Futuro do Novo Banco deverá depender do artigo 105.º da Constituição
O Governo admite enviar para o TC a alteração ao OE que impede a injeção do Fundo de Resolução no Novo Banco em 2021. Em causa deverá estar o artigo 105.º da Constituição da República Portuguesa.
A polémica proposta 397C do Bloco aprovada pelo PCP, PEV, BE, PSD, Chega e Joacine Katar Moreira e a abstenção do PAN e CDS, poderá ir parar às mãos dos juízes do Tribunal Constitucional, se o Ministério das Finanças concretizar a ameaça de pedir a fiscalização sucessiva desta alteração que impede a injeção de 476,6 milhões de euros do Fundo de Resolução no Novo Banco no Orçamento do Estado para 2021 (OE 2021). Em causa deverá estar a interpretação do Palácio Ratton do artigo 105.º da Constituição da República Portuguesa aplicada a esta alteração aprovada pelo Parlamento, contra a vontade do PS e da Iniciativa Liberal.
“O artigo 105.º da Constituição exige que se tenha em conta nos Orçamentos as obrigações decorrentes de lei e de contrato“, recorda José Luís Moreira da Silva, advogado e sócio da SRS, em declarações ao ECO. O mesmo artigo tinha sido referido pelo constitucionalista Paulo Otero à Rádio Renascença, que noticiou a intenção do ministro das Finanças, João Leão, de enviar esta alteração para o Tribunal Constitucional. “Uma das possibilidades é suscitar a fiscalização da norma junto do Tribunal Constitucional”, admitiu Leão.
O artigo 105.º da Constituição refere-se ao Orçamento e o seu ponto dois poderá ser aplicado a esta situação: “O Orçamento é elaborado de harmonia com as grandes opções em matéria de planeamento e tendo em conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato“. O Governo e o PS alegam que esta decisão coloca em causa o cumprimento do contrato assinado entre o Estado e o Lone Star na venda do Novo Banco. Por outro lado, o PSD quer cumprir o contrato, mas apenas fazer a transferência no próximo ano, através de um Orçamento Suplementar (com o voto favorável dos social-democratas), após conhecida a auditoria do Tribunal de Contas.
O ECO questionou o Ministério das Finanças sobre que artigo da Constituição irá invocar caso concretize a ameaça de enviar a alteração para fiscalização sucessiva do Tribunal Constitucional, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo.
O constitucionalista José Luís Moreira da Silva recorda ainda o artigo seguinte, o 106.º, que “exige que o Orçamento seja feito de acordo com a Lei de Enquadramento Orçamental (LEO)”, a qual também foi referida por João Leão: “A proposta aprovada viola a LEO”, disse o ministro das Finanças no encerramento da discussão do OE 2021. Na LEO, o artigo 44.º/2.ª “exige que seja considerado as despesas decorrentes de contratos, como despesas obrigatórias“, o que reforça a ideia que está na Constituição.
Para José Luís Moreira da Silva a conclusão é que estes artigos podem aplicar-se ao contrato do Novo Banco: “Ora, sendo a transferência para o Fundo de Resolução decorrente do contrato de privatização do Novo Banco, como uma despesa contingente, pode considerar-se que é uma despesa obrigatória que tem de figurar forçosamente no Orçamento“. “Sendo eventualmente uma despesa obrigatória, a Constituição e a Lei obrigam a que faça parte da Lei do Orçamento, até por transparência da despesa pública, pois é um encargo que o Estado assumiu e que tem de pagar, logo deve estar no Orçamento“, acrescenta.
Pedido de fiscalização sucessiva só pode ser pedido a 1 de janeiro
O OE 2021 já está aprovado e se o processo seguir a tramitação normal será publicado em Diário da República a 1 de janeiro, entrando em vigor. Antes disso, apenas o Presidente da República pode pedir a fiscalização preventiva da lei do OE, tendo até oito dias para a requerer ao Tribunal Constitucional desde que o documento final do OE entra em Belém.
Caso o faça, o Tribunal Constitucional terá 25 dias para decidir (ou menos tempo se Marcelo Rebelo de Sousa pedir e solicitar urgência). Se não houver inconstitucionalidade, pode promulgar. Esta opção levaria a uma intervenção política do Presidente da República, que ainda não se pronunciou sobre o caso, contra o PSD e deveria levar a um atraso da publicação do OE (e à atribuição dos apoios que estão previstos) no meio de uma crise pandémica.
A alternativa passa por pedir uma fiscalização sucessiva abstrata dessa norma específica da lei do OE, após a sua promulgação e publicação em Diário da República, sendo que esse pedido pode ser feito pelo Presidente da República, pelo Governo ou por 1/10 dos deputados (neste caso, o grupo parlamentar do PS).
Se for essa a opção, a norma continuará em vigor até que o Tribunal Constitucional a declare inconstitucional, se for esse o sentido da decisão. Porém, neste tipo de pedido os juízes do Palácio Ratton não têm prazos a cumprir e a decisão poderá demorar meses. A injeção para o Novo Banco foi feita nos últimos anos em maio.
Há ainda outro cenário mais arriscado, refere José Luís Moreira da Silva: o Governo pode “pagar e esperar que a decisão do Tribunal Constitucional lhe seja favorável, pois nesse caso retroage e declara a norma em causa nula desde o seu início”. Contudo, reconhece que existe um “elemento de risco para o primeiro-ministro, por poder estar a praticar um ato financeiro ilegal, por violar o OE”.
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