Turismo: Jogar na Champions, pagar ao preço das distritais
Governantes e empresários estiveram reunidos para discutir o presente e o futuro do turismo. Na rua, os trabalhadores do setor exigiam melhores condições.
Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa, Manuel Caldeira Cabral, Ana Mendes Godinho, Fernando Medina Francisco Calheiros. Foram só alguns dos nomes que estiveram esta terça-feira reunidos na III Cimeira do Turismo, marcada para o Dia Mundial do Turismo, a discutir os desafios e oportunidades do setor que se apresenta como um dos principais motores da economia portuguesa.
Não era para menos. Num país em que o turismo representa mais de 6% do PIB e assegura 10% de todos os empregos, empresários e governo estão a viver, nas palavras de um dos notáveis que esteve a discutir o estado do setor, uma “onda vibrante”, com multidões recorde a aterrarem todos os dias nos aeroportos nacionais.
Pelo meio, várias sombras. Estão as cidades prontas para receber tantos turistas, sem descurar as necessidades de quem vive nelas? É possível construir uma estratégia de longo prazo para o setor, quando os sucessivos governos destroem os programas dos anteriores, para darem início aos próprios programas? Se as costuras da Portela já estão a rebentar, quando é que se avança com o Montijo? E com que dinheiro se dá força ao turismo, quando metade das empresas do setor estão descapitalizadas?
Foi a estas perguntas, com discursos demasiado polidos, que políticos e empresários quase responderam.
A jogar na Champions, com ajuda €uropeia
“Estamos a jogar ao mais alto nível, na Champions League do mundo do turismo”. Foi a Francisco Calheiros, presidente da Confederação do Turismo Português, que coube abrir a cimeira. Não poupou elogios aos “nossos empresários”, a quem atribui “a coragem e capacidade de ter investido durante o período da troika“, e foi brando com o governo. ”
"A contratação a termo é absolutamente indispensável para fazer frente aos picos de sazonalidade.”
Desconstruindo: Portugal está, de facto, entre os melhores do turismo. No índice global da competitividade, ocupa a 15ª posição, entre 144 possíveis. Não é dos países mais visitados (pelo menos, em termos nominais), mas é um dos destinos europeus que mais cresce, com aumentos homólogos de dois dígitos há vários anos.
O que falta? Essencialmente, condições para investimento. “Estabilidade legislativa e fiscal, com vista a maior previsibilidade; uma legislação laboral ajustada às necessidades do turismo — a contratação a termo é absolutamente indispensável para fazer frente aos picos de sazonalidade; e a criação de um mecanismo específico de financiamento ao turismo, onde seja atendida a sua especificidade para captar cada vez mais turistas”. São estes os três eixos de que, para Francisco Calheiros, o turismo precisa para crescer de forma sustentada.
Do lado dos governantes presentes, não chegou resposta a nenhum destes pontos, mas falou-se de outros números: os dos fundos europeus, que estão a financiar grande parte dos novos projetos turísticos. “Fizemos um grande esforço para acelerar a execução dos fundos comunitários. Até ao final do ano, chegarão 450 milhões de euros de fundos destinados às empresas, dos quais 220 milhões de euros para projetos turísticos, que já estão aprovados, no âmbito do Portugal 2020”, anunciou o primeiro-ministro, António Costa.
Estes projetos, esclareceu à margem do evento Manuel Caldeira Cabral, “são a resposta razoável ao crescimento que o setor tem”, isto é, trata-se, na maioria dos casos, de aumento da oferta turística, e não de requalificação da oferta já existente.
Turismo criou 42 mil empregos…
Durante a sua intervenção, Costa aproveitou para lembrar alguns resultados animadores: “Este ano tem sido particularmente importante, com um crescimento de 10% em número de turistas, um aumento de quase 17% em receitas e a criação de 42 mil postos de trabalho desde janeiro. Isto significa que este está a ser um bom ano de turismo”, sublinhou.
Sobre a qualidade dos empregos criados, o primeiro-ministro defende que é preciso “valorizar a atividade turística, qualificar o emprego no setor, diminuir a sazonalidade e aumentar a diversidade da oferta”. Mas, sublinha, isso não se faz com leis. “Nem a sazonalidade se combate por lei nem a concentração se resolve por regulamento”, pois “é na economia e não na lei que está a boa solução para os problemas”.
… mas que empregos?
Enquanto os principais atores do turismo nacional discutiam no Museu do Oriente o presente e o futuro do setor, lá fora, aqueles que fazem mover a “onda vibrante” protestavam contra o trabalho precário e os salários congelados, indiferentes aos recordes de receitas que se batem ano após ano.
“O turismo dá milhões, aos trabalhadores só tostões”, era o que se ouvia à porta do museu. Os milhões são estes: nos primeiros sete meses deste ano, os turistas deixaram em Portugal 6,58 mil milhões de euros e a hotelaria nacional recebeu 10,6 milhões de hóspedes, responsáveis por mais de 29 milhões de dormidas.
Os manifestantes, membros do Sindicato de Hotelaria do Sul e da Federação dos Sindicatos de Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal (Fesaht), contestavam os “salários bloqueados”, em alguns casos com tabelas salariais de 2008 e 2009. Por outro lado, denunciam, a operação da hotelaria é assegurada, em grande parte, por trabalhadores temporários e até por trabalhadores clandestinos, sem os descontos para a Segurança Social regularizados.
Depois da manifestação, a Fesaht vai entregar uma moção ao Presidente da República, ao primeiro-ministro e a membros do Governo, para apelar ao combate à “exploração e ao empobrecimento” dos trabalhadores do setor.
O ministro da Economia alinhou com o primeiro-ministro e defendeu a formação e o combate à sazonalidade como as soluções para a valorização do emprego no turismo:
Turistas a mais? Quais turistas a mais?
Todos tocaram no assunto e ninguém gosta dele: já há turistas a mais em Portugal?
O primeiro-ministro introduziu: “Não deixa de ser com alguma satisfação que vejo que agora se discute se há turismo a mais em algumas zonas da cidade e, há nove anos, discutia-se que eram zonas abandonadas, desertificadas, onde nada acontecia e que estavam em absoluta decadência”, disse.
Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, pegou na deixa: “Ouço frequentemente a pergunta: ‘será que Portugal já tem turista mais?’ Não sei que conceito é esse, nem sei o que é ter turistas a mais. É um conceito sem sentido, portanto, mais vale não me preocupar com essa matéria.
"É bom ter turistas e é bom que haja pessoas a procurar-nos. Temos de assegurar que não colocamos obstáculos a que isto prossiga.”
O autarca reconheceu, ainda assim, que há uma “realidade nova” a surgir em Lisboa com a qual é preciso lidar. “Lisboa está a tornar-se numa cidade de turismo elevado. Quem tiver medo disto, não responderá ao futuro da cidade. Negar que o turismo obriga a transformações nas políticas da cidade é um erro e compromete a sustentabilidade”. Entre as necessidades de adaptação, salientou as alterações no comércio, na habitação, na segurança, na higiene urbana — “tudo questões que não existiam há dez anos e que hoje são centrais”.
Tudo certo, mas pouco detalhado. Faltou dizer, por exemplo, que, desde 2014, com o boom das plataformas online para arrendamento de curto prazo, as rendas habitacionais dispararam entre 30% e 40% em algumas zonas de Lisboa, segundo os cálculos da APEMIP, associação que representa as agências imobiliárias de todo o país. O presidente da Câmara não mencionou eventuais soluções para fenómenos desta natureza. Ou que mais de metade das empresas do setor estão descapitalizadas e, segundo um relatório do ano passado da Comissão Europeia, em “alto risco de falência”, apesar dos consecutivos recordes de receitas turísticas.
Venham mais. Mas só com o Portela+1
Não só não há demasiados turistas, como é preciso que venham mais. Mas, antes disso, é mesmo preciso expandir o aeroporto de Lisboa, para “assegurar que não temos estrangulamentos na procura”, defendeu Fernando Medina. A eterna pergunta é: para quando?
Ninguém parece querer responder. Costa preferiu focar-se no aumento das rotas aéreas, sem tocar no assunto Portela+1, e Medina deixou o recado: “já vamos tarde”. E sublinhou: “Não podemos cometer o erro de não tomar as decisões que se impõem. A questão da Portela já ultrapassou todas as expectativas dos críticos que diziam que isto era impossível, aqueles que diziam, não assim há tanto tempo, que a Portela ainda aguentava mais 20 ou 30 anos”.
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