Pandemia assolou os vários setores de atividade, mas a advocacia está aguentar-se. À Advocatus, seis firmas explicaram que impacto está a ter a Covid-19 no negócio e como pensam reinventar-se.
A pandemia colocou o mundo de “pernas para o ar” e nenhum setor de atividade escapou a este crise de contornos inéditos. Ainda sem fim à vista, a advocacia teve de se adaptar e procurou novos meios de forma a suportar o impacto do vírus nas firmas.
À Advocatus, algumas sociedades consideram que o setor jurídico, ainda assim, é dos mais resilientes, pois facilmente se adapta aos diferentes ciclos económicos.
“O impacto no setor tem sobretudo a ver com as formas de organização do trabalho e de funcionamento das equipas, o que diria que é o efeito mais benigno de todos, se compararmos com outros setores em que a paralisação da economia, uma queda de mais de 16% só no segundo trimestre, terá a pior das consequências para muitas empresas”, nota Bruno Ferreira, co-managing partner da PLMJ.
Apesar de considerar que a Abreu Advogados adaptou-se facilmente, Duarte de Athayde, managing partner, afirma que “esta é uma situação sem precedentes e está a ter e terá um forte impacto na economia e inclusive no nosso setor, pelo que temos de estar preparados para diferentes cenários de quebra”.
Já João Vieira de Almeida, managing partner da Vieira de Almeida, assegura que “dificilmente haverá quem escape ileso aos impactos negativos estimados para a economia em geral”.
Apesar de a pandemia não afetar o setor de modo igual, pois o tamanho dos escritórios, especialidades, clientes e experiências das equipas variam, fonte oficial da CMS Rui Pena & Arnaut afirma que “a incerteza se instalou e isso mexeu com todos”.
Paulo Câmara, managing partner da Sérvulo & Associados, refere à Advocatus que no que concerne ao sistema judicial “o encerramento temporário dos tribunais implicou um número elevado de atrasos nas diligências e, apesar da suspensão de prazos, o impacto mantém-se”. Para o líder da firma, apesar dos atrasos é de “aplaudir” o esforço de todos os elementos do sistema.
“A pandemia de Covid-19 e a crise económico-social que dela advém não conhece fronteiras, estatais ou setoriais. O setor da advocacia não é uma ilha e depende, em grande medida, da vitalidade económica dos restantes setores, bem como do pleno funcionamento da economia e das instituições”, nota João Caiado Guerreiro, managing partner da Caiado Guerreiro.
Firmas estão a dar a volta por cima da crise
Todas as áreas foram afetadas pela “nova” realidade que se impõe globalmente. Ainda assim, existem setores que estão a sofrer mais dentro das firmas de advogados. Imobiliário, M&A, turismo, desporto, contencioso, imigração e entretenimento são algumas das áreas apontadas.
“Tais áreas do direito, quer por dependerem em grande parte de um mundo global, próximo e aberto, que, a dada altura, ficou em suspenso, quer por implicarem um contacto próximo e permanente com serviços administrativos que sofreram fortes condicionamentos ao seu funcionamento, viram a sua atividade fortemente constrangida e limitada”, refere João Caiado Guerreiro.
O lado positivo da pandemia foi que deu um impulso a certas áreas como as de laboral, segurança social, financeiro, reestruturação e insolvência. Segundo o managing partner da Abreu Advogados, estas áreas encontram-se em “contraciclo com a economia”.
Tanto na VdA como na CMS nenhuma área até ao momento foi afetada. “No princípio ficámos apreensivos, como a grande maioria dos escritórios, mas com o passar do tempo, não notámos algum tipo de evolução menos positiva. Podemos dizer que houve um desaceleramento nalgumas situações, mas rapidamente retomámos o nosso ritmo de trabalho”, refere fonte oficial da CMS.
Mas e em termos de faturação e volume de negócio? Será que as sociedades de advogados estão a perder clientes? À Advocatus, as firmas revelaram que a apesar da quebra, mantêm-se fortes e estão a dar a volta por cima.
“O volume de trabalho continua bastante intenso e as equipas continuam com uma elevada taxa de ocupação, o que nos indica que temos a dimensão certa para os tempos atuais. Também é verdade que a nossa clientela é maioritariamente constituída por grandes e médias empresas e essas, felizmente, apresentam uma maior resiliência em face destas intempéries”, assegura Paulo Câmara.
Na PLMJ o foco dos clientes ajustou-se ao contexto atual e a firma ajustou-se também a eles. Apesar de projetos adiados e das empresas estarem a passar sérias dificuldades, Bruno Ferreira acredita que existem muitos desafios pela frente.
“O que podemos dizer nesta altura é que estão reunidas as condições para repetirmos 2019, mesmo que com um tipo de operação e assuntos diferentes. No início deste processo, adotámos medidas de contenção orçamental, nomeadamente o adiamento do pagamento de 50% do prémio a associados coordenadores e associados seniores, e, neste momento, já procedemos a esse pagamento”, nota o co-managing partner da PLMJ.
Na Abreu Advogados aos primeiros sinais da crise foram tomadas várias medidas de ajustamento de algumas áreas, corte de investimentos e ainda aposta na criação de um Helpdesk, de forma a dar apoio em plena pandemia.
“Embora março e abril tenham sido meses com alguma quebra, acreditamos que vamos recuperar até ao final do ano, até porque temos já indicadores mais positivos nomeadamente do fecho do semestre em linha com os objetivos”, explica Duarte de Athayde.
Pessoas são o foco dos escritórios
Com previsão de futuro incerto de quando a pandemia terá um desfecho e possamos voltar a viver de forma “normal”, as sociedades continuam a apostar nos seus clientes, equipas, novos mercados e na inovação tecnológica de forma a ultrapassar as dificuldades da crise.
“Há uma consciência muito clara de que a forma como estamos a navegar esta crise e a dimensão do impacto que esta terá, é uma responsabilidade partilhada pelas mais de 400 pessoas que formam a PLMJ. A comunicação permanente e transparente e pontos de situação regulares têm sido ferramentas muito valiosas e até uma lição aprendida e a transportar para o futuro”, explica Bruno Ferreira.
Na CMS a aposta em tecnologias e ferramentas digitais têm sido práticas constantes. “Procuramos ser o mais pró-ativos e inovadores possíveis, mas acima de tudo nunca deixaremos de lado o compromisso que os nossos advogados têm para com os clientes”, refere fonte oficial da firma.
“Estamos a monitorizar muito de perto todos os indicadores da atividade, numa gestão muito dinâmica, e lançámos um plano específico para nos posicionarmos para os novos padrões de procura”, explica João Vieira de Almeida.
Na Caiado Guerreiro a postura adotada tem tido como prioridades a “garantia da qualidade do serviço prestado”, a “segurança e bem-estar dos colaboradores” e a “procura na diversificação de serviços oferecidos”.
“A redução no volume de trabalho em algumas áreas tradicionais permite quer procurar novas áreas de especialização em crescente desenvolvimento com as ligadas ao direito farmacêutico, ao direito do desporto, às criptomoedas, propriedade industrial, quer apostar maioritariamente em áreas que, previsivelmente, terão forte procura num futuro próximo: direito do trabalho, insolvências e reestruturação, contencioso e arbitragem”, assegura João Caiado Guerreiro.
Ainda assim, vários são os desafios impostos às sociedades de advogados no contexto pandémico. Como explicou à Advocatus João Vieira de Almeida, “proteger a saúde de todos os colaboradores, planear num ambiente de enorme incerteza e gerir a mobilidade dos colaboradores” está na agenda da firma.
Pessoas. São as pessoas que no fundo são o grande desafio dos escritórios.
“No centro da Sérvulo estão as pessoas. Por isso, essencial é sempre a atração, a motivação e a retenção dos melhores colaboradores. Essa é a métrica principal do nosso sucesso. Paralelamente, procuramos ter uma rede internacional de parceiros que contem connosco e em que nos apoiamos de modo a manter a nossa estratégia de afirmação em termos internacionais, apesar das limitações nas viagens transfronteiriças”, conta Paulo Câmara, managing partner da Sérvulo.
Já na PLMJ também a longo prazo o desafio são as pessoas, sendo num horizonte próximo consolidar e manter o crescimento em 2020. “Reter e captar talento, manter equipas motivadas e galvanizadas, desenvolver a nossa pegada sustentável e criar legado para as gerações que se seguem. O resultado de tudo isto? Servirmos mais e melhor os nossos clientes e criar relações assentes numa partilha de valores comuns que ultrapassa a dimensão do negócio”, explica Bruno Ferreira.
Uma nova advocacia?
Apesar das mudanças na advocacia já tivessem começado a fazer sentir antes da pandemia, a Covid-19 veio acelerar as mesmas. À Advocatus, as sociedades entrevistadas acreditam que daqui a um ano a superação é a palavra de ordem.
“A lamber as feridas, com muitas firmas a procurar reencontrar o seu lugar, algumas fusionadas em esforço de integração, umas tantas sociedades mais pequenas a beneficiar da oportunidade de afirmação durante a crise e umas, que desejo sejam poucas, em ocaso”, prevê João Vieira de Almeida, managing partner da VdA.
Duarte de Athayde, por outro lado, crê que todas as crises são testes de stress à sustentabilidade da atividade dos escritórios. “É possível que alguns escritórios encontrem alguma dificuldade pelo caminho e se vejam forçados a optar por soluções que podem passar pela fusão com outros escritórios ou redução das suas equipas. Acho que vamos assistir a mais consolidação do mercado”, acrescenta.
Bruno Ferreira vai mais longe e acredita que iremos assistir a uma consolidação da posição e crescimento das sociedades do “Magic Triangle”, com equipas “muito alinhadas numa advocacia mais sofisticada e virada para os grandes assuntos”.
“Se as sociedades de advogados se mantiverem estáticas, expectantes e presas a um método de negócio que funcionava pré pandemia, o setor poderá passar sérias dificuldades. Contudo, a advocacia já demonstrou ao longo da história mais recente, que é um setor que sabe reagir às crises, continuando a prestar um serviço de qualidade e referência na sociedade portuguesa, procurando inovar e procurar novas oportunidades”, salienta João Caiado Guerreiro.
“Não há economia sem emprego e não há emprego sem as empresas”
A Advocatus questionou as seis sociedades se acreditam que a economia portuguesa irá conseguir reerguer-se rapidamente. João Caiado Guerreiro denominou-a “million dollar question”, pois esta crise é “algo que não é visto, provavelmente, desde o fim da segunda guerra mundial”.
“Apesar de termos vivido diversas crises ao longo da nossa história recente, não há memória de um evento que, num curto espaço de meses, tenha parado por completo e em simultâneo a economia mundial, levando a quebras no PIB da generalidade dos países desenvolvidos, na ordem dos dois dígitos percentuais”, acrescenta.
Duarte de Athayde não sabe se a economia vai reerguer-se tão rapidamente como o esperado, mas ainda assim afirma que existe espaço e caminho a percorrer para que a economia portuguesa encontre um rumo para a recuperação, apesar das previsões pessimistas de Bruxelas.
“Não há economia sem emprego e não há emprego sem as empresas. Se o Governo agir de forma concertada com as empresas, apoiando e facilitando o investimento privado, criando condições para o seu fortalecimento, evita que no futuro a despesa seja em subsídios de desemprego e recuperação empresarial”, nota o managing partner da Abreu Advogados.
Bruno Ferreira acredita que o “embate” vai ser duro para Portugal, uma vez que é um país onde grande fatia do PIB assenta no turismo e nas exportações. “O cheque europeu é muito importante para nós e deve ser usado tendo em conta também uma lógica de diversificação da economia, que nos defenda mais em ciclos de contração. De uma vez por todas, temos de iniciar o caminho que nos cola ao pelotão forte da Europa em vez de estarmos sistematicamente a concorrer no que não podemos ganhar: preço e serviços e produtos de pouco valor acrescentado”, refere.
“Na língua chinesa, a palavra crise é composta por dois carateres significando “perigo” e “oportunidade”. Acredito que o tecido empresarial português deve encarar esta crise não apenas como uma ameaça, mas também como uma oportunidade de afirmar a sua resiliência e a sua capacidade de adaptação”, conta Paulo Câmara. Para o managing partner da Sérvulo esta crise criou uma oportunidade de recomeço, uma chance para repensar e aperfeiçoar o propósito de cada sociedade e para proceder a uma reavaliação importante do modelo de atividade e de governação societária.
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Covid-19: Setor da advocacia mantém-se firme. Pessoas são o foco dos escritórios
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