Quando chega a hora de sair de casa dos pais, os jovens deparam-se com um dilema: comprar ou arrendar, qual é a melhor opção? Apesar de o arrendamento ser a preferida, a tendência está a mudar.
Os chamados millennials são aqueles que nasceram entre os anos 80 e o início dos anos 2000. São a última geração do século XX e caracterizam-se por terem crescido numa altura de grandes evoluções a nível tecnológico mas também de crises económicas. Criados sob o mote “sigam os vossos sonhos”, a geração vê o mundo de uma forma mais otimista do que os seus pais e as suas prioridades também são diferentes: tendo em conta o elevado nível de desemprego e salários mais baixos, os millennials preferem gastar o seu dinheiro em experiências que consideram enriquecedoras do que em bens materiais, onde se inserem os imóveis.
De acordo com um estudo do Goldman Sachs, uma grande parte dos jovens norte-americanos com estas idades não tem casa própria, sendo que quase 30% ainda viviam em casa dos pais em 2010. Em 2012 apenas 23% eram casados e tinham casa própria, ainda que a maioria (93%) tenha essas ambições.
Mas os millennials não estão relutantes apenas no que diz respeito à habitação. Esta geração quer aproveitar ao máximo a sua juventude. Planos mais estáveis só depois dos 30 anos e nem carros nem bens de luxo entram nas suas prioridades. Na Europa, o cenário não é muito diferente. Segundo o relatório da consultora imobiliária CBRE, “Millennials: mitos e realidades”, de 2016, os jovens adultos europeus enfrentam “desafios significativos na procura de locais para viver com preços equilibrados”, dado o elevado custo dos imóveis mas também das rendas, a que se junta também a instabilidade a nível profissional. Por isso, a maioria prefere arrendar (65%) ou continuar a viver com os pais (49%).
E por cá?
Ainda que não existam dados estatísticos concretos relativos a Portugal para esta faixa etária, os profissionais do ramo imobiliário têm perceções que vão ao encontro ao que se passa na Europa e no mundo.
“A geração dos millennials, por norma, arrenda casa e não compra”, afirma Patrícia Barão, responsável pelo departamento de habitação da JLL, que justifica esta tendência “pelo facto de não quererem assumir compromissos, uma vez que as relações laborais são hoje em dia mais incertas”. Além disso, “a mobilidade de trabalho é muito mais comum, quer em termos de frequência com que mudam de trabalho e entidade patronal, como em matéria de deslocação para fora da sua zona geográfica original”. Na opinião de Patrícia Barão, o arrendamento acaba por ser uma melhor opção para os jovens pois “permite-lhes uma maior flexibilidade”.
Também Miguel Poisson, diretor-geral da ERA Portugal, afirma que, nos últimos anos — principalmente a partir de 2011 –, houve “uma maior procura de arrendamento por parte dos jovens que não conseguiam acesso ao crédito ou que estavam numa situação laboral menos estável”. Foi nesse ano que a crise económica se instalou em Portugal e que o desemprego começou a subir até atingir, no primeiro trimestre de 2013, valores acima dos 17%, com os jovens a serem um dos segmentos mais penalizados.
Ricardo Sousa, administrador da Century 21 Portugal, tem uma perceção semelhante. Este segmento já representa cerca de 15% das transações da imobiliária, tanto em termos de arrendamento como de compra, ainda que “a maioria dos millennials opte por arrendar casa”. E aponta as mesmas razões para que isto aconteça: a mobilidade, as limitações financeiras [de acordo com os dados do INE de 2015, o salário mensal dos jovens entre os 18 e os 34 anos de idade ronda, em média, os mil euros] e a falta de garantias que, em conjunto, “dificultam o acesso ao crédito e tornma o arrendamento a opção possível para este segmento da população”.
“Contudo”, continua o responsável da Century 21 Portugal, estes jovens “manifestam planos para comprar casa no futuro”. Filipe Matos é um exemplo disso. Com 27 anos, o gestor de marketing deixou o Porto para morar em Lisboa em 2013. Depois de dois anos a dividir uma apartamento com outras sete pessoas, em 2015 decidiu arrendar uma casa no centro da capital. Em entrevista ao ECO, Filipe afirma que preferiu arrendar porque lhe dá flexibilidade. “Não queria estar preso a uma casa quando não sei se daqui a um, cinco ou dez anos vou continuar em Lisboa”, conta.
No futuro pensa em comprar um imóvel, mas não para já. “Gosto muito da casa onde estou e já ponderei comprá-la. Não me vejo a viver noutro sítio em Lisboa, a não ser que precise de mais espaço”. Mesmo que tivesse de sair do país para trabalhar? “Sim, se eventualmente fosse para fora de Portugal gostava de continuar com uma casa em Lisboa. O mercado está muito recetivo e acho que não seria difícil rentabilizá-la no tempo em que estivesse fora”, afirma.
No seu círculo de amigos, a opção mais comum também é o arrendamento. “[os jovens] não querem ficar presos, principalmente aqueles que ainda não pensam em constituir família. Os preços das casas são muito elevados e o acesso ao crédito também não é fácil, ainda mais com empregos instáveis”, explica. Para Filipe Matos, há ainda outra variável a ter em conta: o arrendamento é “muito mais fácil”. “Comprar envolve muita burocracia. Pelo contrário, podes arrendar um apartamento de um dia para o outro”, acrescenta.
Ainda assim, o jovem não tem dúvidas que a opção de compra é a que mais compensa – mas a longo prazo. Até porque as rendas em Lisboa estão a aumentar significativamente. Por outro lado, aponta diferenças entre os millennials e a geração anterior: “Antigamente os jovens casais compravam uma casa para a vida, agora isso já não acontece. Nós gostamos de ter flexibilidade. Por muito que eu goste de estar aqui, se calhar um dia vou fartar-me e vou querer mudar. Com uma casa arrendada tenho essa liberdade. Acho que chega a uma altura em que queremos estabilizar mas, até lá, estamos sempre à procura de novos desafios e não nos queremos prender com nada. Nós vivemos realmente o mundo”.
Acho que chega a uma altura em que queremos estabilizar mas, até lá, estamos sempre à procura de novos desafios e não nos queremos prender com nada.
“Esta é uma geração inquieta, muito aspiracional, com grande disponibilidade para perseguir as suas ambições profissionais. Um millennial pode estar hoje em Lisboa mas, no próximo ano, poderá aceitar uma proposta de trabalho em qualquer outra cidade, no país ou no estrangeiro”, refere Ricardo Sousa. E são precisamente esses os planos de André Wallace. Com 23 anos e a terminar o curso de Animação 2D/3D para Videojogos na ETIC, vive numa casa arrendada desde 2013, altura em que saiu do Algarve para morar na capital. E não pensa que o cenário se altere a curto prazo.
“Acho que ainda é cedo para pensar em comprar”, afirma. Por outro lado, “não temos dinheiro suficiente para podermos comprar uma casa. Mesmo para os que trabalham é difícil porque os preços são muito elevados e o que se recebe hoje em dia não acompanha o custo de vida”, acrescenta o estudante. Além da dificuldade em aceder ao crédito bancário — por não estar empregado –, André Wallace não tem planos para comprar, até porque “ter uma casa minha prende-me a esse sítio e eu nem sei se quero ficar em Portugal quando acabar o curso”.
Gonçalo Fortes, de 35 anos, também optou por morar numa casa arrendada. O principal motivo? Liberdade para se mover para onde e quando quiser: “Um dos meus maiores ativos é a mobilidade. Sendo empresário e tendo uma empresa global, preciso de viajar bastante e morar em sítios diferentes, às vezes por longos períodos. Ter uma casa arrendada dá-me muita liberdade nesse sentido”, diz ao ECO.
Mas comprar é um investimento… Ou será que não? Para o empresário, a resposta é negativa: “Penso que os valores de que comprar uma casa é um investimento estão bastante desatualizados”. E explica: “Antigamente, a vida das pessoas era muito mais rígida: estudar, arranjar um emprego, arranjar uma namorada, comprar casa, arranjar um cão, ter filhos, e aí ficar para sempre. Mas a vida é muito mais móvel nos dias que correm. O mundo é mais pequeno. E comprar uma casa não é tipicamente um investimento mas sim uma dívida para a vida”.
Por essa razão, não é de estranhar que Gonçalo Fortes não pense nisso a curto prazo. Nos próximos anos? Logo se vê. “Pergunta-me novamente daqui a uns anos”, desafia.
Prós e contras
Filipe Matos afirma que, no mercado de arrendamento, apesar de ter vindo a encarecer, encontram-se boas oportunidades. “Na minha renda, por exemplo, estão incluídas as despesas, o que também pesou na minha decisão”.
Outras vantagens que o portuense vê em arrendar casa é o facto não ter de se preocupar com a manutenção da mesma. “Se há obras a fazer é o senhorio que trata de tudo”, diz, sem ver grandes desvantagens. “A única poderá ser o facto de eu estar a pagar uma renda que, se calhar, pelo mesmo preço, pagaria ao banco e teria um bem meu”.
Também André Wallace pensa que há mais vantagens em arrendar casa, pelo menos, neste momento. “Tenho mais liberdade. Se quiser mudar de casa ou de cidade apenas tenho de avisar o senhorio com um ou dois meses de antecedência”.
Quanto a desvantagens, o estudante considera que as principais são o facto de, “mesmo que fique uma vida inteira na mesma casa, tenho de pagar sempre por algo que nunca vai ser meu e seguir as regras que o senhorio me impõe”.
Uma tendência em mudança?
“A partir de 2015 assistimos novamente a uma maior procura por parte de jovens para comprar, uma vez que começaram a ter maior facilidade de acesso ao crédito”, diz o responsável da ERA Portugal, que acrescenta que os jovens adultos voltaram a ver a “compra da casa como uma poupança reforçada positiva e como um investimento a longo prazo”. Além disso, “o crédito à habitação está mais competitivo do que nunca”, afirma. Com os spreads cada vez mais competitivos e a Euribor a um nível negativo, as prestações mensais chegam a ser mais baixas do que a renda de um apartamento.
E foi esta uma das razões que levaram Simão Alves, militar da GNR de 27 anos, a comprar um apartamento em março do ano passado, no Algarve. O arrendamento nunca foi uma opção e, em entrevista ao ECO, diz que decidiu “comprar porque ao arrendar estaria a gastar dinheiro em algo que nunca iria ser meu”.
Apesar de ver mais vantagens na compra de um imóvel, admite que também existem muitos custos associados: “Os encargos são muitos: Imposto Municipal sobre Imóveis, condomínio, manutenção… tudo é da minha responsabilidade”.
Para Miguel Poisson, “Portugal continua a ter uma cultura de compra e não de arrendamento”. “Diz-se muitas vezes que os jovens hoje em dia preferem arrendar mas aquilo que temos visto nas nossas agências mostra muitas vezes o contrário”.
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Millennials: mãe vou sair de casa. Mas para onde?
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