Em entrevista ao ECO, João Paulo Correia, deputado do PS, argumenta que não pode haver uma retirada imediata dos apoios após o fim da pandemia, uma vez que os efeitos da crise irão perdurar.
Estímulos à economia como o novo apoio social e o apoio à retoma progressiva não deverão desaparecer assim que a pandemia for resolvida. O vice-presidente do grupo parlamentar do PS, João Paulo Correia, explica em entrevista ao ECO que os efeitos da crise vão continuar a sentir-se após o controlo da situação epidemiológica pelo que os apoios terão de continuar, ainda que com condições diferentes.
Este Orçamento do Estado para 2021 (OE 2021) que vai ser votado nos próximos dias corre o risco de já estar desatualizado?
Estamos a trabalhar num quadro de grande incertezas. Se as nossas vidas e profissionais e a vida das empresas também se debatem com grandes incertezas, o Orçamento de Estado (OE) também lida com um conjunto de incertezas. Mas recordo que o cenário macroeconómico, que é a base do OE, foi validado pelo Conselho das Finanças Públicas e as previsões do Governo estão alinhadas com as previsões de algumas entidades nacionais e internacionais que habitualmente são tidas e achadas para confrontação com o cenário e as previsões do Governo. Os últimos dados da evolução da nossa economia dizem-nos que as previsões do Governo estão seguras.
Em 2020?
Sim, para 2020, mas o cenário macroeconómico de 2021 é uma continuidade dos trimestres de 2020. Não há aqui nenhum deslize em termos das previsões económicas que o Governo colocou em cima da mesa para construir este OE. Como vivemos num quadro de grandes incertezas, se o Orçamento fosse apresentado hoje e não no dia 12 de outubro estaria a fazer-me certamente essa pergunta e as incertezas seriam ainda maiores do que aquelas que estavam em cima da mesa a 12 de outubro.
Mas há o risco de Portugal voltar a ter um Orçamento Suplementar em 2021?
Como é evidente, ninguém com responsabilidades acrescidas na governação do país pode afastar por completa o cenário de um Orçamento suplementar. O Governo está a ser prudente e transparente também porque não está aqui em causa a ocultação de qualquer dado ou qualquer elemento. Porque, se é verdade que este é um Orçamento de combate à pandemia e ao impacto da crise na vida das empresas e das famílias, também não podemos perder de vista ou ignorar por completo que existe um limite naquilo que é a expansão da despesa pública e um limite também para a quebra da receita, ou seja, existe aqui ao mesmo tempo uma responsabilidade na gestão das contas públicas.
A chegada em 2021 das verbas europeias (1.500 milhões de euros) pode estar em causa por causa da falta de acordo no Conselho Europeu. O que é que significa não ter essas verbas no OE?
À data de hoje, só em 2022 é que podemos regressar ao PIB nominal de 2019. Significa isto que a perspetiva que temos para lá chegar conta bastante com o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) económica. É evidente que, se em 2021 não podermos contar com fundos europeus… Alguns estão a chegar, a Comissão Europeia construiu mecanismos de resposta rápida, imediata, que estão a chegar e que têm dado cobertura a algumas despesas do lado da saúde. Também acontecerá assim em 2021, mas se o PRR não chegar em 2021 a má notícia não é só para Portugal. É uma má notícia para a Europa toda. Portanto, devemos continuar a acreditar que haverá um entendimento, dentro do prazo aceitável e necessário, para que as perspetivas de que no segundo trimestre do próximo ano tenha início o primeiro impacto do PRR seja o cenário mais fiável e mais credível à data de hoje. A Europa tem sobre si uma enorme responsabilidade porque a recuperação do continente europeu depende muito da rapidez dessa resposta. Isso vale para Portugal como vale para a Alemanha.
Uma das críticas da esquerda a este OE é que não tem medidas com efeitos estruturais. O governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, veio apoiar a opção por medidas temporárias. Também é esse o entendimento do Governo e do PS?
Por princípio, todas estas medidas de resposta à crise e com grande impacto orçamental são excecionais. São criadas para responder a uma necessidade do momento. Não são medidas que vão perdurar para lá da crise, pelo menos na ordem de valor que representam neste OE para 2021. Refiro-me ao lay-off simplificado e ao apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores. São as medidas que pesam mais neste OE, mas acredito que uma pequena parte do impacto orçamental destas medidas tenha necessidade de perdurar após o fim da pandemia, porque os efeitos da crise irão manifestar-se ainda durante algum tempo mesmo depois de declarado o fim da pandemia.
Portanto, são temporários, mas poderão não ser assim tão temporários como se perspetiva agora.
Sim. Se estivéssemos a conversar há seis meses, obviamente que estávamos numa perspetiva mais passageira da pandemia, mas hoje sabemos que temos ainda alguns meses pela frente com medidas restritivas que têm um grande impacto na economia. Há seis meses não perspetivávamos que o último trimestre do ano fosse tão doloroso do ponto de vista das medidas restritivas aplicadas ao território e às populações, como também não adivinhávamos que o impacto dessas medidas fosse tão profundo na economia. O quarto trimestre deste ano será difícil para a nossa economia. Julgo que essa análise não pode ser feita num quadro de certezas. Não podemos terminar com estas medidas extraordinárias no momento em que for declarado o fim da pandemia, porque os efeitos da crise ficarão cá durante algum tempo e é preciso responder às empresas e às famílias que ainda continuarão a sofrer com os efeitos da crise. Isso representará um fatia do OE de 2022, 2023, 2024 e por aí fora. Agora, também não poderão ser medidas definitivas do ponto de vista de terem de permanecer nos mesmos moldes que estão a ser criadas para 2021.
É um equilíbrio, portanto…
O lay-off simplificado e a nova prestação social que são propostos pelo Governo para 2021 são medidas de grande impacto orçamental. Quando for declarado o fim da pandemia, estas duas medidas tenderão a esvaziar-se nos critérios e no impacto orçamental, mas não irão desaparecer, porque as necessidades irão manter-se. São medidas que vão ter de se adaptar às necessidades da altura. O acesso às medidas terá de ter outras regras. Tem de haver um equilíbrio permanente entre as possibilidades do Estado e a obrigação do Estado de apoiar essas empresas e essas famílias.
Alívio fiscal nos escalões do IRS adiado para 2022
O Governo prometeu rever os escalões do IRS durante a legislatura e a expectativa é de que fosse em 2021, mas “por força do momento extraordinário que o país está a viver o Governo optou por adiar a reforma dos escalões de IRS para aliviar a carga de IRS sobre as famílias, principalmente de classe média, para o ano de 2022“, revela João Paulo Correia. A decisão prende-se não só com o momento extraordinário que o país vive mas também porque os números utilizados para rever os escalões, as taxas de imposto, o número de famílias e de contribuintes que estão em cada escalão seriam de 2019. “Ora, o país de 2021 será muito diferente, infelizmente”, lamenta o vice-presidente do grupo parlamentar do PS. “Corríamos o risco de fazer uma revisão dos escalões do IRS que pudesse não ser a mais eficaz, porque o país que vamos herdar no fim da pandemia é bastante distinto do país do final de 2019“, justifica.
Portugal está entre os países da UE que baixar o défice mais rápido. Não há aqui um uso maior dos efeitos temporários por parte de Portugal face a outros países? Isso justifica-se com o nível de dívida pública?
Conseguimos mobilizar os apoios extraordinários às empresas e às famílias e reforçar os serviços essenciais, como a saúde porque partimos para esta pandemia — apesar de ela nunca ter estado nos prognósticos de ninguém — com excedente orçamental.
Mas a crítica de que a resposta orçamental do Governo não está a ser tão direta como é noutros países justifica-se pela dívida?
Não tenho essa leitura. Procuro, como todos os cidadãos, saber como é que reagem não só ao combate à pandemia na perspetiva da saúde pública, como também na perspetiva do apoio à economia, às empresas e famílias. Hoje todos temos facilidade em procurar informação e eu não faço essa análise. Reconheço que o Governo tem mobilizado todos os recursos que tem ao seu alcance para responder ao reforço do Serviço Nacional de Saúde, ao reforço dos serviços essenciais e no apoio ao rendimento e ao emprego.
Quem está a ser mais atingido por esta crise?
A última crise atingiu públicos distintos dos que são atingidos por esta crise. Olhamos para esta crise e vemos que não atingiu a Administração Pública, não atingiu os reformados e pensionistas. As escolhas do Governo não recaíram sobre estes públicos, aliás, não houve cortes, não houve estrangulamento nos recursos públicos. As opções foram bem distintas. Provavelmente dirá que não foi só em Portugal, é uma tónica dominante no espaço europeu, ainda bem porque significa também que a Europa aprendeu com os seus erros na última crise. Esta crise está a atingir alguns públicos comuns como os mais jovens, principalmente os jovens licenciados, portanto o desemprego jovem é também uma das consequências da crise e também foi na anterior.
E os precários…
E os precários, ia precisamente chegar aí. Esta crise obrigou a que muitas empresas tomassem decisões rápidas de reduções de custos e as principais vítimas das decisões dessas empresas foram os trabalhadores informais, os trabalhadores independentes e muitos precários. É evidente que quando a pandemia terminar os números irão dizer-nos que aumentou a precariedade, que aumentou a pobreza e aumentaram as desigualdades. E temos de ter resposta para isso.
Que resposta será essa?
Quando oiço alguns partidos da oposição e alguns parceiros parlamentares dizer que seria este ano necessário avançar já para a revisão de escalões do IRS… O Governo prometeu para a legislatura e a perspetiva era a de que fosse em 2021, mas por força do momento extraordinário que o país está a viver o Governo optou por adiar a reforma dos escalões de IRS para aliviar a carga de IRS sobre as famílias, principalmente de classe média, para o ano de 2022. Acho uma medida muito acertada. Porque se hoje avançássemos com a revisão dos escalões de IRS, os números que íamos utilizar para tomarmos as decisões dos escalões e das taxas de imposto e do número de famílias e de contribuintes que estão em cada escalão seriam os números de 2019. Ora, o país de 2021 será muito diferente, infelizmente, do país de 2019. Corríamos o risco de fazer uma revisão dos escalões do IRS que pudesse não ser a mais eficaz porque o país que vamos herdar no fim da pandemia é bastante distinto do país do final de 2019. O Governo tomou aqui a decisão mais acertada, não só pela razão principal que explicou, que estamos a viver um momento excecional e, portanto, as opções prioritárias são outras, mas também porque olhando puramente para a revisão dos escalões será mais eficaz ao Governo no final de 2021 analisar e construir uma proposta com base no país que resultar da pandemia.
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PS admite prolongar apoios após o fim da pandemia: “Efeitos da crise ficarão cá durante algum tempo”
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