“Covid-19 não mudou prioridades dos investidores, mas acelerou foco no ESG”

Responsável da área de serviços da Euronext, Mathieu Caron, conta como emitentes tentam responder à procura dos acionistas por investimentos mais sustentáveis. Antecipa que a tendência só vá aumentar.

Os serviços de aconselhamento da dona da bolsa de Lisboa aumentaram com o novo ESG (Environmental, Social, and Governance) Advisory, focado em critérios ambientais, sociais e de governance. O apoio a empresas (que podem ou ser cotadas) vai desde uma auditoria a todo um pacote de produtos ligados ao reporte e ao compliance, como explica ao ECO/Capital Verde Mathieu Caron, head of corporate services, do grupo Euronext.

Em entrevista, o responsável explica que, independentemente do setor, é exigido (especialmente pelos acionistas) a todas as empresas que façam um caminho para a sustentabilidade. Com a Covid-19, essa necessidade de responder à procura dos investidores só aumentou.

Como funciona o ESG (Environmental, Social, and Governance) Advisory?

Talvez seja bom começarmos com algum histórico. Os corporate services nasceram em 2016 com a ambição de apoiar os emitentes e as empresas cotadas no seu percurso nos mercados financeiros. Um dos primeiros serviços na altura foi o advisory para emitentes e, desde então, a oferta foi-se desenvolvendo. Temos uma equipa de dez especialistas no advisory e estamos a prolongar aos temas ESG com o Advisory ESG. O objetivo é apoiar os emitentes em toda a estratégia de relação com os investidores e comunicação com o mercado. É um serviço especializado.

Quantas pessoas são em Lisboa? Já têm clientes em Portugal?

Somos uma equipa de 19 pessoas nos vários mercados, que presta serviços a 2.500 clientes, entre os quais 600 emitentes. Em Portugal, temos alguns clientes. Para cada uma das soluções, temos especialistas espalhados pela Europa. Quando se tratam de necessidades específicas do mercado português, há uma equipa disponível. Somos verdadeiramente uma equipa pan-europeia espalhada pelas várias geográficas.

A equipa pode ter um foco específico nas necessidades em cada país, que sejam relevantes. Aliás, o objetivo é prestar um serviço feito à medida para cada empresa, focado em cada mercado e nas especificidades de cada um. Não queremos criar um conteúdo genérico. Temos uma ferramenta de compliance para ajudar as empresas a cumprir a regulação europeia, temos company webcast, que é a ferramenta de comunicação que tem como objetivo melhorar a comunicação e o alcance e a visibilidade internacional. E depois temos a o pilar de solução que é uma combinação de inteligência artificial.

Especificamente no que diz respeito a critérios ESG, que tipo de ajuda é que as empresas europeias precisam?

No lançamento de qualquer oferta, é uma necessidade crítica para os emitentes. O investimento socialmente responsável está a tornar-se dominante. É expectável que um emitente tenha um compromisso de ESG, para os investidores, para o rating, para o seu próprio governance… Há uma série de requisitos. Neste momento, é preciso ter uma mensagem ESG abrangente e uma estratégia ESG forte que acompanhe a história nos mercados financeiros. Para cobrir estas necessidades básicas, o ESG Advisory pode ajudar a começar.

Quem quer estar nos mercados financeiros, tem de entender melhor qual é a pegada ESG e analisar os dados. Foi por isso que decidimos fazer uma parceria com uma multinacional francesa que é a Tennaxia, no que diz respeito ao reporte. O que estamos a fazer com a Tennaxia é a tentar perceber qual são os indicadores chave de desempenho relevantes para cada empresa e em comparação com o setor. Temos de passar algum tempo a analisar os dados.

No lançamento de qualquer oferta, é uma necessidade crítica para os emitentes. O investimento socialmente responsável está a tornar-se dominante. Neste momento, é preciso ter uma mensagem ESG abrangente e uma estratégia ESG forte que acompanhe a história nos mercados financeiros.

Mathieu Caron

Head of corporate services da Euronext

Como é que conseguem fazer esse trabalho sem que haja regulação europeia harmonizada?

Depende de cada empresa. Sabemos que a taxonomia europeia é um aspeto chave. Mas depende muito da empresa, se é muito internacional com várias subsidiárias ou se é focada num segmento específico. É preciso primeiro o tipo de empresa que estamos a falar. E o reporte é feito com base no benchmark setorial para garantir que é consiste com os pares. E depois podemos fazê-lo com base numa poll de investidores, com questionários para perceber a perceção em torno do tópico ESG.

Há um espetro alargado de indicadores chave de desempenho que são usados pelas agências de rating para analisar o que é importante em cada emitente. Para o ESG Advisory, também fizemos uma parceria com uma empresa internacional especializada em governance que é se chama Ethics & Boards para fazer análise específica em temas como comités, processos de decisão, remunerações, diversidade…

Finalmente, a última parte do ESG Advisory prende-se com o que temos sempre feito com os emitentes, para preparar e ajudar a que as conversas com os investidores tenham em consideração estes fatores ESG. Os [acionistas] ativistas muitas vezes atacam essas questões de governance e os emitentes precisam de ter apoio para identificar essas situações e os fatores com os quais têm de ter cuidado. Construir uma história consistente nos mercados financeiros tem de ter em consideração indicadores de ESG.

As empresas têm consciência dessa necessidade?

É isso que nós vemos. Há uma tendência que se move para a necessidade de ser mais ESG, mas também em termos de fluxos de capital e investimentos mais ESG. Há emitentes mais e menos alerta para isso, mas qualquer pessoa que esteja nos mercados financeiros vê que estes temas estão a surgir. Os fundos de investimento ESG atraíram cerca de 30 mil milhões no primeiro trimestre do ano. Com o surto de Covid-19, esta tendência só acelerou. É uma oportunidade para os mercados.

Colocando a questão de outra forma, é possível para uma empresa entrar neste momento em bolsa sem cumprir critérios ESG?

Depende muito do que consideramos que é cumprir… Há empresas no setor do tabaco ou álcool que são cotadas. A Euronext tem um guia de reporte ESG para emitentes, em conjunto com a Federação Europeia de Bolsas de Valores, e o que tentamos fazer é criar standards ESG.

Mas é diferente falarmos de uma empresa cotada ou uma empresa que queira entrar agora…

Não há empresas com histórias ESG perfeitas e a questão é se começaram essa transição. O que é que estão a fazer? Qual é a estratégia? Quais são os desafios? Provavelmente haverá alguns impactos quando se começa a vida no mercado, mas tudo depende do do setor, da indústria e dos pares. Claro que um outlier, que não tem em conta qualquer critério ou guidance ESG, não vai correr muito bem porque há muita atenção neste tema na maior parte dos países. Mesmo que o setor não seja best in class, é expectável que a empresa compense de outra forma.

Os fundos de investimento ESG atraíram cerca de 30 mil milhões no primeiro trimestre do ano. Com o surto de Covid-19, esta tendência só acelerou. É uma oportunidade para os mercados.

Mathieu Caron

Head of corporate services da Euronext

Qual a perspetiva que tem do lado dos investidores?

Dada a dimensão dos ativos sob gestão focados em ESG, vimos um aumento na gestão passiva. Está muito ligado às convicções de cada um. As pessoas querem investir em algo que a determinada altura seja positivo para o ambiente ou para a sustentabilidade do mundo. As tendências são muito importantes. É isso que tentamos trazer para o mercado e criar ferramentas para encontrar investidores de forma transparente sem muitas viagens ou grandes custos.

O que vemos há uma crescente necessidade dos emitentes por encontrar soluções para entrar em contacto com investidores e mostrar que são cumpridores de critérios ESG. Porque querem responder à necessidade dos investidores de se envolverem mais. Em qualquer empresa, há sempre uma parcela ESG e é isso que os investidores estão à procura. Um terço dos roadshows são focados em ESG. É muito importante para os investidores perceberem de que forma é que as empresas estão a fazê-lo.

Covid-19 mudou as prioridades das empresas e dos investidores?

Penso que não mudou as prioridades dos investidores. Mudou, definitivamente, a forma de comunicar. Emitentes e empresas enfrentaram uma situação sem precedentes, que obrigou a muito mais tecnologia e comunicação digital. Nos mercados financeiros, houve muita turbulência portanto tiveram de lidar com estes tempos difíceis. Mas talvez tenha feito e vá continuar a fazer crescer o foco dos investidores em ESG. Se não acelerar, pelo menos, vai manter o ritmo ao qual os investimentos ESG estão a crescer.

Qual será o futuro após a Covid-19?

Não tenho uma bola de cristal, mas a Euronext tem apostado em ESG. Esperamos que estes esforços resultem num standard de reporte ESG, pelo menos na Europa e que possamos ajudar os emitentes. Voltamos ao que estávamos a falar, há muita pressão sobre os próximos desenvolvimentos. Muitos emitentes que operam em vários países não estão realmente equipados. É aí que podemos entrar, fazer um diagnóstico e ajudar.

A Euronext tem feito várias aquisições e aumentado os serviços. Estão a planear mais novidades?

Estamos sempre à procura de formas de complementar a resposta às necessidades dos emitentes. Continuamos a investir em inovação e haverá novos produtos a serem lançados até ao final do ano. Vamos abrir, em setembro, um novo escritório em Paris em setembro. Em inovação de produto, estamos a investir na relações com o investidor e estamos a desenvolver novas funcionalidades e novos softwares. No compliance, também queremos continuar a investir… Portanto, podem-se esperar novos anúncios nos próximos meses.

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