Défice está abaixo da meta anual, mas economistas pedem cautela
Os economistas consultados pelo ECO não ficaram convencidos com os números do défice e alertam que, para já, não há razões para otimismo.
Entre janeiro e setembro, o défice orçamental atingiu os 4,9% do PIB. Face ao ano anterior (excedente de 0,7% até setembro), este valor representa um forte agravamento, que é justificado pela pandemia, mas face à meta anual do Governo de 7,3% do PIB é positivo — à primeira vista. No entanto, os economistas consultados pelo ECO recomendam cautela e não excluem que o défice possa piorar significativamente no quarto trimestre.
“Não me parece que o valor de 4,9% nos 9 primeiros meses signifique uma perspetiva mais otimista no final do ano“, responde ao ECO Francisca Guedes de Oliveira, professora da Católica Porto Business School. Para a economista “a reabertura da economia no verão ajudou, mas o deficit é cumulativo pelo que deve chegar ao final do ano muito próximo da previsão do Governo”.
Uma opinião partilhada por António Afonso, professor do ISEG, que realça a incerteza sobre a parte final do ano e o seu potencial impacto nas contas públicas. Ao ECO, o economista não exclui a hipótese de o défice chegar aos 8% do PIB em 2020, o que “pode ainda ser provável” face à crise pandémica.
Apesar de o défice até setembro ficar abaixo da meta anual, ainda falta saber qual será o impacto da segunda onda de infeções e das restrições no quarto trimestre para tirar conclusões sobre o conjunto do ano. Ainda que os economistas antecipem um impacto económico bem inferior ao do segundo trimestre, é expectável que este período leve a uma nova queda das receitas do Estado e a um aumento da despesa.
Esse impacto poderá ser suficiente para agravar novamente o défice orçamental, após a melhoria registada no terceiro trimestre (face ao segundo trimestre). Apenas o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê um défice (-8,4%) superior ao do Governo, mas a previsão é de outubro pelo que poderá estar desatualizada. As restantes instituições — Conselho das Finanças Públicas (setembro), Comissão Europeia (novembro) e OCDE (dezembro) — alinham com os números do Ministério das Finanças.
Mas há ainda outro aspeto que não pode ser descurado e cujo efeito poderá só ser relevado daqui a vários meses: as correções que ainda podem vir a ser feitas aos impostos e contribuições que foram adiados. O défice orçamental de 4,9% do PIB até setembro assume uma receita equivalente a 1% do PIB que ainda não foi encaixada nos cofres do Estado e que poderá não ser recebida integralmente. Tal dependerá do incumprimento dos contribuintes que beneficiaram do adiamento do pagamento de impostos.
De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), havia ainda 2.045,3 milhões de euros de impostos e contribuições dos cidadãos e das empresas por pagar no final do terceiro trimestre. “Todos os anos existem alguns ajustamentos, mas é evidente que este ano os valores são substanciais. É sempre um perigo controlado, mas não deixa de ser um fator de risco“, alerta Francisca Guedes de Oliveira.
Ao ECO, Ricardo Cabral, professor da Universidade da Madeira, diz não estar “muito preocupado” com o valor do défice, admitindo que estes dados estão em linha com as previsões do Governo para o conjunto do ano. Este valor pode ser “sintomático” de que a atividade económica “não caiu tanto quanto se temia”, mas antevê um impacto mais “grave” nos cidadãos e empresas do quarto trimestre por causa das restrições porque os “apoios foram menores” face ao segundo trimestre. Falta saber se isso se refletirá nos valores do PIB e do défice.
Francesco Franco, professor da Nova SBE, diz ter ficado “surpreendido” pela positiva com os valores do défice, os quais indicam que a relação entre as contas pública e o PIB esteja “alterada relativamente ao normal”. O economista esperava um défice maior, mas avança várias explicações: os apoios como o lay-off, o adiamento dos impostos e a composição do impacto da pandemia. Este último ponto refere-se à possibilidade de a pandemia ter tido maior impacto em setores que contribuem menos com receitas fiscais face ao contributo que dão ao crescimento económico. “Provavelmente todas estas explicações participam neste resultado”, remata.
Não foi possível obter uma reação do Ministério das Finanças aos números do défice do terceiro trimestre.
(Notícia atualizada às 11h35 com o contributo de Francesco Franco)
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