Como é que a Índia está a receber Costa?

A comitiva tem vários membros do Governo e até empresários portugueses, mas o primeiro-ministro é o protagonista. As ligações familiares, a homenagem e até a tradução de um livro marcam a diferença.

Já era de noite quando o primeiro-ministro português chegou à Índia esta sexta-feira. O céu esteve limpo e as temperaturas amenas para receber António Costa. E vai ser recebido em grande: espera-lhe uma homenagem, a sua fotografia espalhada pelo país e os elogios do primeiro-ministro indiano que está a ficar conhecido por lavar o dinheiro sujo da Índia.

A visita oficial começa este sábado e prolonga-se durante seis dias. Não há dúvidas de que tem um objetivo expressamente económico. Entre as várias iniciativas, Costa e o secretário de Estado da Indústria, João Vasconcelos, vão participar num evento sobre startups. Além disso, a expectativa é que sejam assinados vários memorandos de entendimento entre os dois Estados. Mas há também uma ligação emocional: o pai de António Costa, o escritor Orlando da Costa, nasceu em Goa.

É exatamente lá que a comitiva portuguesa se vai encontrar com empresários de Bollywood para captar investimentos na área do cinema, uma forma também de atrair turistas indianos para o país. “Portugal e Índia são dois países cujas economias querem percorrer em conjunto este século”, afirmou o primeiro-ministro, a meio do seu voo entre Lisboa e Nova Deli, durante uma escala em Frankfurt, na Alemanha, esta sexta-feira. A visita vai ser acompanhada por jornalistas portugueses, mas como é que os media indianos estão a cobrir a chegada do primeiro chefe de um Governo ocidental com origem indiana?

A prima de António Costa

A história tem sido a mais contada nos media indianos. O Indian Express falou com Anna Kaarina Costa, a prima do primeiro-ministro português: “Vamos preparar uma refeição para ele. Mas será um encontro privado. Durante a sua visita à Índia, ele precisa de tempo em privado com a sua família onde ele consiga falar connosco e descansar um pouco”, explicou.

Costa vai estar em Margao, a cidade da sua família no estado de Goa, a 11 e 12 de janeiro. Desde a adolescência que o político não volta às suas origens indianas. Apesar disso, esteve em contacto com a prima há pouco tempo, em abril de 2016, em Lisboa. “É o único primo que tenho. Ainda tenho de pensar que ele é o primeiro-ministro. Para mim ele primeiro é o meu primo”, afirmou Anna Kaarina, que vive numa casa da família com a sua mãe, marido e filha. A segurança será um dos entraves para que a visita tenha outras viagens por Goa, por isso esta será uma passagem mais calma.

As relações económicas

O passado colonial tem prejudicado as relações económicas entre os dois países, depois de a Índia ter sido durante séculos uma das joias da coroa portuguesa. Esta sexta-feira foram divulgados que mostram uma desaceleração da economia indiana: o Governo reviu em baixa o crescimento em 2016-2017 de 7,6% para os 7,1%, fruto da menor atividades em setores como a construção, mas também por causa da estratégia de Modi para limpar o “dinheiro sujo” na Índia. Ainda assim, o crescimento económico indiano é dos mais altos no mundo (superior ao da China) e Portugal pode beneficiar dessa evolução.

Em 2015, Portugal exportou apenas cerca de 80 milhões de euros para a Índia. Os indianos foram o 46º cliente de Portugal e o seu 17º fornecedor. Já Lisboa era o 58º cliente de Nova Deli e o seu 106º como fornecedor. Além disso, as receitas provenientes de turistas indianos em Portugal na hotelaria ascenderam a 10,1 milhões de euros em 2015, uma subida de 97,8% face ao ano anterior.

Além de fortalecer o contacto com Portugal como parceiro económico, a Índia pode ainda chegar, através dos portugueses, aos países lusófonos, nomeadamente ao Brasil e alguns países africanos, como é o caso de Moçambique, duas nações que receberam a visita de Narendra Modi recentemente.

A homenagem

Em Bangalore, uma das grandes cidades indianas mais a sul do país, vai receber o Pravasi Bharatiya Divas 2017. O que é? Celebra-se o Dia da Diáspora Indiana, um evento onde são homenageadas várias personalidades. António Costa vai ser o principal convidado e homenageado este ano. Esta homenagem oferecida pelo Estado indiano destaca o mérito do visado, sejam eles ou elas indianos ou descendentes.

Além disso, será inaugurado o Centro de Língua Portuguesa. Tal como noticia o Times of India, António Costa vai inaugurar esse centro a 12 de janeiro em Panaji, o mesmo local onde vai estar na programação especial do Palácio Adil Shah para o lançamento da tradução de um livro de uma peça de teatro. Chama-se “Sem Flores Nem Coroas” e baseia-se na noite de 1961 em que Portugal deixou de governar Goa e há uma família a lamentar a morte de uma familiar. O autor é o escritor Orlando da Costa, o pai do primeiro-ministro.

A entrevista de António Costa na Índia

O avanço do populismo na Europa foi um dos principais assuntos da entrevista de Costa ao Hindustan Times. “Ao nível europeu, devemos monitorizar de forma cuidada o crescimento de partidos populistas e xenófobos em alguns países europeus, enquanto mantemos a confiança de que esse fenómeno não é irreversível e deve ser combatido pelos partidos democráticos, tanto da esquerda como da direita, recuperando as suas raízes”, afirmou o primeiro-ministro português, revelando o caso de Portugal onde esse fenómeno não tem expressão.

António Costa falou ainda do “virar da página da austeridade”, mantendo o país na União Europeia, e voltou a falar no seu trunfo: “Vamos obter o défice mais baixo da história da democracia portuguesa”. E o futuro, anunciou, será melhor com os dados do quarto trimestre a mostrarem um maior crescimento da economia portuguesa. Confrontado com as preocupações sobre a subida da taxa de juro da dívida, o primeiro-ministro preferiu dissipar os perigos: “As preocupações mencionadas não têm fundamento”.

Sobre as relações com a Índia, Costa reconheceu que são “incipientes” atualmente, mas o Governo português quer mudar isso. “Existem vários setores nos quais ambos os países têm desenvolvido know how e uma cooperação mais forte pode dar um benefício mútuo”, afirmou António Costa, referindo a investigação farmacêutica e médica, aerospacial e a mobilidade. Além disso, Costa quer “explorar laços mais estreitos entre as startups”.

A entrevista de Narendra Modi em Portugal

Sendo ele uma pessoa com raízes familiares na Índia, será para nós uma honra celebrar os seus grandes êxitos enquanto líder do povo português. António Costa é um exemplo do dinamismo da diáspora indiana“, afirmou o primeiro-ministro indiano em entrevista ao Diário de Notícias, publicada esta sexta-feira. O tom geral é de elogios, principalmente por António Costa ser o primeiro chefe de Governo de origem indiana na Europa. Mas, acima de tudo, há uma vontade mais forte entre os dois governantes de estreitar os laços.

E Modi enumerou quais podem ser as áreas onde essa cooperação pode desenrolar-se: a “dinamização da capacidade de produção, do crescimento económico, das relações comerciais, do investimento e do emprego, bem como a melhoria das infraestruturas, dos serviços públicos, da governação e da qualidade de vida das nossas populações”. Isto numa economia que cresceu 7,1% e 7,3% no primeiro e segundo trimestres, respetivamente, do ano fiscal 2016-2017.

O próprio vai mais longe, destacando o setor específico onde as empresas portuguesas têm experiência útil, conhecimento e competências em áreas como a das “infraestruturas — especialmente na área das estradas, portos e vias navegáveis interiores –, a defesa, a energia (eólica, solar e hidroelétrica), as TIC e as startups, gestão de águas e resíduos, agricultura e processamento de produtos agrícolas, cooperação marítima, cinema, turismo e hospitalidade”.

Do lado da Índia, Modi destaca “as competências e os recursos humanos indianos, combinados com as capacidades produtivas de baixo custo do nosso país, oferecem soluções lucrativas para as empresas portuguesas”. A prioridade de Modi é continuar a “liberalização da economia”, além de fazer uma “rápida aplicação do imposto sobre bens e serviços [que] vai simplificar e instaurar um regime tributário uniforme em todo o país”. Estas reformulações burocráticas e de organização do Estado têm sido, aliás, o foco do primeiro-ministro indiano que no final de 2016 levou a cabo uma mudança radical nas notas que circulam no país.

O primeiro-ministro que “lavou o dinheiro” na Índia

“Lavar dinheiro” não costuma ser uma expressão favorável. Neste caso, é, pelo menos na vontade por detrás da decisão. De 8 de novembro a 30 de dezembro, os indianos tiveram de trocar as notas antigas pelas novas. Esta nova medida pretendia acabar com o excesso de transações em dinheiro pelo elevado valor monetário que tinham no passado.

O que aconteceu? O Governo indiano renovou todas as notas e moedas, aumentou o limite de levantamento de dinheiro (o limite foi aumentado, por dia, para os 2.500 rupias; por semana, o número subiu aos 24.000 rupias) e de troca de dinheiro “velho” por novo. O objetivo era lutar contra a corrupção “endémica” e a evasão fiscal e, na primeira entrevista após o processo ter começado, Narendra Modi garantiu que o dinheiro que estava na posse de terroristas e traficantes “foi neutralizado”.

Editado por Paulo Moutinho

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