Patrões e sindicatos criticam horários desfasados. Querem lei mais clara para evitar abusos

O Governo deve aprovar, esta quinta-feira, o desfasamento obrigatórios dos horários de trabalho em Lisboa e no Porto, depois de ter ouvido os parceiros sociais.

O Governo deve aprovar, esta quinta-feira, o decreto-lei que concretiza a obrigação do desfasamento dos horários de trabalho nas empresas de Lisboa e do Porto, depois de o ter enviado para a Concertação Social, no início desta semana. Do lado dos parceiros sociais, há muitas críticas e pelo menos um ponto de consenso: o diploma não é claro e abre a parte a constrangimentos tanto do lado do empregador, como do lado do trabalhador.

O Conselho de Ministros aprovou, na semana passada, o desfasamento obrigatório dos horários de entrada e saída, bem como de pausas e refeições em Lisboa e no Porto, para evitar ajuntamentos nos transportes públicos e nos locais de trabalho.

Na altura, António Costa anunciou que a regulamentação desta medida — desenhada para acompanhar a passagem do país ao estado de contingência — ainda seria enviada para a Concertação Social. O diploma chegou esta segunda-feira à noite aos parceiros sociais, que tiveram, assim, 48 horas para apreciar a legislação e tecer os seus comentários.

Patrões e sindicatos fazem ambos críticos à proposta de decreto-lei que lhes foi enviada, considerando que não é clara em diversos pontos, o que poderá abrir caminho a dificuldades e constrangimentos.

“É um decreto-lei pequeno e os mais pequenos são os mais perigosos. Dão origem a interpretações diversas”, dizia, na terça-feira, o secretário-geral adjunto da UGT, Sérgio Monte, em conversa com o ECO.

Na apreciação enviada esta quarta-feira ao Governo, a central sindical volta a frisar essa ideia, dizendo que está em causa um regime “pautado pela indeterminação“, mas também pela “excessiva amplitude dos poderes conferidos aos empregadores” e pelo afastamento das regras determinadas ao longo de vários anos na negociação coletiva. Isto uma vez que o diploma prevê que as empresas poderão alterar os horários de trabalho para cumprir o desfasamento, sem acordo dos trabalhadores.

A central sindical liderada por Carlos Silva nota, ainda, que ao abrigo desta nova medida os trabalhadores que nunca trabalharam por turnos ou fizeram trabalho noturno poderão passar a fazê-lo, o que julga problemático.

O diploma falha também, diz a UGT, por não proteger suficientemente as grávidas, menores e deficientes e por não contemplar como exceções ao desfasamento dos horários situações como a monoparentalidade, os trabalhadores com idosos a seu cargo e a prestação de serviço de vários membros do agregado à mesma empresa.

Acusando o decreto-lei de falta de clareza, a estrutura sindical salienta também que ficam por conhecer as regras segundo as quais serão constituídas, por exemplo, as “equipas estáveis” que o Governo quer ver organizadas para evitar o número de contactos entre os trabalhadores, nos locais de trabalho.

A CGTP acrescenta, por sua vez, que o diploma posto em cima da mesa pelo Governo falha por não determinar o período de vigência do desfasamentos dos horários, além de deixar uma “ampla margem de discricionariedade” às empresas ao permitir-lhes que imponham unilateralmente as mudanças de horários, o que a estrutura critica e contesta.

A central sindical liderada por Isabel Camarinha quer também que o diploma final deixe claro que o período normal de trabalho diário não poderá ser alterado, que está proibida a imposição do trabalho por turno ou noturno por esta via e que se esclareça o que se entende por prejuízo sério, único argumento que pode ser invocado pela generalidade dos trabalhadores para evitar o desfasamento dos horários, de acordo com o decreto-lei do Governo.

A CGTP frisa, por outro lado, que há outras soluções “igualmente eficazes” no combate à pandemia, no mercado laboral, “como é o caso da redução do tempo de trabalho para as 35 horas, sem perda de salário”.

Do lado dos patrões, também não faltam críticas a este novo regime. A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), na apreciação enviada ao Governo, salienta que este diploma é “desnecessário”, além de ser “confuso e suscetível de criar grandes dificuldades de funcionamento em algumas empresas”.

A confederação liderada por João Vieira Lopes considera, além disso, que nem o desfasamento dos horários deve ser obrigatório em Lisboa e no Porto, nem se deveria determinar que os trabalhadores possam “escapar” a essa diferenciação ao alegarem o tal prejuízo sério. Isso, diz a CCP, “retira autonomia e poder de direção e regulamentar à empresa”.

A confederação questiona também diversos pontos do diploma enviado pelo Governo, nomeadamente o intervalo mínimo (30 minutos) entre os horários desfasados. “Recomenda-se que se consagre que o intervalo mínimo entre horas de entrada e saída seja adaptado, pelo empregador, ao que é razoável para cada caso para evitar o contacto entre grupos diferentes de trabalhadores. A rigidez horária aqui é completamente arbitrária e ‘cega'”, diz a CCP.

De acordo com a proposta de decreto-lei enviada aos parceiros sociais, os empregadores de Lisboa e do Porto vão ficar obrigados a implementar o desfasamento horário, devendo apenas consultar os trabalhadores para o efeito, ou seja, não precisam de chegar a acordo. Têm, depois, de anunciar os novos horários aos trabalhadores com cinco dias de antecedência.

Os horários das equipas devem ser diferenciados por intervalos mínimos de 30 minutos entre si, até ao limite de uma hora. E devem ser criadas equipas de trabalho estáveis de modo a que o contacto aconteça apenas entre esses trabalhadores, diz o projeto de decreto-lei.

Os trabalhadores com menores de 12 anos a seu cargo podem recusar o desfasamento dos horários, bem como as grávidas, os trabalhadores menores, os trabalhadores com capacidade de trabalho reduzida e os trabalhadores com deficiência ou doença crónica, se a diferenciação horária prejudicar a sua saúde ou segurança no trabalho.

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