Muitas das propostas dos partidos para o Orçamento Suplementar “violam a norma-travão”, diz João Paulo Correia

Em entrevista, o vice-presidente do grupo parlamentar do PS diz que a maioria das propostas dos partidos para o Orçamento Suplementar violam a norma-travão, mas não antevê um conflito institucional.

O Partido Socialista insiste que os partidos não podem apresentar propostas que aumentem a despesa ou diminuam a receita além daquilo que o Governo prevê na proposta do Orçamento Suplementar. E, por isso, “muitas das propostas dos partidos violam a norma-travão”, considera o deputado socialista em entrevista ao ECO. Face à expectativa de que sejam aprovadas medidas que não cumprem a “norma-travão”, na interpretação do PS, como a dos sócios-gerentes, João Paulo Correia recusa-se a traçar cenários “pessimistas”, remetendo para uma avaliação final conjunta do impacto total das medidas. Mas deixa um apelo para que haja “bom senso” na votação da especialidade que decorre esta semana.

João Paulo Correia, deputado do PS, em entrevista ao ECO - 26JUN20

O PS apresentou duas propostas no Orçamento Suplementar, sendo que uma delas com impacto orçamental. Isso é compatível com o parecer sobre a norma-travão que o Governo entregou na AR?

Sim. Esta proposta que o PS apresentou de criar um apoio extraordinário entre julho e dezembro para todos os trabalhadores independentes e informais que não tenham atualmente proteção social ou outra medida de apoio entretanto já criada vai ao encontro daquilo que é a velha máxima deste Orçamento que é não deixar ninguém para trás. Sabíamos que alguns públicos ainda não tinham sido abrangidos pelas medidas de apoio que foram criadas ao longo destes meses, desde o início do estado de emergência. E esta era uma medida que o próprio Grupo Parlamentar do PS queria ver concretizada. É uma medida que está no chapéu do Programa de Estabilização Económica e Social. O Orçamento Suplementar é um dos veículos financeiros que financia o PEES e do nosso ponto de vista é uma medida que se enquadra perfeitamente naquilo que foi a nossa posição sobre…

Mas o parecer defendia que só se podia apresentar propostas no âmbito daquilo que tinha sido proposto pelo Executivo e essas propostas não poderiam aumentar a despesa. Ora esta proposta vai contra esses dois princípios, ou não? Não põe em causa o Suplementar?

Não põe em causa porque já estava prevista no PEES.

Mas o Governo não a incluiu na proposta de Orçamento.

As medidas que estão previstas no PEES, parte delas são financiadas por fundos comunitários e outra pelas receitas gerais do Estado. Não se pode assumir que esta medida será 100% assegurada pelo Orçamento do Estado.

Para clarificar: a interpretação que o PS faz do parecer é mais ou menos restritiva?

Não temos dúvidas de que aquele parecer tem de ser lido nem de uma forma restritiva nem expansiva. Tem de ser lido com rigor. Quando aprovamos o quadro plurianual da programação orçamental fixamos aqui no Parlamento os tetos máximos de despesa dos programas e dos agrupamentos de programas orçamentais. Significa, por exemplo, que agora em sede de Orçamento Suplementar, ou de projetos-lei, os partidos não podem sugerir aumentos de despesa que façam ultrapassar os limites que foram aprovados no quadro plurianual da programação orçamental. O nosso entendimento é que muitas das propostas que foram apresentadas contribuem para a subida da despesa e algumas para a quebra de receita e desse ponto de vista violam a chamada norma-travão.

E porque é que a do PS não viola?

Pelas razões que lhe expliquei inicialmente.

Mas se tem impacto orçamental…

O financiamento da medida pode ser através do Orçamento Suplementar e vem no Orçamento Suplementar, mas o financiamento da medida também pode vir por fundos comunitários e pode apresentar na mesma a medida no Orçamento Suplementar, que ela assume um caráter programático.

Há medidas dos outros partidos que também podem ser financiadas por fundos comunitários ou outras verbas.

Mas no caso da nossa medida, para além disso, é uma medida que está prevista no PEES e a esmagadora maioria das outras não.

Mas o Governo não a incluiu na proposta de Orçamento Suplementar.

Como muitas outras não estão. Muitas das medidas que o Governo apresentou no PEES não estão no Orçamento Suplementar porque ou são financiadas por fundos comunitários ou por orçamento próprio dos subsetores da Administração Pública. Por exemplo, o Governo pode entender que ainda há margem para financiar uma determinada medida através do orçamento da Segurança Social e por uma resolução de Conselho de Ministros pode avançar com essa medida. Não tem de a trazer no Orçamento Suplementar.

Então o porquê desta proposta do PS se já estava prevista no PEES? E até porque o Governo já tinha uma anterior para os trabalhadores informais…

Outros partidos apresentaram propostas para este objetivo de criar uma medida extraordinária de apoio para os trabalhadores independentes e informais que ainda estão fora de qualquer apoio. E olhando para essas diferentes propostas em cima da mesa, o PS entendeu que devia apresentar essa proposta em sede de Orçamento Suplementar para tentar que a sua proposta seja aprovada e com isso ir ao encontro do PEES, mas garantindo que a sua proposta é a que reúne melhores condições para ser aprovada.

Em 2013, o PS apresentou propostas de alteração que visavam aumentos de despesa como o IVA da restauração ou o prolongamento do subsídio social de desemprego por mais seis meses. Não eram uma violação da norma travão?

Há um outro fator que não existia em 2013, e nos anos anteriores, que tem a ver com a fixação de travões do quadro plurianual de programação orçamental através dos limites máximos de despesa por agrupamentos de despesa. Por proposta do Governo, o Parlamento fixa esses tetos. Isso é uma inovação que não existia em 2013. É uma inovação recente. Esse capítulo que tem a ver com o enquadramento orçamental e o desenvolvimento dos planos orçamentais: o Programa de Estabilidade, do Orçamento do Estado é uma inovação que acrescenta à interpretação da aplicação da norma-travão. À época, em 2013, não existia esse fator.

Mas existia a norma-travão que impedia o aumento da despesa…

Ainda hoje [sexta-feira, 26 de junho] no Parlamento estivemos a discutir a revisão à Lei de Enquadramento Orçamental e isto esteve presente no debate. O Governo propôs através da revisão à Lei de Enquadramento Orçamental que quando os partidos apresentam projetos-lei e propostas de alteração ao Orçamento elas sejam acompanhadas por uma quantificação do seu impacto na receita e na despesa. Alguns partidos veem isso como uma forma de o Governo condicionar a liberdade de atuação dos partidos em sede orçamental mas é exatamente o contrário. Isto tem a ver com quadro plurianual de programação orçamental. Quando o Parlamento aprova os tetos máximos da despesa, posteriormente noutra sede, como nesta que estamos agora do Suplementar, os partidos não podem apresentar propostas que façam disparar limite máximo desta despesa. Este é um assunto que não existia à época em 2013 e que veio densificar e reforçar ainda mais a leitura da interpretação da aplicação da norma-travão.

Mas a proposta de alteração do OE prevê o aumento desses tetos.

Prevê, mas se as propostas forem aprovadas ainda fazem disparar mais esse teto, quer na despesa quer no endividamento. E isso não pode acontecer.

O Governo quer aumentar despesa através de certas medidas, mas o Parlamento pode querer aumentar por outras medidas. Não?

Estamos a falar de OE suplementar, não é processo normal do OE. O OE está em vigor, não vamos aprovar um novo OE, vamos aprovar um Suplementar que aumenta o teto da despesa e do endividamento. Todas as propostas que concorram para fazer disparar aquilo que é a proposta de Governo de aumento da despesa e de endividamento violam a norma travão. Tanto mais que existem limites que foram aprovados este ano para os vários sub-agrupamentos da despesa pública. Portanto, não temos dúvidas que uma boa parte das propostas que foram apresentadas, a grande maioria pelo estudo que já fiz, aumentam a despesa ou diminuem a receita. Também há propostas que são neutras do ponto de vista orçamental, e portanto do nosso ponto de vista, esperamos e apelamos para que haja bom senso na altura das votações de cada uma dessas propostas.

Marcelo devolveu diploma dos sócios-gerentes à Assembleia e sugeriu que podem aprovar a medida em sede do Orçamento Suplementar. Isso não dá razão aos partidos?

Não faço exatamente essa leitura da mensagem do Presidente da República enviou ao Parlamento para justificar o veto. O PR cria até uma novidade do ponto de vista daquilo que é a coordenação destas propostas de alteração com o Governo… Cria ali a figura do consentimento por parte do Governo quanto a algumas propostas. Ou seja, cria o cenário em que a proposta em concreto, sendo apresentada no Suplementar, pode não violar a lei-travão se o Governo consentir. (…) O PR cria figura que não existe, que é figura do consentimento do Governo, que não sei o que isso significa. Se o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares fica ali durante a votação na COF [comissão parlamentar do orçamento e finanças] a abanar com a cabeça se aceita ou não propostas em nome do Governo?

Assim sendo, nenhuma proposta com impacto orçamental pode ser aprovada. No limite é isso?

No Suplementar, é.

O PS vai votar contra todas as propostas que tenham impacto orçamental, na especialidade, exceto a sua?

Há propostas que também podem ter o mesmo perfil da nossa, temos de avaliar.

Só sobre este apoio extraordinário aos trabalhadores independentes e informais?

Todas as propostas, no perfil dessa. Se surgirem propostas que cabem no âmbito do PEES e que, se forem aprovadas, não tiverem impacto no aumento da despesa, sendo propostas que podem ser financiadas, por exemplo, por fundos comunitários, e se politicamente o PS achar são aceitáveis vota a favor. Mas certamente estaremos a falar de um lote muito restrito de propostas.

Se os partidos aprovarem a proposta dos sócios-gerentes na especialidade do Suplementar novamente poderá haver conflito institucional. Como se resolve?

Veremos no fim da aprovação de todas as propostas e da variação orçamental que essas propostas apresentam. Certamente se recordará do momento final que existe logo após a aprovação da última proposta do artigo número 1 do Orçamento do Estado, que é um número que habitualmente alguns partidos fazem que é de perguntar ao Governo se vê necessidade de aumentar o limite de endividamento. Portanto, é nessa altura, que o Governo, em função daquilo que são as propostas aprovadas, e o seu impacto na despesa e na receita, diz se há ou não há variação na despesa que suscite o aumento não só da própria despesa, e também o aumento do limite de endividamento. É uma resposta que só poderá ser dada na altura.

Caso a resposta do Governo seja afirmativa, qual é a consequência disso?

É uma decisão que teremos de tomar na altura. Não lhe posso também estar aqui a assegurar que, se for com o protesto do PS… Obviamente que o senhor Presidente da República terá que analisar as propostas ou a proposta que contribuiu para o aumento do limite da despesa que vem inscrito no Orçamento Suplementar.

Mas o Presidente da República não pode vetar uma medida em particular, e o resto do Orçamento ser promulgado, certo?

Quero eu dizer que no fim da aprovação da última proposta, o Governo vai avaliar se houve uma variação de despesa, se essa variação é positiva e se faz disparar o teto da despesa. E aí o Governo vai pronunciar-se. Portanto, é uma pergunta que calha mais ao Governo do que ao grupo parlamentar. E também aí, o Presidente da República não deixará de se pronunciar. Quando digo pronunciar, não digo através do instrumento do veto, mas sim pronunciar-se-á politicamente, já que o fez agora através do veto.

No limite isto poderá ir ao Tribunal Constitucional?

Estamos aqui a fazer um filme de terror à volta de uma proposta que ainda não sabemos se será aprovada. Da parte do grupo parlamentar do PS, nós reservamos a nossa posição para o momento final do Orçamento Suplementar que é quando se faz a avaliação e o cálculo da variação na despesa de todas as propostas aprovadas. Quem transmite essa informação é o Governo e, portanto, caberá mais ao Governo assumir o que é que pretende fazer com esse resultado. Se for um resultado neutro, que não tem impacto no limite da despesa, o Governo certamente atuará de uma forma. Se fizer disparar a despesa, o Governo atuará de outra forma. É desnecessário trazer para cima da mesa o cenário mais pessimista.

Pessimista, mas provável dado o sentido de voto dos partidos.

Repare, se essa proposta vier a ser aprovada, e outras tantas também forem aprovadas, que até façam aumentar a receita ou até diminuir a despesa, poderá ter uma variação orçamental…

Não sei se há muitas propostas que aumentem a receita…

Mas há. Há muitas propostas, — e não estou a dizer que terão o apoio do PS, a esmagadora maioria não terá certamente — que aumentam e diminuem a receita, e propostas que diminuem e aumentam a despesa, e propostas que diminuem a despesa fiscal, e isso também ajuda. Por isso é que é ainda muito prematuro e até pode ser precipitado dizer qual será o produto final do impacto [as votações das propostas dos partidos na especialidade].

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