajar entre ilhas do que do arquipélago para o Continente. “Gostávamos que as lowcost estivessem em todas as ilhas”, desabafa Vasco Rego. Já esteve mais longe. No final do ano passado, a Ryanair começou a voar da Terceira para Lisboa e para o Porto.
Próximo capítulo: São todos contra todos e, no fim, ganham todos.
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Crónica de uma ilha liberalizada. No princípio eram as aerovacas
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