Desemprego surpreendeu. Mas o que explica a descida da taxa no meio da pandemia?

A taxa de desemprego terá ficado nos 6,5% em dezembro, surpreendendo até os mais otimistas. O que explica esta melhoria perante o agravamento da pandemia? O ECO foi à procura de respostas.

A taxa de desemprego terá encolhido pelo quarto mês consecutivo em dezembro, de acordo com os dados provisórios divulgados esta sexta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Surpreendido? Até os mais otimistas parecem ter sido ultrapassados pela realidade e o próprio Governo utiliza a resiliência do mercado de trabalho para justificar o porquê do défice ter ficado abaixo da “meta” em 2020. Contudo, perante o agravamento da pandemia já no final do ano, como se justifica a melhoria da taxa de desemprego? O ECO foi à procura de respostas.

Focando apenas em dezembro, a justificação é simples de dar: “Estamos perante a mesma situação do segundo trimestre de 2020 em que há uma diminuição da taxa de desemprego por causa do aumento da inatividade porque há menos pessoas à procura de emprego“, explica João Cerejeira, economista do trabalho, ao ECO. Os dados do INE indicam que a população inativa aumentou significativamente por causa da subida do número de pessoas que não procuram emprego ativamente. Este fenómeno registou-se com mais força em meses de confinamento como abril e maio, depois diminuiu mas voltou em dezembro com o aumento das restrições, como mostra este gráfico.

O aumento da população inativa levou a uma diminuição da população ativa sobre a qual é calculada a taxa de desemprego (número de desempregados/população ativa). Como o aumento do número de desempregados (à procura de emprego) foi inferior à diminuição da população ativa, a taxa desceu em vez de subir, como alguns poderiam esperar. Cerejeira explica que o problema passa pela “perceção e o volume de ofertas”, que terá diminuído no final de 2020, o que desincentiva a procura por emprego, ainda que em dezembro as restrições não o impedissem.

Esta é uma questão estatística, tal como faz questão de explicar o gabinete de estatística no destaque desta sexta-feira: “Pessoas anteriormente classificadas como desempregadas e pessoas que efetivamente perderam o seu emprego foram (corretamente, do ponto de vista estatístico) classificadas como inativas caso não tenham feito uma procura ativa de emprego, devido às restrições à mobilidade, à redução ou mesmo interrupção dos canais normais de informação sobre ofertas de trabalho”. Mais: “Também a não disponibilidade para começar a trabalhar na semana de referência ou nos 15 dias seguintes, caso tivessem encontrado um emprego, levou à inclusão na população inativa“, detalha o INE.

Este efeito deverá explicar o porquê de a taxa de desemprego diminuir até em termos homólogos (tinha sido de 6,7% em dezembro de 2019), tal como ocorreu em maio de 2020 (5,6% face aos 6,3% de maio de 2019). Contudo, é de notar que este é o valor mensal e não corresponde à taxa de desemprego oficial de 2020. Essa só será divulgada mais tarde pelo INE quando divulgar os dados do emprego no quarto trimestre.

Olhando para a população empregada, vê-se que a recuperação do mercado de trabalho — com efetiva criação de emprego desde agosto — acabou em dezembro. Em novembro, havia 4.803.700 pessoas empregadas em Portugal, mas no mês seguinte caiu para 4.793.400 pessoas, menos 10 mil, o que inverte a tendência de recuperação que se registava desde o verão.

Até novembro, a recuperação era justificada pela forte retoma da economia no terceiro trimestre, cujos números surpreenderam pela positiva tanto os economistas como o Governo. Além disso, o quarto trimestre também não terá sido tão mau quanto alguns antecipavam por causa das restrições. O agora governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, indicou em entrevista à RTP1 que o nível de atividade económica deverá ter ficado “em linha” com a do terceiro trimestre.

Porém, a queda da população empregada em dezembro não teve reflexo na população desemprega, a qual continuou a cair para 331,1 mil pessoas, abaixo das 368,9 mil pessoas em novembro. Como já explicado em cima, esta redução deverá ser explicada pela ida de muitos desempregados para a população inativa uma vez que não procuraram ativamente emprego. Ou seja, na realidade há mais desempregados do que há um ano (até porque há menos postos de trabalho), mas estatisticamente não são captados como tal.

Mercado de trabalho resiliente por causa dos apoios

No início da crise pandémica, as previsões para a taxa de desemprego eram mais graves, antecipando uma forte subida dada a queda do PIB na ordem dos 8%. Mas os números do mercado de trabalho acabaram por ficar distantes da queda económica principalmente por causa dos apoios públicos como o lay-off simplificado. O próprio Governo ficou surpreendido pela positiva com a resiliência do mercado de trabalho e a taxa de desemprego final deverá ficar abaixo dos 8,7% que antecipava em outubro e mais próxima das previsões de dezembro do BdP (7,2%) e da OCDE (7,3%).

O Banco de Portugal fez essa ligação entre os apoios e a contenção do desemprego no boletim económico de outubro: “O impacto negativo no emprego foi mitigado pela implementação de medidas de apoio às empresas visando a manutenção dos postos de trabalho”, escrevia o banco central. Em dezembro, no mais recente boletim económico, o BdP explicava que “para além das medidas de apoio ao emprego e do recurso ao teletrabalho, a evolução da taxa de desemprego foi mitigada na primeira metade do ano pelo aumento da inatividade“.

O próprio INE destacou esta sexta-feira o papel desses apoios nos números do desemprego: “As medidas adotadas pelo Governo no contexto da pandemia abrangeram um grande número de pessoas que, mesmo estando ausentes do trabalho, nomeadamente em regime de layoff, por uma duração prevista superior a três meses, foram classificadas como empregadas por continuarem a auferir um salário superior a 50% do habitual”.

É de notar ainda que a diminuição da taxa de desemprego também se tem verificado na Zona Euro — onde foram aplicados apoios semelhantes ao lay-off através do financiamento do SURE, o programa de apoio ao emprego da Comissão Europeia –, passando de 8,7% em julho para 8,3% em novembro. Os dados europeus provisórios relativos a dezembro serão divulgados no início da próxima semana.

A situação parece não ser tão negra quanto apregoado no início da crise pandémica, mas os economistas têm avisado que esta tendência pode inverter-se, uma perspetiva que foi reforçada com o novo confinamento iniciado em janeiro. Inicialmente, este fenómeno da inatividade até poderá continuar a levar a uma queda da taxa de desemprego em janeiro, admite Cerejeira, dado que as restrições à circulação são agora mais severas. O IEFP já fez notar aos desempregados que têm de continuar à procura de emprego pela internet, o que se for cumprido coloca-os no radar do INE.

Emprego à espera da “retoma rápida”

Quanto ao médio prazo, tudo dependerá de quanto tempo durarão as restrições mais apertadas para controlar a pandemia e também da força da recuperação económica deste ano. Se 2021 ficar abaixo das expectativas, o mercado de trabalho pode ressentir-se, tal como já antecipam a OCDE e o Banco de Portugal ao estimarem uma taxa de desemprego em 2021 superior à de 2020, ao contrário das expectativas iniciais do Governo.

A incerteza continua a ser elevada, daí que João Cerejeira não arrisque dizer se o mercado de trabalho vai conseguir resistir ao novo confinamento como em 2020. Por um lado, há “sinais de algum esgotamento” face a uma expectativa de “retoma mais rápida” e o processo de vacinação está a ser “mais lento do que o desejado”. Por outro lado, há a vantagem de os apoios públicos já estarem no terreno, dando “mais certeza” às empresas em comparação com os atrasos e as dificuldades do ano passado.

Uma coisa é certa: “As previsões da evolução do desemprego em 2021 estavam claramente otimistas“, nota o economista do trabalho, referindo-se à perspetiva do Governo de ver a taxa de desemprego descer em 2021, face a 2020. “Veio a confirmar-se o pior cenário”, classifica João Cerejeira, chamando a atenção que as empresas estão nesse situação há quase um ano e isso “tem de ter muito mais impacto” do que a compensação dada pelos apoios. Para o futuro, o especialista em mercado de trabalho recomenda ao Governo que promova a transição de recursos humanos entre diferentes setores, através de medidas ativas de emprego (formação profissional, por exemplo), uma vez que “a economia portuguesa em 2022 não será a mesma de 2019”.

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