As coordenadoras dos Encontros de Coimbra, Mariana França Gouveia, sócia da PLMJ, e Catarina Monteiro Pires, sócia da Morais Leitão, fizeram à Advocatus um balanço da arbitragem.
Mariana França Gouveia, sócia da PLMJ, e Catarina Monteiro Pires, sócia da Morais Leitão, coordenadoras dos Encontros de Coimbra – que decorrem em outubro numa versão digital – dão uma entrevista à Advocatus onde fazem um balanço do atual estado do recurso à arbitragem.
O que representa, em concreto, o Encontro Internacional de Arbitragem de Coimbra?
O ponto de encontro da comunidade arbitral lusófona, um espaço de convergência e de partilha de experiências e de conhecimento entre aqueles que, no mundo fora, se dedicam à arbitragem com ligação à língua portuguesa. É ainda um espaço de diversidade, de género, de nacionalidades, de gerações, com o enriquecimento enorme que daqui resulta.
Este ano os contornos são diferentes, pelo contexto óbvio. Que mudanças pode esta pandemia trazer para a forma como se vê a arbitragem em Portugal e na Europa?
A pandemia obrigou já a arbitragem internacional a adaptar-se ao mundo confinado, com a adoção de procedimentos à distância e ainda maior flexibilidade e inovação na gestão processual. Mas pensamos que mais mudanças advirão do facto de se preverem inúmeros litígios em consequência dos impactos económicos da pandemia a nível global. Esse aumento de disputas vai colocar à prova o sistema jurídico internacional, quer na sua vertente substantiva (das várias impossibilidades à alteração das circunstâncias, passando por deveres de renegociar e nos limites e alcance das cláusulas contratuais de força maior, de hardship, MAC, entre outras), quer processual, testando os limites da arbitragem internacional. Também será interessante verificar como é que a arbitragem internacional vai lidar com certas leis novas de caráter emergencial, que pretendem aplicar-se de forma necessária.
Sente que em Portugal as empresas ainda “fogem” da arbitragem ou já começa a ser uma solução mais popular?
De modo algum. No contexto do comércio internacional, é esse o procedimento mais habitual. Mesmo no contexto interno, o que sentimos é exatamente o oposto: que as empresas veem como método preferencial de resolução de disputas a arbitragem e outros mecanismos de resolução alternativa de litígios. A celeridade, flexibilidade e especialização dos árbitros, associada a cada vez maior sofisticação da advocacia portuguesa na utilização destes meios, são vantagens reconhecidas e associadas à arbitragem, dentro e fora de Portugal.
Quais são as grandes vantagens de optar por este meio de resolução?
As vantagens são várias e já muito reconhecidas. Primeiro, é um método de resolução de litígios privado, em que as partes têm uma palavra central. É uma jurisdição privada, apta a permitir modelações de todo o procedimento mais adequadas ao litígio concreto. Um contrato de construção em Angola é diferente de um contrato de venda de ações em Portugal ou de venda de gás natural no Brasil: as arbitragens para resolver os respetivos litígios podem também ser diferentes, adequadas ao que está em causa.
Depois, no plano internacional, permite garantir uma resolução de litígios fora dos tribunais dos Estados das partes.
Em geral, enquanto meio de resolução, destaca-se pela celeridade, até à especialização dos decisores (os árbitros), passando pela flexibilidade processual ou, em processos de grande valor, custos mais baixos quando comparados com os tribunais portugueses.
Quais são as áreas onde a arbitragem é mais recorrente? Ou deveria ser?
As arbitragens são muito frequentes em litígios decorrentes de grandes transações comerciais, como M&As, compras e vendas de sociedades, reestruturações de investimentos, acordos parassociais, em áreas de indústria muito diversas, desde energia (oil & gas, renováveis, barragens, etc.), construção, infra-estruturas, telecomunicações, tecnologia. Diríamos que a arbitragem é o modo ideal para resolver litígios internacionais, de elevada complexidade (jurídica ou técnica) e/ou elevado valor. O volume de prova a analisar, a dificuldade das questões técnicas ou jurídicas e o valor económico envolvido exigem um processo feito à medida, com dedicação de grandes equipas e decisores especializados. Sempre com respeito pelo princípio do processo equitativo.
Os meios de resolução alternativa de litígios em Portugal são usados como devem? Ou ainda são vistos apenas como solução secundária?
Apesar do enorme crescimento da última década, há ainda potencial dos meios ADR não totalmente aproveitado. Em especial, em mecanismos não adjudicatórios. Pensamos na mediação, meio ideal para litígios em relações de médio-longo prazo que as partes pretendem manter, e que tem sido, em Portugal, muito pouco usada. A mediação permite um trabalho com as partes numa perspetiva totalmente nova, podíamos dizer 360º, em que a abordagem jurídica é uma pequena parte da solução. Através da mediação, é possível restaurar a confiança entre as partes e, com esse valor readquirido, manter a relação comercial de boa saúde por muitos mais anos. Vemos isso a acontecer lá fora, mas em Portugal ainda não há essa perceção, perdendo-se imenso valor para a economia com a escalada do conflito.
Caminhamos para árbitros que ‘são’ a lei?
Não, os árbitros – como os juízes – aplicam a lei, melhor, aplicam o Direito, na sua diversidade de fontes. Os árbitros não decidem arbitrariamente, muito pelo contrário, estão sujeitos a regras de direito nacional, estrangeiro ou internacional aplicável ou que as partes escolheram. Só não é assim quando as partes atribuíram aos árbitros o poder de decidir por equidade, ou seja, aplicando um critério de justiça. Mas ainda neste caso, o que se verifica é que os árbitros aplicam sempre o Direito, subsumindo os factos às regras jurídicas e só após este exercício, verificam se o resultado precisa de ser adequado por ponderações de justiça.
Os árbitros também não são a lei no sentido de que são imunes à vontade das partes. Já dissemos, a arbitragem é uma jurisdição privada, assenta na autonomia das partes.
O que pode acontecer, sobretudo no plano internacional, é a formação de tendências, que alguns aproximam de usos, e outros de precedentes. O Direito ao ser aplicado enriquece-se, evolui. Mas, ainda assim, dizer isto não é dizer que o árbitro é a lei. São coisas diferentes.
Há regras para os árbitros na análise crítica da prova ou as partes devem assumir que tudo é possível? Quais devem ser essas regras?
É evidente que há regras, não só jurídicas sobre o valor de cada meio de prova e sobre ónus de prova; mas também da experiência. E, certamente, as partes não terão de assumir “que tudo é possível”, até porque, como já dissemos, cabe-lhes um papel importante, por exemplo na escolha da lei e regulamentos aplicáveis, entre outras. Finalmente, na arbitragem, muitos dos aspetos que não estão determinados “na lei”, relativos à prova são fixados antecipadamente numa fase inicial do processo e de modo adequado ao processo.
Em contexto de covid, como pode a arbitragem beneficiar de uma maior procura, nomeadamente em questões contratuais?
Mostrando a sua natureza flexível e adaptável às mais diversas realidades, o seu sistema sofisticado e adequado aos diversos tipos de litígio.
Como assegurar a independência dos centros de arbitragem na designação de árbitros?
Através de sistemas de governance equilibrados, nos membros da associação ou instituição que os gere, nos mecanismos de escolha e controlo dos conselhos diretivos desses centros. E depois através da sindicância séria e responsável das sentenças arbitrais proferidas no âmbito da arbitragem institucionalizada ou ad hoc.
Que lições podemos tirar da arbitragem internacional? Que países europeus são exemplares nesta questão?
A arbitragem internacional inspira a arbitragem doméstica, quer pela positiva, quando há exemplos bons a seguir; quer pela negativa, quando percebemos que certas práticas correram mal.
É muito importante estar permanentemente atento ao que se passa, não só para poder trazer para a arbitragem doméstica o que de novo e positivo surge; mas também para estar sempre pronto para participar e intervir a um nível de excelência idêntico ao dos melhores escritórios de advocacia mundiais. A advocacia portuguesa já provou que tem essa capacidade e já recebeu esse reconhecimento, nomeadamente através da entrada de vários escritórios em rankings de relevo na área. Deve agora manter-se nesse nível de topo da grande advocacia mundial, competindo mão a mão nos casos mais relevantes.
Os exemplos vão muito além da Europa. Os Estados Unidos e a América Latina também são fonte de conhecimento e experiências enriquecedoras.
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Coimbra. “A pandemia obrigou já a arbitragem internacional a adaptar-se ao mundo confinado”
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