O Country Tax Leader da EY compreende as razões políticas pelas quais o Governo vai aumentar o salário mínimo, mas avisa que a subida "põe em causa a sobrevivência de muitas empresas".
Luís Marques avisa, em entrevista ao ECO, que o aumento do salário mínimo “põe em causa a sobrevivência de muitas empresas”. Apesar de compreender as razões políticas, e assinalar o “equilíbrio” encontrado pelo Governo, o responsável pelos serviços de consultoria fiscal da EY Portugal alerta que nos setores de mão-de-obra intensiva, onde a situação “já está complicada”, há muitos trabalhadores que ganham o salário mínimo.
O Governo planeia aumentar o salário mínimo em 23,75 euros. É uma má medida?
Ouvi alguém que tinha responsabilidades em confederações empresariais que dizia que era criminoso — foi este o adjetivo que utilizou — falar de aumentos de salário mínimo. Nem tanto ao mar nem tanto à terra. Tem de haver um equilíbrio. Estava nos desígnios do Governo chegar a 2023 com um determinado montante de salário mínimo nacional (750 euros). Sendo um Governo de inspiração de esquerda, ainda que mais numa vertente social-democrata mas de esquerda, é inevitável que o Governo olhe sempre para essa componente social. Sabemos que as centrais sindicais e os partidos mais à esquerda queriam no mínimo 35 euros. O Governo está no meio, à volta de 20 e poucos euros. É um valor equilibrado e mais do que isso é que seria mais agressivo para o tecido empresarial. Porém, não são só 35 euros. Isso é o que se acrescenta ao salário. Há os 23,75% para a Segurança Social, há os seguros de acidentes de trabalho que têm a ver com a massa salarial. Há todo um conjunto de custos e encargos adicionais que são afetados por isso.
E afeta de forma diferente os vários setores?
Temos muitos setores de mão-de-obra intensiva, como o têxtil, o calçado e o turismo, que já está complicado, em que muitos trabalhadores auferem o salário mínimo. Naturalmente, isso afeta significativamente os custos sem haver um contrabalanço nas receitas. Numa ótica de sobrevivência, põe em causa a sobrevivência de muitas empresas.
Se houver contrapartidas para as empresas, já seria aceitável este aumento em 2021?
Sim, por isso é que as empresas também se queixam. Não havendo nada na via fiscal com relevância, exceto o exemplo das PME, que é uma franja importante do tecido empresarial português, é um facto, mas as grandes empresas, as que fazem efetivamente a diferença, as que contribuem para o PIB, as que dão emprego e se internacionalizam, essas não têm nada. Se tiverem de aumentar os seus custos salariais…
O Governo deveria optar por aumentar a meio de 2021 em vez de logo no início, como aconteceu em 2015?
Podia ser uma medida mais acertada do ponto de vista económico. O problema é que o Orçamento é um documento de política económica, mas também é um documento de política. Não sendo este um Governo de maioria tem de gerir estas particularidades de, por um lado, ter a preocupação de dotar a economia dos meios para crescer, mas também aceder em parte — não na totalidade — às expectativas que os partidos mais à esquerda acabaram por pressionar. O Governo está nesta equação difícil. Podia ser racionalmente mais acertado, mas seria impossível nesta fase. Se tivéssemos ainda mais esse tema para gerir… As questões políticas acabam por ter um peso significativo nas decisões do Governo.
Teme que esta medida possa levar ao desemprego se a recuperação económica não for tão robusta quanto se espera?
É mais a tentativa de cumprir um desígnio político, agradar politicamente aos partidos que estão mais à esquerda, mas não na totalidade porque não pode, caso contrário tinha de aumentar mais. E dentro daquilo que é o equilíbrio de sustentabilidade de médio e longo prazo das contas públicas. Há uma expectativa de que a taxa de desemprego vá diminuir ligeiramente dos 8,7% para os 8,2%, Mas se pensarmos que na troika tivemos uma taxa de desemprego de 17% acabamos por concluir que o lay-off e outros incentivos que o Governo foi dando acabaram por ser medidas acertadas do ponto de vista da preservação do emprego em Portugal. Aquilo que o Governo acabou por pagar era aquilo que ia gastar com o subsídio de desemprego. O Governo manteve o equilíbrio.
As empresas não têm mais margem de manobra?
Têm folga, mas essa folga está relacionada com projetos de investimento que têm de fazer, com a remuneração dos seus acionistas. Muitas delas são privadas e os acionistas puseram lá dinheiro e têm legitimamente a expectativa de receber. Podem não receber tanto quanto queriam. Às vezes aquilo que se ouve dizer de que devia ter sido proibida a distribuição de dividendos… Temos de definir se vivemos numa economia de mercado ou numa economia socialista.
Se vivemos numa economia de mercado, como eu genuinamente acredito, então o setor privado deve ter legitimidade para fazer as suas decisões. O facto de haver liquidez não significa que tenham mais liquidez para dar aos trabalhadores. Dão a justa parte e a parte que entendem ser razoável, mas depois há os investimentos que têm de fazer para garantir a sobrevivência no médio e longo prazo.
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Aumento do salário mínimo “põe em causa a sobrevivência de muitas empresas”, avisa Luís Marques, da EY
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