Para onde caminha a política monetária? A elite de Davos responde

A questão era mais ou mais ou menos simples: os bancos centrais vão conseguir regressar a um cenário normal de política monetária? As respostas dadas no Fórum Económico Mundial não foram tão simples.

Passaram quase nove anos do fatídico 15 de setembro de 2008, quando o Lehman Brothers ficou na história como a maior empresa norte-americana de sempre a declarar falência. O dia marcou o início da crise financeira mundial e, desde então, ainda não há sinais de regresso às políticas monetárias convencionais.

“Os juros continuam em níveis historicamente baixos — e mesmo negativos, em alguns casos — e o Banco Central Europeu continua a imprimir dinheiro no âmbito do programa de quantitative easing. Mas as políticas começam a divergir entre as grandes potências, numa altura em que a Reserva Federal norte-americana dá os primeiros passos para fazer subir as taxas de juro”. É o Fórum Económico Mundial que faz este retrato global e foi, precisamente, no arranque do encontro anual deste fórum que se debateu o futuro da política monetária mundial.

A questão estava lançada: os bancos centrais vão conseguir regressar, de forma segura, a um cenário “normal” de política monetária? Thomas J. Jordan, chairman do conselho de governadores do Banco Nacional da Suíça, Anthony Scaramucci, conselheiro do presidente eleito dos Estados Unidos, Carmen M. Reinhart, da Harvard Kennedy School, David Rubenstein, presidente executivo da firma de investimento Carlyle Group, Axel A. Weber, chairman da UBS, e Li Daokui, da Universidade de Tsinghua, estiveram em Davos, onde decorre o encontro do Fórum Económico Mundial, para tentarem responder.

"As mudanças implementadas pela Fed serão graduais, por isso, qualquer disrupção será limitada.”

Thomas J. Jordan

Chairman do conselho de governadores do Banco da Suíça

Thomas J. Jordan abriu a discussão para dizer que a divergência de políticas entre União Europeia e Estados Unidos não é necessariamente uma coisa má, porque a normalização da política monetária nos EUA — a Reserva Federal norte-americana subiu os juros no ano passado e promete continuar a subir em 2017 e 2018 — significa que a economia norte-americana está a recuperar. “As mudanças implementadas pelo banco central serão graduais, por isso, qualquer disrupção será limitada”, disse.

Posição diferente têm Carmen M. Reinhart e Anthony Scaramucci. O conselheiro de Donald Trump acredita que, ainda que a promessa seja de subida de juros este ano, isso não significa que a economia esteja a estabilizar. A professora de Harvard reforça esta ideia, sustentando que, apesar dos planos de Trump para estimular a atividade das empresas pelo lado fiscal, a evolução do dólar face ao euro e o alto endividamento nos EUA vão implicar uma normalização apenas “moderada” da economia.

A forte valorização do dólar, que está a caminho da paridade com o euro, poderá, de facto, ter um forte impacto sobre a economia mundial, diz David Rubenstein. Particularmente, sublinha, entre as empresas que operam com a moeda norte-americana. A valorização da moeda poderá mesmo levar a incumprimentos de dívida nos mercados emergentes, acrescenta Carmen M. Reinhart.

"Os bancos centrais já foram além dos seus instrumentos tradicionais; agora, as políticas fiscais e estruturais são responsabilidade política.”

Axel A. Weber

Chairman da UBS

Mas a grande incógnita, acredita David Rubenstein, está na forma como uma Fed em grande parte nomeada por Barack Obama vai lidar com um Governo republicano. Uma questão que, segundo Scaramucci, nem se coloca, já que o banco central norte-americano “é independente e assim vai continuar”.

Seja como for, e qualquer que seja a composição da Fed, o importante é mudar de rumo, salienta Axel A. Weber. “Dez anos depois da crise, as nossas economias fortaleceram-se e precisamos de uma mudança de política monetária. Os bancos centrais já foram além dos seus instrumentos tradicionais; agora, as políticas fiscais e estruturais são responsabilidade política”.

Não é por acaso, lembra o chairman da UBS, que Trump anunciou uma mudança na estratégia de confinar na política monetária para estimular a economia. “Isto é uma coisa boa”.

"Há uma forte reação às políticas da Fed por parte dos outros países. E isso, por sua vez, vai refletir-se na economia norte-americana.”

Li Daokui

Professor da Universidade Tsinghua

Outro aspeto importante é a necessidade de as autoridades norte-americanas pensarem global, porque o impacto das suas políticas é sentido em todo o lado. “A Fed ainda está a falar sobre como prevenir a inflação, mas esquece-se de que há uma forte reação às suas políticas por parte dos outros países. E isso, por sua vez, vai refletir-se na economia norte-americana”, argumenta Li Daokui.

Concluindo: e agora?

No final, cada orador partilhou aquilo que acredita que será o próximo passo da política monetária e, se algum consenso se retira, é que não pode haver tanta dependência da política monetária e que a grande aposta, a partir de agora, tem de ser a política fiscal.

Estas foram as principais conclusões:

David Rubenstein: “Não podemos depender completamente da política monetária para resolver tudo. Temos de fazer mais na política fiscal e estrutural antes de a economia melhorar”.

Li Daokui: “Temos de ter cuidado com as reações internacionais. O dólar é mais importante do que pensam e a economia mundial vai ter mais impacto sobre os EUA do que pensam”.

Carmen M. Reinhart: A reestruturação da dívida pública e privada “vai melhorar o mecanismo de transição de política monetária, de forma a que esta seja capaz de criar novo crédito”.

Anthony Scaramucci: As políticas de Trump vão assentar naqueles que são os motores da economia norte-americana.

Thomas J. Jordan: “Tem de haver um foco nas reformas estruturais e a política monetária devia focar-se mais no médio prazo”.

Axel A. Weber: O maior desafio são as incertezas políticas. “Com a desintegração europeia e o populismo, a política monetária, que foi a salvação depois de 2008, poderá ser o fator de distúrbio da economia”.

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