Tribunal de Contas pede ao Governo que ressuscite reforma de Centeno sobre resolução
Auditoria do Tribunal de Contas concluiu que Autoridade Nacional de Resolução não se encontra habilitada para exercer as suas competências de resolução bancária.
A resolução bancária não é independente e deve, por isso, ser alvo de revisão legislativa. Estas são as conclusões de uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas (TdC), em que é recomendado o renascer de parte da reforma da supervisão financeira que Mário Centeno delineou enquanto ministro das Finanças, antes de ir para governador do Banco de Portugal, e que nunca saiu do papel. A entidade que agora lidera rejeita as críticas.
“A ANR [Autoridade Nacional de Resolução] ainda não se encontra habilitada (dotada dos meios adequados e preparada) para exercer as suas competências de resolução bancária com independência operacional. Para essa habilitação é importante a prevenção e redução dos riscos significativos reportados e suscetíveis de serem agravados com o impacto adverso da pandemia da Covid-19″, concluiu o Tribunal de Contas.
Na resposta à crise da dívida, a União Europeia decidiu avançar com a União Bancária e dotar o Mecanismo Único de Resolução (MUR) da responsabilidade de assegurar que a resolução de instituições financeiras tem o menor peso possível para os contribuintes. A nível europeu, esse trabalho é feito em coordenação com o Conselho Único de Resolução (CUR) e, em Portugal, com a Autoridade Nacional de Resolução (ANR).
Estas funções foram atribuídas ao Banco de Portugal, sob condição de serem exercidas de forma operacionalmente independente das restantes, nomeadamente de supervisão bancária. Foi neste contexto que o BdP aplicou as medidas de resolução do Banco Espírito Santo (BES) em 2014 e do BANIF, no ano seguinte. E só depois disso, em 2018, é que o BdP definiu a estrutura orgânica do Departamento de Resolução (DRE), que foi a forma encontrada para separar as funções.
"A ANR [Autoridade Nacional de Resolução] ainda não se encontra habilitada (dotada dos meios adequados e preparada) para exercer as suas competências de resolução bancária com independência operacional.”
É neste contexto que é feita a auditoria do TdC, que aponta a importância de assegurar a independência operacional da ANR. Considera que esta tem por fundamento evitar o risco de complacência da função de supervisão para com as instituições supervisionadas, bem como evitar conflitos de interesse entre as funções de resolução e as de supervisão ou outras.
“Para o efeito, a tomada de decisões (por exemplo, aprovar planos de resolução) deve ser parte integrante dessa independência, sob pena da sua ineficácia prática. Porém, isso não se verifica visto que as decisões relativas ao exercício das funções de ANR são tomadas pelo Conselho de Administração do BdP (ou pelo seu membro responsável pelo DRE e por outros departamentos)”, alerta.
Além disso, “subsistem mais limitações a essa independência, faltando a ANR exercer todas as suas funções e só essas”. Um dos exemplos dados dos para ilustrar os problemas que advém da não exclusividade das funções prende-se com o Novo Banco. Como a ANR também coordena, no âmbito da Unidade de Cooperação Institucional, o funcionamento do Fundo de Resolução e do Fundo de Garantia de Depósitos, a equipa de acompanhamento dos contratos de venda do Novo Banco também integra o DRE.
Sublinha ainda problemas em “formalizar os procedimentos para definir e auditar todas as cadeias de trabalho, formalizar os procedimentos e responsabilidades das várias unidades de execução no âmbito de uma medida de resolução, formalizar acordos de articulação e de protocolos de partilha e troca de informação com outros departamentos do BdP e definir procedimentos operacionais a aplicar em situações de emergência no âmbito da resolução bancária”.
O tribunal aponta insuficiências ainda de recursos humanos, de sistemas de informação, de controlo da atividade e de autonomização de contas devido à ANR ser, na prática, um dos departamentos do BdP. Acrescenta que estas insuficiências, “mesmo já reduzidas, também limitam a pretendida independência operacional”.
Em simultâneo, o TdC alerta que há planos de resolução em falta, cuja elaboração é da competência do BdP e recomenda que estes sejam feitos. Recomenda ainda ao supervisor que adote práticas que não limitem a exigência legal de independência das funções de Autoridade Nacional de Resolução.
"As principais conclusões não apresentam um retrato fiel do quadro em que se desenvolve a função de resolução bancária em Portugal e não refletem com justiça e adequação os próprios resultados da ação de auditoria.”
Reforma da supervisão financeira previa separação de poderes, mas não saiu do papel
A principal recomendação é, no entanto, para o Governo. O TdC pede ao Ministro das Finanças para “promover e propor à Assembleia da República um modelo de governo da Autoridade Nacional de Resolução que assegure a exigência legal de independência das suas funções de resolução (planeamento e aplicação) e evite potenciais conflitos de interesse com funções de supervisão bancária ou outras”.
Este modelo já esteve em cima da mesa, como é lembrado no relatório. A proposta de reforma de supervisão financeira, que foi anunciada por António Costa no início da anterior legislatura, tinha como pilar a criação de um super-regulador através do reforço de poderes do Conselho Nacional de Supervisão Financeira (CNSF).
A resolução bancária passaria do BdP para um departamento autónomo dentro do super-regulador. O BdP até concordava com esta separação de poderes, mas o modelo levantava muitas dúvidas. Entretanto acabou por cair com o fim da legislatura e ainda não voltou ao Parlamento. Nem o BdP nem o Governo referem se concordam ou não com a recomendação do TdC.
O Banco de Portugal rejeita as críticas, defendendo que as principais conclusões “não apresentam um retrato fiel do quadro em que se desenvolve a função de resolução bancária em Portugal e não refletem com justiça e adequação os próprios resultados da ação de auditoria”. Apesar de reconhecer que “várias das concretas situações identificadas nos trabalhos de auditoria merecem a concordância do Banco de Portugal”, considera que “não justificam que delas sejam retiradas as asserções gerais posteriormente vertidas nas conclusões da auditoria”.
"Parece evidente que a resolução realizada, em 2014, não procedeu a uma segregação adequada de ativos depreciados, na medida em que manteve no balanço do Novo Banco os ativos englobados no mecanismo de capital contingente e cujas perdas são de montante elevado.”
Já o Governo rejeitou fazer comentários ao relatório, limitando-se a responder às questões enviadas pelo TdC. Nestas, defende que tem levado a cabo e avaliado as decisões políticas do Estado na estabilização do sistema financeiro. O novo ministro das Finanças, João Leão, faz ainda críticas à resolução do Novo Banco, em linha com as que tinha feito o antecessor Mário Centeno.
Quando questionado sobre a frase de Centeno que disse que a resolução do BES “foi a mais desastrosa resolução bancária alguma vez feita na Europa” por terem os ativos incluídos no balanço do Novo Banco sido mal avaliados e mal contabilizados, Leão concorda. “Parece evidente que a resolução realizada, em 2014, não procedeu a uma segregação adequada de ativos depreciados, na medida em que manteve no balanço do Novo Banco os ativos englobados no mecanismo de capital contingente e cujas perdas são de montante elevado”.
Deixa em aberto de quem é a culpa — se do anterior Governo ou do Banco de Portugal –, mas explica que “a origem da insuficiente segregação de ativos depreciados indicia que a resolução foi feita sem conhecimento de toda a informação contabilística sobre o efetivo valor dos ativos“. Até ao momento, o capital injetado no Novo Banco após a resolução ascende a mais de 10.000 milhões de euros, “um valor muito superior ao considerado necessário no momento da resolução em 2014”, acrescenta.
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