O “dinheiro negro” está a ser eliminado da Índia
O primeiro-ministro indiano está a apertar o cerco à corrupção. Uma nova medida pretende acabar com o excesso de transações em dinheiro, mas o efeito inicial tem sido negativo para os cidadãos.
A Índia está a passar por um período de reformulação monetária. O objetivo é parar a circulação do ‘dinheiro negro’ que alimenta a economia indiana, mas que está fora do controlo do Estado. Num país tão grande como desigual, a luta do primeiro-ministro indiano contra a corrupção intensificou-se na semana passada. A medida veio de surpresa: as notas de valor alto foram banidas e têm de ser trocadas por novas notas.
O que fez o Governo indiano?
Renovou todas as notas e moedas, aumentou o limite de levantamento de dinheiro (o limite foi aumentado, por dia, para os 2.500 rupias; por semana, o número subiu aos 24.000 rupias) e de troca de dinheiro ‘velho’ por novo.
A estratégia de Narendra Modi, o primeiro-ministro indiano, começou há uma semana mas os resultados já estão à vista: os bancos já receberam 44,4 mil milhões de dólares nos primeiros quatro dias. Em contrapartida, os bancos e os multibancos já repuseram 7,5 mil milhões de dólares com as novas notas.
Para fazerem esta ‘renovação’ do dinheiro, os indianos têm apenas 50 dias. Por todo o país, desde 8 de novembro, existem filas nos bancos para fazer depósitos e existem terminais de multibanco (são 200 mil em todo o país) que já não funcionam. O movimento tem sido tão grande que os bancos ficaram abertos durante o fim de semana e o Governo está a fazer um esforço para manter o stock de notas novas nos bancos.
O problema pode ficar resolvido só daqui a três semanas. Essa é a meta estabelecida pelo ministro das Finanças indiano. Arun Jaitley diz que esse é o período necessário para que os multibancos sejam recalibrados para fornecerem as novas notas de 2.000 rupias. O Governo não o fez antes para garantir que a estratégia fosse secreta e, assim, prevenir que quem tem dinheiro ilícito pudesse contornar a proibição e a medida acabasse por ser ineficaz.
De acordo com a Bloomberg, 86% do dinheiro indiano em circulação estava concentrado nas notas de 500 (cerca de oito dólares) e de 1.000 (cerca de 15 dólares). Até 24 de novembro este tipo de notas de valor alto continuam a ser aceites em hospitais públicos, postos de combustível e outros serviços governamentais. Depois dessa data, se não forem trocadas, as notas perdem efetivamente o seu valor.
Qual é o objetivo?
Lutar contra a corrupção ‘endémica’ e a evasão fiscal. Esta foi uma das promessas eleitorais de Modi aliada à vontade de recuperar rendimento obtido de forma ilegal, localmente conhecido como “dinheiro negro”.
Além disso, o primeiro-ministro quer reforçar as medidas contra a propriedade ‘benami’, um método ilegal usado na Índia onde quem compra uma propriedade não é o beneficiário último dessa propriedade, mas sim outra pessoa.
O dinheiro contrafeito, acredita-se, tem sido utilizado por organizações terroristas. Além disso, tem sido utilizado para pagar subornos e contornar o pagamento de impostos, o que deixa o Estado fragilizado.
De acordo com o The New York Times, a estratégia de Modi — eleito em 2014 com discurso marcadamente anti-corrupção — deverá remover eficazmente 80% das notas em circulação. Esse corte acontecerá até ao final deste ano e será substituídas pelo ‘novo’ dinheiro que está a ser criado.
Antes desta investida, Modi já tinha instituído um programa de amnistia fiscal, o chamado perdão fiscal, por onde passaram 10 mil milhões de dólares. No entanto, o sucesso foi limitado e ainda existem variados ativos por declarar na Índia.
Está a funcionar?
O jornal australiano ABC relata que a resposta correta é ‘sim.’ O correspondente da Ásia escreve que o dinheiro está a entrar nos bancos onde as entidades reguladores podem controlá-lo. No entanto, existem exceções.
O jornal escreve sobre o caso de um trabalhador de um templo que quer usar a organização religiosa para ‘lavar dinheiro’. Como este tipo de entidades têm benefícios ou exceções fiscais, o dinheiro depositado não será alvo do controlo fiscal que normalmente um cidadão passará a ser.
A longo prazo, os economistas acreditam que o plano será bem-sucedido. No futuro, acreditam que existirão mais negócios dentro da economia regulada em vez de estarem na economia paralela.
No entanto, é mais difícil calcular o impacto na corrupção ou evasão fiscal uma vez que podem surgir novos esquemas. Contudo, é de realçar que o próprio primeiro-ministro avisou que este era um dos primeiros passos, mas que vão existir mais medidas no futuro para erradicar a corrupção.
Uma questão cultural
Mais do que financeira, esta é uma questão cultural. O dinheiro ‘vivo’ continua a ser prevalente na sociedade indiana. Era, portanto, necessária uma investida cirúrgica, defende o primeiro-ministro, para contabilizar o dinheiro escondido ou guardado debaixo dos colchões. Esta é uma reforma estrutural que os especialistas pensam que será disruptivo e, a curto prazo, inconveniente. Mas a médio e longo prazo o resultado final dessa mudança cultural será positiva para a economia indiana.
Um think thank norte-americano, o Global Financial Integrity, estimou que a Índia terá perdido 344 mil milhões de dólares por causa da utilização de dinheiro ilícito de 2001 a 2011. O valor é astronómico e dá o retrato da dimensão do problema.
Apesar de não eliminar o problema, a proibição do uso de notas com elevado valor pode reduzir as transações com dinheiro e, por isso, lutar contra as estratégias ilícitas enraizadas na sociedade indiana. Segundo o Google Índia e o Boston Consulting Group, 78% das transações na Índia foram feitas em notas e moedas no último ano. Um número que compara com os 20-25% dos Estados Unidos da América ou os países da Europa.
O problema e a possível solução tem afetado os mais pobres. Por um lado, o ‘dinheiro negro’ tem levado a riqueza para os mais ricos, retirando lucro em impostos para o Estado e, por isso, afetando a redistribuição da riqueza.
Por outro lado, esta tentativa de solução do Governo prejudica inicialmente os mais pobres que, com menos dinheiro e menos recursos, estão — por exemplo — a faltar ao trabalho para ter as novas notas, fazer compras de bens essenciais e sobreviver.
Falta saber, para a sobrevivência política de Modi e para a melhoria do sistema fiscal indiano, se a solução vai ou não ser eficaz. Depois de 30 de dezembro de 2016 será feito o julgamento final.
Editado por Mariana de Araújo Barbosa
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