“BE e o PS estão ‘condenados’ nesta legislatura a procurar permanentemente entendimentos”, diz João Paulo Correia

João Paulo Correia defende que o PS deve continuar a fazer acordos com o Bloco. Mas avisa que o PS só viabiliza propostas do BE na especialidade se o partido mudar o sentido de voto no OE 2021.

Desde que o Bloco de Esquerda anunciou o voto contra (e concretizou) ao Orçamento do Estado para 2021 (OE 2021) na generalidade que o Partido Socialista passou ao ataque, acusando os bloquistas de se juntarem à direita na oposição a um Orçamento “social”. Passado o momento de maior confronto, as duas partes voltaram a sentar-se à mesa das negociações e, mesmo que não haja acordo para o OE 2021, o vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS, João Paulo Correia defende em entrevista ao ECO que o PS deve continuar a fazer acordos com o BE.

Existe a possibilidade de alguma das 12 propostas do BE para o OE 2021 ser aprovada pelo PS?

Vamos recuar ao início das negociações. Temos vindo a assistir a sucessivas linhas vermelhas por parte do Bloco. Só a respeito do Novo Banco, e a título de exemplo, lembro que primeiramente a linha vermelha foi: ‘O Orçamento não pode emprestar dinheiro ao Fundo de Resolução’. Depois quando o Governo anunciou que não ia emprestar dinheiro ao Fundo de Resolução (FdR) para esse fim, o BE trouxe uma outra linha vermelha que foi: ‘Mas também não concordamos que o FdR possa contrair empréstimos à banca para injetar no Novo Banco’. Essa decisão é inultrapassável. O BE veio exigir que o Novo Banco pedisse diretamente [aos bancos] e não ser o FdR a pedir, mas isso escapa completamente da decisão do Governo. Como viu que essa linha vermelha não colheu na opinião pública, [o BE] veio com outra linha vermelha que é: ‘É preciso conhecer primeiro a auditoria que o Tribunal de Contas está a fazer ao Novo Banco’, auditoria que até foi pedida pelo PS. Perante aquilo que foi identificado como uma prioridade para as negociações do Orçamento do Estado, o Governo e o PS evoluíram no sentido de um entendimento. Ora, à medida que nos aproximávamos de um entendimento, o BE decidiu acrescentar novas linhas vermelhas e colocou-se numa posição, diria, algo intransigente. Não sou daqueles que acha que devemos ter entendimentos permanentes com o BE, mas também não sou daqueles que acha que devemos voltar as costas ao BE.

Mas o BE continua a ser um parceiro parlamentar do PS?

Exatamente. O BE e o PS estão, entre aspas, ‘condenados’ nesta legislatura a procurar permanentemente entendimentos. Não significa que têm de se entender permanentemente sobre todas as matérias. Seria obviamente, do meu ponto de vista, necessário, absolutamente necessário, que o BE contribuísse para a viabilização do Orçamento do Estado. Que não se acantonasse no voto contra com as chamadas linhas vermelhas que apresentou, porque não houve nenhuma evolução nessas linhas vermelhas.

Mas isto quer dizer que, mesmo que vote contra, o BE continua a ser um parceiro parlamentar para o PS?

Sim.

Em relação às 12 propostas, posso presumir então que o PS não pode votar favorável nenhuma delas?

Como já tivemos ocasião de dizer em vários debates parlamentares, as prioridades que o PS identificou para este Orçamento são as mesmas que o BE identificou para este Orçamento. O que nos separa em algumas matérias é o facto de pensarmos ligeiramente diferente relativamente a cada uma delas. Mas isso é normal, e todos os portugueses percebem que há ligeiras diferenças entre o PS e o BE relativamente a algumas matérias, mesmo que sejam prioritárias.

Mas o voto às propostas será contra?

Estamos a avaliar algumas dessas propostas no sentido de poder haver alguma convergência com o BE em algumas das propostas, se isso também representar, por parte do BE, a viabilização do Orçamento na votação final global.

Em relação à compensação em caso de despedimento, o BE continua a acusar o PS de, durante a troika, ter apoiado esta medida, e de agora não o fazer. Porquê?

Assumimos que as questões laborais não iam ficar no OE. Atualmente o OE é aproveitado para que todos os partidos metam toda a sua agenda política. São as chamadas normas-cavaleiro, ou seja, são as medidas e as matérias que não são orçamentais, mas que são colocadas no OE por razões de agenda política dos partidos. Pedimos e defendemos que as questões laborais não devem ser transpostas para o Orçamento. E, portanto, dissemos ao BE, e isso ainda está em cima da mesa, que queremos continuar a dialogar com o BE relativamente a todas as matérias laborais, incluindo o período experimental, fora do Orçamento. Depois do Orçamento, e houve, da parte do Governo e do PS, avanços nesse sentido. Mostra o nosso interesse e a nossa boa-fé nessa negociação.

O PS criticou muito o facto de as propostas do PSD alegadamente terem um custo avultado para o OE 2021. E as propostas do PCP que serão viabilizadas, quanto é vão custar ao OE?

Primeiro, temos de concluir as decisões sobre aquelas propostas do PCP que terão um voto favorável do PS. Esse trabalho ficará concluído entre hoje [quinta-feira] e amanhã [sexta-feira] de manhã. E só aí será possível responder-lhe com rigor à sua questão. Nunca excluímos, pelo contrário, assumimos que a proposta de Orçamento que o Governo entregou no dia 12 de outubro na Assembleia podia ser melhorada nas áreas prioritárias. E assumimos também que essas melhorias passavam pela negociação com os nossos parceiros parlamentares. Assim procuramos fazer e isso está a acontecer.

E por um aumento da despesa, efetivamente.

E por um aumento da despesa, como é evidente, porque as áreas prioritárias representam todas mais despesa. Mas estava antecipadamente calculada uma margem orçamental para responder às chamadas melhorias nas áreas prioritárias, quer seja na saúde, na nova prestação social, na proteção dos rendimentos, do emprego. Portanto, essas áreas consideradas prioritárias tinham uma margem orçamental para a especialidade para que as negociações com os parceiros parlamentares continuassem a decorrer e para serem bem-sucedidas.

Qual é que é essa margem? Há um limite?

Há um limite, mas não lhe irei adiantar o valor. Isso será obviamente tornado público nos próximos dias no debate.

E tem uma estimativa de quanto é que custam as propostas do PS?

Temos essas previsões. Sabemos quanto custam todas as propostas que o Partido Socialista apresentou.

Consegue dizer um valor?

Fomos avançando com números por razões de transparência e até de responsabilidade e de seriedade nas negociações que fomos tendo com os nossos parceiros parlamentares. A proposta conforme o PS apresentou no Orçamento mais a nova proposta sobre a prestação social ronda os 630 milhões de euros para 2021. Conforme está apresentado… Valerá a pena depois, obviamente, tornar a avaliá-la após a aprovação para saber se foi aprovada conforme estava ou se teve alguma alteração. Sabemos também quanto custa o IVAucher, sabemos quanto é que custa o mínimo de existência, portanto, os números fomos avançando. O PS sempre se comportou no debate orçamental com a responsabilidade dos números em cima da mesa para que a opinião pública também saiba tirar as suas conclusões quanto ao comportamento de cada partido.

PS admite contrapartidas na negociação do salário mínimo na concertação social

João Paulo Correia admite que possa haver uma compensação direta para as empresas no âmbito da concertação social pelo aumento do salário mínimo. Um aumento que “andará perto” dos 23,75 euros. “Não podemos ignorar que as empresas estão a enfrentar a pior crise que o país já enfrentou nas últimas década”, sublinha o vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS. Mas, “esse apoio que o Estado tem de dar não pode passar por não aumentar o salário mínimo nacional”, alerta.

Já se conhecem algumas medidas, como a do aumento das pensões, onde haverá entendimento com o PCP. Haverá convergência noutras?

As áreas que poderão ser objeto de entendimento entre o PS e o PCP centram-se no Serviço Nacional de Saúde (em medidas que avançam no investimento no Serviço Nacional de Saúde), também medidas como o próprio lay-off em que é público uma proposta do PS que vem responder também às negociações com o PCP. Refiro-me também a uma dimensão de condição de recursos na nova prestação social, que também pode evoluir. Refiro-me ainda a matérias relacionadas com a Administração Pública, como o subsídio de penosidade e insalubridade. Há uma outra área que também tem sido objeto de conversações com o PCP que está relacionado com o reforço por parte do programa de apoio à resolução tarifária nos transportes coletivos (PART).

Vão ceder na proposta do PCP de reforçar em 60 milhões?

Não passa só pelo reforço orçamental, essa é a principal proposta do PCP, mas existem outras propostas que estão em cima da mesa. Essa é uma área de possível entendimento.

Em relação ao acesso ao subsídio de desemprego poderá haver alguma cedência adicional ao PCP?

A nova prestação social está pensada também para responder a essa situação [dos desempregados]. Quem hoje já recebe o subsídio de desemprego e deixe de o receber em 2021 e que não tenha outro tipo de apoio irá receber esta nova prestação social. Está pensada para os trabalhadores informais, aqueles que não descontam para a Segurança Social, como os trabalhadores de serviço doméstico; está pensada também para os trabalhadores independentes; está pensada para os trabalhadores por conta de outrem que caiam numa situação de desemprego, que recebam subsídio de desemprego e que entretanto termine esse subsídio; e está pensada para os sócios-gerentes na perspetiva de que se houver confinamento geral como houve no primeiro estado de emergência eles possam aceder ao apoio como acederam quando foi criada aquela medida excecional. Está pensada para não deixar ninguém para trás. Nas conversações que temos tido com o PCP poderá nascer aí mais alguma evolução.

O PCP votou contra o Suplementar por considerar que este beneficiava mais as grandes empresas do que as PME. O PS está disponível para beneficiar mais as PME, com o desagravamento da tributação autónoma ou a redução do IRC para estas, como propõe o PCP?

Repare que todas as propostas que coloca nas questões descem a receita e aumentam a despesa. O Governo certamente sabe o número do equilíbrio entre o aumento da despesa e a quebra da receita relativamente aquilo que é a sustentabilidade das contas públicas. Algumas das medidas que podiam ser objeto de entendimento poderão cair por força da necessidade de também de manter o principio da sustentabilidade das contas públicas. A proposta de Orçamento que o Governo entregou na Assembleia tem uma enorme dimensão social. Este é o Orçamento mais importante, no meu ponto de vista, da vida democrática portuguesa, desde o 25 de abril. Daí nunca termos percebido — e julgo que os portugueses também não perceberam — por que razão, desde início, o BE se colocou numa posição muito intransigente de votar contra este OE. Tenho a certeza do seguinte: todas as propostas que o Governo e o PS aceitam por parte dos seus parceiros parlamentares não colocam nem colocaram em causa a sustentabilidade das contas públicas.

Em relação ao salário mínimo, já está fechado que o valor será de 23,75 euros, a média dos aumentos dos últimos anos?

Não está fechado, mas é razoável deduzir que o valor da subida andará perto desse montante.

Poderá haver uma compensação direta para as empresas no âmbito da concertação social?

Admito que sim. Não podemos ignorar que as empresas estão a enfrentar a pior crise que o país já enfrentou nas últimas décadas. E com a agravante de que o espaço económico onde se insere a nossa economia também estar a viver a mesmíssima crise e os nossos parceiros comerciais a viver uma crise ainda mais profunda que aquela que estamos a viver em Portugal. Mas esse apoio que o Estado tem de dar não pode passar por não aumentar o salário mínimo nacional.

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