Empresas, um pouco por todo o mundo, anunciaram a vontade: tornar o teletrabalho uma prática regular, recorrente e... sem data de validade. Em Portugal já há empresas a recrutar para teletrabalho.
“Para sempre se assim o desejarem”. Foi desta forma que o gigante Twitter comunicou aos seus trabalhadores que, depois da pandemia, poderiam optar por trabalhar a partir de casa. De agora em diante. Em comunicado, o Twitter acrescentou que foi “uma das primeiras empresas a optar por um modelo WFH (work from home, ou seja, trabalho a partir de casa) face à Covid-19, mas não espera ser uma das primeiras a voltar aos escritórios”.
A mudança é protagonizada pelos trabalhadores cuja posição ou situação lhes permite trabalhar a partir de casa e, no caso em que desejem fazê-lo para sempre, “faremos acontecer”. “Se não, os nossos escritórios dar-lhes-ão as boas-vindas, com precauções adicionais, quando sentirmos que é seguro voltar”.
A rede social foi a primeira empresa a falar publicamente da possibilidade de ter trabalhadores, permanentemente, de casa, mas não foi a única. De seguida, outras empresas como o Facebook, anunciaram decisões similares. No caso da rede social de Mark Zuckerberg, pelo menos até ao final de 2020 a maioria dos seus trabalhadores vai fazer o seu trabalho a partir de casa. Na Alphabet, que pertence à Google, os escritórios estão, desde junho, apenas disponíveis para 15% dos colaboradores, sendo que a maioria deles vai ficar a trabalhar remotamente até final deste ano.
Paddy Cosgrave, CEO e fundador do Web Summit, anunciou que os mais de 250 trabalhadores da empresa vão estar a trabalhar de casa até ao próximo verão. “Dissemos aos nossos mais de 250 empregados que vamos continuar completamente remotos como empresa até, pelo menos, 1 de agosto de 2021”, escreveu o irlandês no seu perfil de LinkedIn.
Ao mesmo tempo que surgem este tipo de anúncios públicos, muitos especialistas apontam para uma mudança de paradigma: o trabalho remoto pode tornar-se muito mais comum após a pandemia, e poderá vir acompanhado de uma diminuição das viagens de trabalho, por exemplo. Por outro lado, muitas empresas das áreas de tecnologia, banca e seguros foram, ao longo dos últimos meses, investindo em ferramentas de trabalho remoto e continuam, muitas vezes, à espera de “luz verde” para voltarem ao velho normal.
Como prática “bastante comum” na Capgemini, o teletrabalho foi reforçado nos últimos tempos. No entanto, a expressão “para sempre” pode dar a sensação de um ponto sem retorno, ao mesmo tempo em que se vivem tempos em que “o que mais precisamos é de flexibilidade e adaptação”.
“O modelo de trabalho a adotar dependerá das necessidades de negócio, em determinado momento, assim como, das necessidades de adaptação à vida profissional-pessoal dos nossos colaboradores”, assinala Catarina Conceição Silva, diretora de recursos humanos da Capgemini, que conta atualmente com cerca de 90% das pessoas em regime de teletrabalho e “a funcionar a 100%”, tanto em funções internas como para todos os nossos clientes. No entanto, assegura a responsável, como empresa tecnológica, a Capgemini tem “tudo o que é necessário para se trabalhar remotamente”. “Já nos encontramos a recrutar para regime total de teletrabalho e, caso as circunstâncias se alterem, e até porque há colaboradores que preferem regimes mistos ou apenas presenciais, estamos cá para os suportar”, assinala.
"Já nos encontramos a recrutar para regime total de teletrabalho e, caso as circunstâncias se alterem, e até porque há colaboradores que preferem regimes mistos ou apenas presenciais, estamos cá para os suportar.”
O confinamento trouxe, no entanto, inúmeros desafios. As vantagens de um regime de teletrabalho são várias mas, como noutros cenários, também tem os seus contras. “A maior flexibilização entre vida pessoal e profissional dos nossos colaboradores, principalmente os que têm filhos pequenos, é claramente uma vantagem. Sabemos igualmente que, não havendo necessidade de deslocações, ganha-se tempo com impacto na produtividade e (…) reduzem-se as emissões poluentes com a diminuição do número de viaturas em circulação. Por outro lado, são vários os casos de feedback, nas sessões de acompanhamento que fazemos com os nossos colegas, de que se encontram mais horas em frente ao seu PC do que quando se encontravam nas nossas instalações ou no cliente”, assinala a responsável de recursos humanos da Capgemini.
De acordo com a revista Forbes, os especialistas têm diferentes opiniões quando se trata de prever o tempo que demorará até que todos os trabalhadores voltem para o escritório, mesmo quando a pandemia for parte do passado. Tudo isto porque, enquanto alguns antecipam que a maioria dos trabalhadores sentirá que trabalhar de casa, quando possível, se tornou o “novo normal” — e isso reduz drasticamente a necessidade de as empresas procurarem, cada vez mais, espaços de escritório mais adequados às menores necessidades de um espaço físico — outros acreditam que o regresso será faseado — como, de resto, muitas empresas já estão a fazer — e que a ocupação dos escritórios, dentro de algum tempo, será total. As empresas poderão, por isso, continuar a olhar para a proximidade física como a melhor forma de manter a sua cultura e colaboração entre projetos.
“Há funções que são mais difíceis de concretizar em teletrabalho e que, mesmo em teletrabalho, existem situações em que a presença física é insubstituível. Não acredito que a pandemia vai mudar o mundo por completo, mas acredito que há alterações que irão surgir muito naturalmente, fruto desta experiência de isolamento social à qual fomos forçados”, assinala Rita Cadillon, diretora de recursos humanos da Primavera. Com cerca de 90% dos trabalhadores a trabalhar a partir de casa, a especialista não exclui, no entanto, a possibilidade de a Primavera poder, no futuro, contratar para funções desempenhadas remotamente. “Acreditamos no teletrabalho e o teletrabalho total poderá ser uma possibilidade no futuro, dependendo, naturalmente, de fatores como o tipo de função ou outras”.
Também em março, a Sage passou de uma lógica mista para um cenário de total trabalho remoto. Para a transição, foi crítico a empresa já estar adaptada ao regime, conta Josep María Raventós, country manager da Sage Portugal. Conseguimos colocar 100% da nossa equipa a trabalhar remotamente praticamente de um momento para o outro, sem qualquer constrangimento no serviço. Isso significou que durante estes últimos três meses conseguimos obter resultados muito bons, acima da média até, o que tem sido fantástico para a nossa continuidade do nosso negócio”, assinala.
Atualmente a caminhar para aquilo que denomina “um futuro híbrido”, uma combinação entre o teletrabalho e o trabalho presencial em escritório, a adaptação torna-se mais simples pelo facto de as equipas trabalharem sob um modelo colaborativo regido “pela troca de ideias e pensamentos, pela construção conjunta da nossa estratégia” “Isso obviamente é mais fácil quando as pessoas estão juntas no mesmo espaço”, explica o responsável.
Sobre a possibilidade de um regime de teletrabalho total, Josep María Raventós admite que este também já existe na Sage, sobretudo para trabalhadores que ocupam cargos globais a partir de Portugal.
“Perante esta nova realidade ainda não definimos totalmente os passos que vamos seguir, pelo que não estamos para já a recrutar pessoas nestas condições. Ainda assim, esta fase não foi um entrave ao recrutamento na Sage e os colaboradores a quem demos as boas-vindas recentemente passaram pelo processo de onboarding de forma virtual e estão em teletrabalho desde então”, assinala. Internamente, a empresa está aberta a que esse regime – à semelhança de outras empresas noutras partes do mundo – “possa ser realidade para algumas funções”. “Estamos a equacionar a possibilidade deste regime fazer parte do nosso novo modelo de trabalho”, acrescenta o country manager da Sage Portugal.
“Certamente existem empresas como o Twitter, o Facebook, a Google e muitas outras cujos modelos de negócio permitem um regime de teletrabalho a 100% sem que o negócio seja afetado de alguma forma. No nosso caso, trabalhamos sob um modelo de negócio onde a colaboração é chave para atingirmos os nossos resultados e onde a definição da nossa estratégia é feita com base no debate, na interação, na construção de ideias em grupo, e que acontece diariamente”, salvaguarda ainda. Por isso, de acordo com Josep María Raventós, um dos maiores desafios de uma transição para um modelo 100% remoto será transpor estas dinâmicas para uma lógica diferente.
“Perante esta transformação que estamos a viver e que vem alterar em muito os modelos/regimes de trabalho, acredito que o futuro, para a maioria das empresas, vá passar por um regime parcial ou híbrido que combine estas duas formas de trabalho – o que, na minha perspetiva, parece ser a combinação que mais vantagens traz”, sublinha.
Essa foi, de resto, uma das conclusões de um inquérito interno global feito pela empresa, que deu conta do grau de satisfação bastante elevado face ao regime de teletrabalho como chave para um maior equilíbrio entre a vida profissional e familiar.
3 sinais de que pode ser feliz a trabalhar de casa
- Sabe o que tem a perder: maior produtividade, mais foco e concentração, melhor gestão de tempo. Muitas pessoas perceberam, durante o confinamento, que conseguem uma melhor otimização de recursos enquanto trabalham a partir de casa porque são capazes de estabelecer prioridades e trabalhar melhor. O tempo que se ocupa diariamente nos transportes públicos ou no trânsito é também um critério a ter em conta na hora do regresso à rotina trabalho-casa. No entanto, atenção: não se esqueça que, a trabalhar de casa, também acabam as reuniões presenciais, as conversas de corredor e os momentos de socialização que tornavam o escritório um apetecível lugar onde estar.
- Está preparado para se ajustar às regras não faladas: se a sua quarentena foi um piloto daquilo que é o teletrabalho, fique a saber que a sua experiência pode não ser tão fiel à realidade quanto imagina. O que explicam os “veteranos” de trabalho remoto é que algumas das situações propiciadas pela pandemia não são práticas comuns num regime remoto porque, por agora, trabalhar de casa é uma “necessidade”. Com o passar do tempo, o trabalho remoto pode vir a ser considerado, dentro da empresa, como uma obrigação, um luxo ou um benefício e isso pode mudar um pouco a sua visão dessa realidade (pense no aumento dos custos de eletricidade na sua casa, por exemplo).
- Percebe a importância da sua rede de contactos: trabalhar de casa pode acrescentar alguma formalidade às suas relações profissionais, já que a distância física levará a um resfriamento das relações interpessoais. Trabalhe bem a construção da sua rede profissional segundo o ambiente que quer criar e, mesmo num registo virtual. Ocupe algum tempo a pensar que tipo de relações gostava de construir e como pode fazê-lo de forma efetiva e duradoura. Pense também de que forma é que estas relações podem ser impactadas com a decisão de manter-se remoto.
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E se a sua casa de sempre se tornar o seu escritório para sempre?
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