Nacionalizar o Novo Banco? Não!
A venda do Novo Banco está num momento crítico e está em marcha um plano mediático a favor da nacionalização. Discordo. O Estado não deveria nacionalizar, mas alterar o modelo de venda.
Está em marcha um plano junto da opinião pública a favor da nacionalização do Novo Banco (NB). Entre os partidos que suportam o Governo a preferência é clara. E entre os demais o silêncio é comprometedor. Pudera! Depois de duas tentativas fracassadas de vender o banco, é natural que já nem mesmo os seus defensores se sintam confortáveis com a ideia, menos ainda com uma terceira tentativa. Deste modo, a nacionalização “temporária” (é sempre temporária!) seria, nas actuais circunstâncias, a alternativa mais à mão do Governo, diz-se na imprensa e nos corredores. Permitam-me, pois, discordar.
Na minha opinião, o Estado não deveria nacionalizar o NB; o Estado deveria, sim, alterar o modelo de venda, vendendo-o devagar devagarinho, independentemente dos “timings” que no âmbito da resolução do BES – um regime de resolução bancária que hoje está morto – tenham ficado definidos.
Enfim, a nacionalização do NB resultaria, muito provavelmente, na transformação de boa parte (senão mesmo da totalidade) do empréstimo outrora realizado pelo Tesouro ao Fundo de Resolução (FR), no valor de 3,9 mil milhões de euros, em capital do NB. Recorde-se que o FR, que hoje detém o NB, sendo um veículo de direito público, é financiado por todos os bancos do sistema. A Caixa Geral de Depósitos (logo, o Estado) também contribui para ele, mas apenas na medida da sua quota de mercado.
Deste modo, a nacionalização do NB – por falha do próprio Estado na sua venda –, privando o FR do seu principal activo, teria, razoavelmente, como contrapartida a eliminação da dívida compulsivamente imposta aos seus membros aquando da resolução do BES. Ou seja, libertar-se-ia a banca de um fardo pecuniário que a mesma, ainda que previsivelmente ao longo de várias décadas, tem hoje de pagar, mas assim se faria a expensas dos contribuintes.
Na verdade, a nacionalização “temporária” do NB correria o risco de tornar-se permanente, como é aliás desejo programaticamente assumido, em matérias de banca, pelos partidos que hoje suportam o Governo do PS.
A nacionalização também não seria opção pelo efeito de concentração bancária que a mesma provocaria. Se há problema latente na banca portuguesa é a sua excessiva concentração já hoje, da qual resulta falta de concorrência. É isso que continua a suportar algumas más práticas de mercado, de que a profusão de avales pessoais sobre créditos a empresas de responsabilidade limitada, ou os excessos da banca nos casos de incumprimento no crédito hipotecário, são exemplo, e que o regulador teima em não rejeitar como más.
Em Portugal, os cinco maiores bancos do sistema têm 90% ou mais do activo global bancário; logo, uma espécie de fusão entre a CGD e o NB apenas agravaria o problema de base. Mais ainda, a julgar pelos rácios de capital e pelas imparidades registadas ao longo dos anos, em particular nestes dois bancos, onde agora temos um banco grande descapitalizado, teríamos depois um banco enorme muito descapitalizado. Sim, porque tanto a CGD como o NB têm, segundo é público, insuficiências de capital: em conjunto quase seis mil milhões de euros (ou até mais, se o NB for tão mau quanto o pintam) que os contribuintes seriam chamados a cobrir a breve trecho; tanto quanto está previsto no Orçamento do Estado de 2017 para o Ministério da Educação. É caso para perguntar: teremos aprendido alguma coisa com o passado recente?
Sem prejuízo das críticas anteriores, há um ponto que também eu considero fundamental: o Estado não pode atribuir uma garantia pública ao comprador do NB. Seria um insulto, a acrescentar ao prejuízo. Nem pensar. O Estado não deve pagar para vender. Para isso já nos bastou a lastimosa venda do Banif, feita em cima do joelho pelo Governo e sobre pressão de uns senhores lá longe.
Ora, no caso do NB, que antes era um dos melhores bancos do sistema e que agora nada parece valer, o típico “do oito ao oitenta”, tão costumeiro em Portugal, o último balanço publicamente disponível indicava uma situação líquida positiva de cinco mil milhões de euros. Admitindo-se que dois anos e meio foram suficientes para limpar os activos tóxicos do balanço do NB, que supostamente nasceu novo e bom, o que por si só seria suficiente para desconsiderar a exigência de garantias públicas, o valor de liquidação do NB, mesmo atendendo à complexidade funcional de um banco, não deveria fugir muito daquele valor.
De facto, o argumento que repetidamente hoje vamos lendo, de que o NB valerá cada vez menos à medida que o tempo for passando, para mim, não colhe. E não colhe porque depois de tantos prejuízos acumulados (quase dois mil milhões de euros desde a sua criação em 2014), e de tantas imparidades já reconhecidas no seu balanço (9,5 mil milhões de euros à data de 30 de Setembro de 2016), o NB não deverá andar longe do seu equilíbrio operacional.
O rácio de crédito em risco é superior a 20% e a sua cobertura por imparidades, segundo o último relatório semestral de gestão (de Junho de 2016), situa-se próxima de 70%. Em ambas as métricas, o NB parece estar acima da média em Portugal. E, portanto, se o NB tem ainda importantes imparidades para reconhecer (como parece resultar da proposta da Lone Star), então, que dizer dos restantes bancos do sistema? Na realidade, excluindo as imparidades que o NB continua a registar (até quando? é a pergunta à qual não apenas os administradores, mas também os auditores deveriam responder), a relação entre despesas e receitas operativas já é positiva. Logo, não faz sentido pagar para vender um banco que capta depósitos e concede crédito, como é suposto fazer, e sem problemas operacionais de maior.
A solução é dar tempo à administração que, repito, excluindo imparidades (até quando?), já tem o banco a ganhar dinheiro.
O prazo concedido no âmbito da resolução do BES e que, na ausência de uma venda do NB, determinará a sua liquidação, o único cenário que o ministro das Finanças liminarmente já recusou, não passa de um prazo de secretaria de um modelo defunto. Compare-se o modelo de 2014 com o que hoje vamos observando, mormente em Itália, e rapidamente concluiremos que as regras de resolução bancária na Europa já foram, na prática, abandonadas.
Assim, o prazo concedido ao banco de transição que é o NB, tendo já sido prorrogado uma vez, deveria ser prorrogado novamente. E aqui há um argumento que não deveria ser menosprezado pelas autoridades portuguesas: o facto de ter sido o BCE, do alto da cátedra e lá longe em Frankfurt – à distância é sempre mais fácil! –, o responsável último pela polémica retransmissão de passivos operada pelo Banco de Portugal no final de 2015, do NB para o banco mau, e que ainda hoje, porque disputada juridicamente, contamina o valor oferecido pelo NB.
A manutenção do banco de transição, até em face dos ziguezagues administrativos do regulador, seria assim mais do que razoável. O tempo, agora que o navio parece estar a dar a volta, é chave.
Em simultâneo, poder-se-ia tentar um outro tipo de venda. Já se viu que uma venda integral do NB não se afigura viável – nem por leilão nem por colocação parcial em bolsa. Por um lado, porque os bancos nacionais não têm dinheiro para o fazer, por outro, porque a bolsa portuguesa continua em baixa e, por fim, porque no estrangeiro só encontrámos especialistas em “distressed assets” interessados somente no “cherry picking” (e com garantias!) dos activos. Então, por que não tentar, assumidamente, uma venda parcelada dos activos do NB? Os activos poderiam ser parcelados segundo um critério definido pelo Governo (pela natureza geográfica dos mesmos, pelo tipo de operação bancária, ou outro), sendo que as decisões de venda seriam depois tomadas no seio do FR. Neste, estabelecer-se-ia um comité de vendas composto pelos seus membros contribuintes, consoante a sua participação no FR, no qual se decidiria por maioria simples dos presentes em cada votação. Quem, entre os membros, se candidatasse a comprar o que quer que fosse ao NB escusar-se-ia a participar na respectiva decisão do FR, assim evitando conflitos de interesse ou bloqueios indevidos.
Em suma, a resolução de 2014 evitou que, logo então, fossem chamados os contribuintes para tapar o buraco do BES; ao mesmo tempo, introduziu também no NB uma gestão profissional e tanto quanto possível independente de terceiros. Mas teve como grande defeito a natureza experimental do modelo de resolução, do qual resultaram as diversas precipitações que inviabilizaram até hoje a venda do NB, e no qual sempre se desvalorizou o papel dos membros do FR. Estes, constituindo-se como os principais interessados na venda do NB, quer pela redução da factura do FR, quer pela possibilidade de ficarem com os activos do BES, seriam os principais aliados quer do Estado quer dos contribuintes. Teria sido uma liquidação ordenada e cooperativa.
Que os membros do FR nunca tenham estado envolvidos no processo de venda do NB constitui uma falha tão clamorosa que tem de ser corrigida, e nunca será tarde de mais para o fazer. Ao fazê-lo, talvez se pudessem incentivar consórcios de interessados nos referidos activos numa perspectiva de médio prazo. Talvez assim se incentivassem os bancos mais pequenos em Portugal, hoje ainda tão minúsculos (ainda que relativamente mais capitalizados que os “grandes”), a expandir as suas operações, reforçando a concorrência bancária em Portugal. E talvez assim os contribuintes fossem poupados a um novo BPN ou a uma nova recapitalização ao estilo da CGD. Que fossem também poupados a derivas políticas de má memória.
Aliás, no meio de tudo isto, não deixo de me questionar: terá o montante da recapitalização da CGD (ela própria uma interrogação) alguma coisa a ver com a nacionalização do NB?
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