“Altas figuras do Estado devem ser vacinadas” contra a Covid-19, diz Alexandra Leitão

A ministra da Administração Pública defende que as "altas figuras do Estado" devem ser vacinadas contra a Covid-19, porque se estas ficarem doentes a condução dos destinos do país "fica prejudicada".

Marcelo Rebelo de Sousa, Ferro Rodrigues, António Costa são três dos titulares de órgãos de soberania que deviam ser vacinados contra a Covid-19, defende a ministra da Administração Pública. Em entrevista ao ECO, Alexandra Leitão sublinha que, em tempos de pandemia, é importante “proteger as altas figuras do Estado”, até para evitar que a condução dos destinos do país fique prejudicada.

Na semana passada, a ministra do Trabalho e o ministro das Finanças testaram positivo à Covid-19. Em isolamento estão, além disso, o ministro do Ambiente, o ministro do Mar e o ministro da Economia. Desde o início da crise sanitária, outros três membros do Governo já estiveram infetados e até o Chefe de Estado chegou a testar positivo, ainda que depois não se tivesse confirmado a contaminação. Estas situações deram azo a vários apelos, nomeadamente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, para que estas figuras se vacinem, o quanto antes, contra a Covid-19, posição com a qual concorda Alexandra Leitão.

Quanto às áreas que tutela, a ministra garante que nenhum funcionário público está hoje proibido de avançar com um pedido de pré-reforma, embora os critérios de acesso não estejam densificados, nem haja uma verba autonomizada para esse fim. E salienta que a ADSE continua a ser atrativa para os trabalhadores do Estado, em comparação com outros seguros e sistemas privados.

Quanto ao anunciado programa de estágios na Administração Pública, a governante assegura que não se trata de um regresso da precariedade, mas de um instrumento para captar jovens para o Estado, que não vêm cumprir necessidades permanentes, mas trabalhar em projetos concretos e temporários. E a propósito, sobre o programa de regularização dos vínculos precários na Administração Pública, Alexandra Leitão adianta que ainda não está concluído.

Em entrevista ao ECO, a ministra fala também sobre o boom do teletrabalho causado pela pandemia, identificando as áreas nas quais é prioritário avançar com regulamentação, como o direito a desligar e a igualdade de géneros.

Esta é a uma de quatro partes da entrevista de Alexandra Leitão ao ECO. Nas demais, a ministra fala nomeadamente sobre as atualizações salariais no Estado, o sistema de avaliação dos funcionários públicos, as presidenciais, a descentralização e o suplemento de penosidade e insalubridade.

Este ano, não há verba no Orçamento do Estado especificamente dedicada às pré-reformas na Administração Pública. Em 2022, haverá?

Temos de perceber, primeiro, de acordo com a aplicação de um conjunto de critérios — que, como tenho dito, não podem ser transversais, devem ser setoriais — qual é a expectativa de gasto. Mas também dizer-lhe o seguinte: está a haver pré-reformas em número de umas dezenas, mas está. E aquilo que temos verificado é que os pedidos que chegam aqui vêm já instruídos pelos ministérios setoriais e a proposta que vem feita tem de vir, naturalmente, por acordo entre a entidade empregadora e o trabalhador e, quando assim vem, a verba está acomodada pelo próprio orçamento da entidade.

Portanto, eu não sei se será preciso haver em algum momento um orçamento autónomo, com uma verba clara e autonomizada no Orçamento do Estado. É algo que os vários serviços têm de poder acomodar no seu orçamento e, quando nos fazem essa proposta, isso já vem. Como digo, está a haver umas dezenas, cerca de três dezenas mais ou menos, de pré-reformas. Agora é óbvio que, com critérios mais densificados, em algumas áreas, poderemos ter um número mais elevado.

Na entrevista que deu ao ECO no final de 2019, falava exatamente na necessidade de densificar os critérios de acesso à pré-reforma. Como anda esse processo? Já vai avançado?

O processo está a ser trabalhado. Sofreu aqui alguma dificultação, tornou-se mais difícil — não lhe queria chamar atraso — por um conjunto de outras coisas a que tivemos de acorrer e que se impuseram. Mas está a ser feito.

Entre as quais, a pandemia. Suponho bem?

À cabeça, a pandemia. É mesmo. Não é só o facto de obviamente termos outras coisas a que acorrer, que se imponham. Dificultaram o processo. Não é um processo fácil, em todo o caso, este de densificar um conjunto de situações de pré-reforma. Agora também queria dizer que o facto de não haver despachos, por exemplo, a densificar critérios, não significa que as pré-reformas estejam proibidas. Elas estão a acontecer e isso também é uma nota importante. Ninguém está impedido de pedir a pré-reforma por não ter havido a densificação dos critérios.

Mas ainda podemos esperar essa densificação?

Esperemos que sim. Estamos a trabalhar com as áreas setoriais, onde sentimos que isso é mais importante.

A nossa expectativa é que estejam aprovadas até ao fim do primeiro trimestre as [tabelas da ADSE] do regime convencionado. Depois, trataremos do regime livre.

Quanto às novas tabelas da ADSE, em que ponto está esse processo? Quando estimam que entrarão em vigor?

O processo, neste momento, está em negociação das tabelas do regime convencionado. Optamos por avançar primeiro com as tabelas do regime convencionado. O Conselho Diretivo da ADSE está a fazer reuniões com os vários prestadores. Portanto, neste momento, digamos que está em fase de negociação. A nossa expectativa é que estejam aprovadas até ao fim do primeiro trimestre as do regime convencionado. Depois, trataremos do regime livre.

A lógica é de as tentarmos harmonizar o máximo possível, com privilégio para o regime convencionado, [isto é] devemos privilegiar o uso do regime convencionado e menos do regime livre. Desde logo, o regime convencionado é mais justo para o próprio utente, que só paga a percentagem. Isto tem sido acompanhado de um aumento muito grande da celebração de convenções. Desde março, abril do ano passado, foram celebradas cerca de 50 convenções, porque privilegiamos exatamente que haja muitas convenções e também uma cobertura o mais equitativa possível do território nacional.

De acordo com a informação que nos foi disponibilizada, só 3.600 funcionários públicos abrangidos pelo programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública (PREVPAP) avançaram com inscrições na ADSE. Ficou abaixo das expectativas?

Vamos ver. Trabalhámos com um universo inicial de cerca de 20 mil pessoas, que eram aquelas que tinham concursos abertos para se vincularem. Se todas as 20 mil se tiverem vinculado, os 3.600 são uma percentagem que fica um pouco aquém daquilo que esperávamos, mas não é certo que seja assim. Que há 20 mil pessoas — até já há um pouco mais, neste momento — com concursos em curso para a sua regularização, sabemos. Não temos a certeza — porque eles depois são feitos descentralizadamente — se todos terminaram. Portanto, não temos a certeza que esses 3.600 comparem com o universo de 20 mil. Podem ainda os concursos não terem terminado.

Aproveito para dizer o seguinte. Porque é que não temos de estender o período excecional [para inscrição na ADSE]? Porque, com a entrada em vigor do novo decreto-lei, quem regularizar depois dele, já entra normalmente, não precisa de período excecional.

Portanto, não conclui a partir desse rácio que a ADSE está menos atrativa?

Não, francamente não concluo. Primeiro porque aquele universo de 20 mil é o universo potencial, mas pode não ser um universo efetivo, não porque não haja 20 mil pessoas a serem regularizadas, mas pode não ter ficado em todos os casos efetivamente terminada a regularização, naquele período.

Já agora comparando atratividade. Saiu há muito pouco tempo o decreto-lei que alarga a ADSE aos contratos individuais de trabalho. Neste momento, as pessoas já se podem começar a inscrever. As adaptações de formulários ficaram terminadas na sexta-feira. A informação que tenho da ADSE é que tem havido muita procura. Não tenho essa ideia [de perda de atratividade]. Enquanto mecanismo de proteção na doença, tem muitas vantagens face designadamente a seguros privados e a outros tipos de sistemas.

Alexandra Leitão, Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, em entrevista ao ECO - 18JAN21

A propósito do PREVPAP, o processo já foi dado oficialmente como concluído?

Não. Neste momento está como concluído o processo das Comissões de Avaliação Bipartida (CAB), sem prejuízo de haver uma situação pequena por terminar numa delas, salvo erro na do Ensino Superior. Portanto, essa fase está praticamente concluída. Depois, temos ainda algumas centenas em processo de homologação e, uma vez terminadas essas centenas, a parte transversal do PREVPAP está terminada. Depois o que fica são os concursos pelas áreas setoriais. Portanto, diria que estamos a umas quantas centenas de homologações de ter a parte transversal do PREVPAP terminada.

Ainda este trimestre podemos contar com isso?

Não sei dizer. As homologações não dependem só da minha área governativa, nem até só das setoriais. Portanto, não posso dar essa garantia.

Em termos de vínculos regularizados, falamos dos cerca de 20.000?

Neste momento creio que há cerca de 27.000 pareceres favoráveis, o que significa que, quando tudo terminar, será esse, sensivelmente, o número de pessoas regularizadas.

O que está em causa [no programa de estágios previsto no OE] é captar jovens qualificados para projetos razoavelmente concretos na área, por exemplo, da transição digital. A lógica não é uma lógica nunca de resolver necessidades efetivas ou permanentes da Administração Pública.

No Orçamento do Estado para 2021, estão previstos 500 estágios na Administração Pública. Em que ponto está esse processo?

O diploma através do qual é criado este programa está neste momento em processo legislativo. Já está feito e contamos que muito brevemente siga o processo legislativo.

Os sindicatos temem que possa criar alguma precariedade, que seja um retorno da precariedade à Administração Pública.

Queria deixar isto bem claro. Este programa é mesmo um programa. Ou seja, algo temporário e com um objetivo determinado. Associamos este programa de estágios, por exemplo, a projetos do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR). Exatamente porque o que está em causa é captar jovens qualificados para projetos razoavelmente concretos na área, por exemplo, da transição digital, que é uma das áreas importantes do PRR.

A lógica não é uma lógica nunca de resolver problemas de necessidades efetivas ou permanentes da Administração Pública, mas sim de criar duas coisas aqui: por um lado ir buscar gente jovem e qualificada para projetos — o que é bom para a Administração Pública — e, por outro lado, dessa forma, tentar que essas pessoas, mais tarde, possam mesmo vir a querer ficar na Administração Pública.

Como?

Quando houver uma vaga, abrindo concurso e dando aqui também alguma majoração para quem já fez um estágio na Administração Pública. No fundo, temos pensado muito como é que atraímos jovens para a Administração Pública, como é que tornamos trabalhar na Administração Pública uma coisa que os jovens de um modo geral queiram.

Aqui há uns meses, também num sistema de Teams, estive com alunos do curso de Administração Pública, que há alguns pelo país. E essa era a pergunta que eu lhes fazia: o que é que seria atrativo? Sendo certo que nunca poderemos competir com, pelo menos, algumas empresas multinacionais propriamente ao nível do salário. Mas há outras coisas. E muitos referiram o interesse no projeto em que estão a trabalhar, haver tempo pessoal para se qualificarem — seja dentro dos próprios mecanismos que a Administração Pública tem de capacitação, seja com recurso a universidades — e também a importância de participarem na construção de políticas públicas. E é um bocadinho esta a vertente [do programa de estágios]: criar aqui uma simbiose em que a Administração Pública ganha muito em ter gente de sangue fresco e criar, dessa forma, o interesse dos jovens em trabalhar na Administração Pública.

Portanto, diz que estes estágios não são uma forma de “injetar” recursos temporários ou até precários para resolver necessidades permanentes. É isso que responde aos receios dos sindicatos?

Até porque, espero eu, já este mês começam a ser colocados em vários sítios os 1.000 técnicos superiores e, portanto, também há esses jovens — e menos jovens. Este [o programa de estágios] é mesmo um programa com um foco que associamos aos projetos do PRR e que está gizado dessa perspetiva.

Falemos do teletrabalho. No seu Ministério, houve reuniões no verão com os sindicatos para ver que regulamentação seria precisa para esta nova realidade do teletrabalho. Que pontos-chave foram identificados pelo Governo como mais necessitados de aprofundamento?

Antes de mais, a própria Direção-Geral da Administração e Emprego Público está a fazer um estudo sobre várias matérias sobre como o trabalho foi prestado na Administração Pública, durante a pandemia, durante o primeiro confinamento, e uma delas é, naturalmente, o teletrabalho.

Há uma regulamentação no Código do Trabalho que se aplica supletivamente à Administração Pública e que, na nossa perspetiva, pode ser melhorada em aspetos como a fiscalização da assiduidade, o direito a desligar para haver cumprimento do horário das pessoas, a conciliação entre a vida pessoal e a vida profissional — no programa do Governo, o teletrabalho é tratado como uma forma de facilitar essa conciliação, mas o que nos foi sinalizado é que, se as escolas estiverem fechadas (como no primeiro confinamento), isso pode até criar dificuldades –, a igualdade de género — até que ponto é que isto não implicará um retorno a casa massivo sobretudo de mulheres. Há aqui alguns aspetos, dentro da liberdade que tem que haver entre as partes, que achamos que é útil regulamentar com os sindicatos e eventualmente até por recurso a instrumentos de regulamentação coletiva.

As reuniões com os sindicatos já foram no verão e até agora nada foi produzido em termos de regulamentação ou até de proposta. Reconhece haver um atraso?

Exatamente porque é uma matéria que está convergida, no sentido em que estamos a aplicar à Administração Pública as regras do Código do Trabalho, optamos por fazer chegar alguns inputs, na sequência dessas reuniões com os sindicatos, para o Livro Verde do Futuro do Trabalho. Para que a regulamentação que venha a sair, quer na sequência da discussão pública do Livro Verde — onde estão os contributos da Administração Pública –, quer do estudo da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público, possa contribuir para uma regulamentação comum.

Dito isto, quando estimam dar a conhecer as propostas?

Confesso que, como estamos a par do Livro Verde do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, neste momento, não tenho presente os prazos deles. Aguardaremos seguramente o fim e as conclusões do estudo da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público, que em devido tempo será apresentado.

Alexandra Leitão, Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, em entrevista ao ECO - 18JAN21

Referiu o Ministério do Trabalho. A ministra responsável por essa pasta testou positivo à Covid-19. A Confederação do Comércio e Serviços já veio apelar a que os titulares de órgãos de soberania sejam vacinados contra a Covid, tendo em conta que vários membros do Governo até já testaram positivo. Qual é a sua opinião?

Acho que as altas figuras do Estado devem, de facto, ser vacinadas. Estou a pensar no Presidente da República, no presidente da Assembleia da República, seguramente no primeiro-ministro e, pelo menos, nos ministros que estejam mais próximos. Obviamente, a ministra da Saúde.

Acho que isso é importante porque é preciso haver uma liderança num contexto tão difícil. Essa liderança é pelo Governo e pelo Presidente da República e, por isso, é importante que estejam protegidos, porque se estiverem doentes ou limitados na sua atividade por isolamento, acaba por ser toda esta condução que fica prejudicada.

Portanto, nestes casos de altas figuras, acho importante. Não esquecer que temos a Presidência Portuguesa da União Europeia, estamos em contacto, muitas vezes, à distância, mas pontualmente também presencial. Portanto, tudo isso ganha contornos que poderiam ser evitados e acho que esses grupos da maior condução do país, acho que sim.

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