Regras “injustas” podem atrasar o 5G, destroem valor e 2.000 empregos
Um estudo da Roland Berger aponta para o risco de perda de 2.000 empregos no setor em Portugal com as regras "injustas" no leilão do 5G. Tecnologia pode "valer" 35 mil milhões no país em 2035.
As regras “injustas” previstas para o leilão do 5G poderão resultar na perda de 2.000 empregos no setor das telecomunicações em Portugal, segundo estimativas da Roland Berger. Num relatório publicado este mês, e citado pelo CEO da Vodafone numa audição no Parlamento esta terça-feira, adverte-se contra o projeto de regulamento apresentado no início do ano pela Anacom, que a consultora diz promover a “destruição de valor e de postos de trabalho”.
Numa análise feita a pedido de um cliente, a Roland Berger começa por estimar que a quinta geração de rede móvel de comunicações vai estar na base de “5% do valor económico mundial em 2035”, apontando para um impacto estimado em Portugal de 35 mil milhões de dólares (29,5 mil milhões de euros) e “assegurando 1% de taxa adicional de crescimento anual composta para o período”. “Portanto, é importante reconhecer que os operadores continuam a ser fundamentais para o funcionamento da” economia digital, sublinha o relatório.
Ora, na visão da consultora, o projeto de regulamento “dá um conjunto de incentivos a novos entrantes sem precedentes”. Entre esses incentivos está a reserva de espetro com 25% de desconto no leilão, bem como a “inexistência de obrigações de investimento” e o “acesso ilimitado à rede” por via do “roaming” nacional obrigatório. Estes são também os pontos que mais têm sido criticados pelas três maiores operadoras ao longo dos últimos meses, Meo, Nos e Vodafone.
Concretamente acerca da reserva de espetro e dos descontos, a Roland Berger indica que são medidas que representam uma “prática usada quando o regulador quer que novos players entrem no mercado”. Já sobre a alegada inexistência de obrigações de cobertura e acesso “ilimitado” à rede das demais operadoras, a consultora aponta que, avançando, serão disposições inéditas na Europa.
Face a este cenário, a Roland Berger identifica quatro riscos das regras preliminares desenhadas pela Anacom:
- Encorajam “a entrada de operadores apoiados por players financeiros com objetivos de curto prazo”;
- Criam “incentivos desequilibrados para investir em rede 5G”;
- Geram a “possibilidade de a litigância atrasar o começo do desenvolvimento do 5G”;
- Promovem a “destruição de valor e de empregos”, nomeadamente de 2.000 postos de trabalho, por via, por exemplo, da pressão sobre os preços que um novo entrante com condições mais vantajosas possa, porventura, exercer.
O panorama pintado pela Roland Berger é, assim, negro. Com as regras que estão em cima da mesa, a consultora vê um futuro de incapacidade financeira das operadoras para cumprirem os objetivos estipulados pelo Governo, mas também de “estagnação tecnológica”, deterioração da qualidade das redes pela pressão nos preços e comprometimento da conectividade no país. “Para evitar estes riscos e alcançar as metas do 5G, as regras do leilão devem ser revistas para alinhar os incentivos com as exigências de investimento”, lê-se no relatório.
Contas feitas, a Roland Berger recorda que “o mercado [acionista] tem descontado fortemente os investimentos em 5G” no valor das operadoras e que essa perda de valor “tem levado a uma redução na capacidade financeira” das mesmas para “financiarem” este tipo de investimentos. “Os termos do leilão em Portugal devem salvaguardar a capacidade dos operadores de executarem os investimentos necessários e prevenir a concorrência desleal”, remata.
Para evitar estes riscos e alcançar as metas do 5G, as regras do leilão devem ser revistas para alinhar os incentivos com as exigências de investimento.
Partilha “voluntária” e aposta na formação
O relatório da Roland Berger termina com um conjunto de políticas que “devem ser consideradas” para melhorar o setor no futuro. Primeiro, a um nível regulatório, devem ser facilitadas as partilhas de rede entre operadores de telecomunicações, desde que “voluntárias”. Tal “liberta capital para alimentar investimentos em inovação, serviço e áreas sem cobertura”, frisa a consultora.
Mas se a partilha voluntária deve ser a regra, a Roland Berger não exclui a obrigatoriedade de partilha de rede em regiões não concorrenciais do país, nomeadamente onde não haja “incentivos para investimentos voluntários” por parte do setor. No entanto, a obrigatoriedade só deverá ser imposta “quando os acordos ou resultados negociados, incluindo o uso de subsídios, tenham falhado” na promoção da cobertura nessas zonas.
A empresa alerta também para a necessidade de “promoção das capacidades digitais da população”. Só desta forma será possível “aumentar o valor extraído da tecnologia 5G e a segurança da sua integração na sociedade digital”. O último apelo vai no sentido da “adoção de uma regulação convergente” e de uma postura “colaborativa”.
O estudo da Roland Berger é assinado pelo senior partner António Bernardo e pelo partner Jorge Pereira da Costa. O documento tem a data de 13 de outubro, mas foi publicado no site da consultora a 20 de outubro. A empresa elabora estas análises a pedido de clientes e assegura a imparcialidade das mesmas. Contactada pelo ECO, a empresa não revelou que cliente pediu este estudo.
A data de divulgação do documento coincide com a audição do presidente executivo da Vodafone, Mário Vaz, no Parlamento, na qual o gestor citou este mesmo estudo para avisar que as regras do leilão que estão em cima da mesa “hipotecam o futuro do país”.
Também esta terça-feira esteve no Parlamento o presidente executivo da Nos, Miguel Almeida, que considerou que o projeto de regulamento faz o setor regressar “à idade das trevas”. Já o teor do regulamento final ainda não é conhecido e deverá ser aprovado e divulgado pela Anacom em breve, esperando-se o arranque do leilão ainda este mês.
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