Cortes de luz e gás estão de volta, até para desempregados
No primeiro trimestre foram feitos 94 mil cortes de energia em Portugal. Em março, o estado de emergência evitou 9,2 mil interrupções de fornecimento. A solução agora é pagar a dívida em prestações.
A partir desta quinta-feira, 1 de outubro, as empresas que comercializam eletricidade e gás natural em Portugal voltam a poder cortar o fornecimento de energia a todos os clientes que não paguem os consumos em dívida, sem exceção, incluindo aqueles que estão em situações de desemprego, quebra de rendimentos do agregado familiar igual ou superior a 20% ou infeção por Covid-19. O Governo ditou que até 30 de setembro estes consumidores estariam protegidos de eventuais cortes de luz e gás por falta de pagamento. A partir de agora, a única solução é pedir para pagar a dívida a prestações.
A EDP, por exemplo, já deu conta que no pico da pandemia o valor da dívida da sua carteira de clientes (4,2 milhões na eletricidade e 680 mil no gás) chegou a aumentar 30% face ao ano passado, com quase 84 mil pedidos de pagamento de faturas em prestações, no valor de 60 milhões de euros.
Quanto à possibilidade de o Governo prolongar até ao final do ano, ou mais além, esta proibição de efetuar cortes de energia caso se verifiquem muitos casos de consumidores que não conseguem pagar a energia que consomem, a Deco defende que “não é a solução mais adequada”, já que implica acumular faturas em dívida e o agravamento de uma potencial situação de sobreendividamento.
“Temporariamente foi uma solução adequada, mas atualmente é mais importante e terá mais frutos o reforço e agilização dos mecanismos de apoio aos consumidores economicamente mais vulneráveis“, disse ao ECO/Capital Verde a jurista Carolina Gouveia.
Em vez disso, a Deco considera que é urgente “implementar mecanismos ágeis que permitam que àqueles que vejam os seus rendimentos gravemente diminuídos, por via do regime de lay-off, de cessação de contratos, ou até por despedimentos, seja rapidamente atribuída a tarifa social de energia“. Para isso, devem manter-se os mesmos critérios de acesso que já existem, mas todo o processo deve ser mais célere, “para que se possa reduzir o impacto do aumento das faturas de energia junto das famílias que verão os seus rendimentos mais afetados”.
Carolina Gouveia lembra, no entanto, que a elegibilidade para beneficiar da tarifa social ainda não é igual para a eletricidade e para o gás natural, o que deve ser resolvido com urgência.
Por seu lado, a Entidade Reguladora dos serviços Energéticos (ERSE) sublinha que “os consumidores têm ao seu dispor a possibilidade de efetuarem planos de pagamento dos valores em dívida”, até 12 prestações mensais, sem juros, com um mínimo de 5 euros e acerto na última prestação. Mas atenção: se a sua fatura de energia inclui o pagamento de serviços adicionais contratados com a sua empresa (assistência e manutenção, planos de saúde, entre outros bens e serviços), esses valores não serão incluídos no plano de prestações e terão de continuar a ser pagos mensalmente, esclarece o regulador.
Além disso, durante a vigência do plano de pagamento solicitado pelo cliente, o fornecedor pode impedir a mudança para outra empresa de energia, exceto se a dívida for liquidada antecipadamente ou assumida pelo novo comercializador.
Mas chegará um plano de pagamentos faseados para proteger as famílias economicamente vulneráveis? “Esta medida pretende salvaguardar a circunstância de dívida por parte dos consumidores. Importa relembrar que os clientes que estejam em situação de vulnerabilidade económica podem estar integrados na tarifa social, que pressupõe custos mais reduzidos da fatura como um todo”, disse fonte da ERSE ao ECO/Capital Verde.
O regulador esclarece que existem vários mecanismos para “salvaguardar os interesses dos consumidores, incluindo os que são economicamente vulneráveis”, e que estes podem ser “complementadas com outros, na esfera da política social, para apoio ao rendimento ou à subsistência de agregados familiares”.
A Deco apela às comercializadoras de energia de para “manterem as boas práticas de flexibilizar os pagamentos de faturas, evitando a suspensão do fornecimento”. A defesa do consumidor está a acompanhar a situação e “irá realizar um conjunto de reuniões com as diferentes empresas fornecedoras para perceber o impacto desta situação e de que forma poderá apoiar ainda mais os consumidores neste contexto difícil”.
Quanto ao pagamento das dívidas de luz e gás em prestações, Carolina Gouveia diz que “esta medida, em complemento com as tarifas sociais de energia, é a única resposta existente”. Mas sublinha que a fatura de energia é ainda elevada em Portugal, devido a uma elevada componente (49%) de taxas e outras contribuições que são cobradas na fatura de energia e que “importa reduzir para que a fatura de energia seja um real reflexo do consumo de energia”. A Deco continua a defender a redução da taxa de IVA na energia para 6%, apesar de já ter sido aprovada uma nova taxa intermédia de 13% que entrará em vigor a 1 de dezembro.
No apoio aos consumidores, a DECO está a desenvolver o projeto STEP, financiado pelo programa Horizonte2020 da UE, para ajudar os consumidores em situação de pobreza energética em nove países (incluindo Portugal) a economizar energia, demonstrando a poupança no orçamento familiar através de medidas de eficiência energética de baixo custo.
“A pandemia de Covid-19 implicou que muitas famílias passem mais tempo em casa, devido ao confinamento, encerramento de escolas, regime de lay-off e teletrabalho, o que tem certamente um reflexo no aumento das faturas de energia. É urgente definir uma estratégia de longo prazo para o combate à pobreza energética, com objetivos de redução a médio e longo prazo, à escala nacional, regional e local, e com medidas específicas, bem como formas de financiamento”, diz a jurista da Deco.
Evitar cortes? Peça para pagar a prestações
No pico da pandemia em Portugal, entre março e de junho, as comercializadoras de energia foram proibidas pela Entidade Reguladora dos serviços Energéticos (ERSE) de cortar a luz e o gás aos clientes devedores. Depois disso, o Governo decidiu ainda prolongar essa medida de apoio até hoje, 30 de setembro, mas apenas para os casos de desemprego, quebra de rendimentos do agregado familiar igual ou superior a 20 % ou infeção por Covid-19.
Para terem direito a esta extensão, por mais três meses, os consumidores tinham de enviar os seus fornecedores de energia uma declaração sob compromisso de honra a atestar a quebra de rendimentos do agregado familiar igual ou superior a 20 % e fornecer comprovativos: recibos de vencimento, declaração da entidade patronal ou pagadora e outros documentos da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Segurança Social.
Agora, a ERSE alerta precisamente os consumidores nestas três situações, e com faturas com pagamento em atraso, que podem ainda (e devem) contactar o seu fornecedor de eletricidade e gás natural para pedirem um plano de pagamento em prestações, evitando assim o corte do fornecimento a partir do mês de outubro.
As regras para este pagamento faseado permitem até 12 prestações mensais, sem juros, com um mínimo de 5 euros e acerto na última prestação. Para quem fez o pedido até 30 de setembro “o pagamento da primeira prestação será devido a partir do dia 30 de novembro de 2020”.
Mas a ERSE avisa: “Com o não-pagamento de uma das prestações previstas, o fornecedor pode exigir o pagamento das restantes prestações e o seu não pagamento pode conduzir ao corte do fornecimento”. Ainda assim o corte do fornecimento de eletricidade e de gás natural só pode acontecer após o envio de um pré-aviso, por escrito, com pelo menos 20 dias de antecedência em relação à data prevista do corte.
Quanto ao número de consumidores que se encontram em situação desprotegida e podem potencialmente enfrentar cortes de luz e gás a partir de outubro, a ERSE remete para o seu relatório de agosto — “Especial Covid-19 – Impactos setoriais – eletricidade e gás natural” –, no qual “é identificado que o número total de interrupções de fornecimento de energia apresenta uma quebra de cerca de 20% face a 2019″.
O documento revela ainda que, no primeiro trimestre de 2020, foram reportados cerca de 94 mil cortes de energia. Por causa da pandemia e da quarentena em que Portugal mergulhou a partir da segunda quinzena de março, a ERSE estima que cerca de 9,2 mil interrupções acabaram por não ser efetuadas nos primeiros três meses do ano.
Outra medida excecional imposta durante a pandemia foi a redução dos valores de potência contratada para os clientes, cuja atividade económica se tenha reduzido. “Até ao final de junho tinham sido apresentados 4.321 pedidos de redução de potência contratada, 1.965 dos quais por clientes em baixa tensão normal”, refere a análise da ERSE. Com isto, as empresas perderam uma receita estimada em cerca de 701 mil euros.
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