Guilherme Dray começou a sua carreira como professor universitário em 1993. O sócio da Macedo Vitorino admite adorar dar aulas, crendo ser a sua "melhor e mais completa vocação".
Guilherme Dray, sócio da Macedo Vitorino & Associados, desde 1993 que se dedica à docência na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. O professor auxiliar dá ainda aulas pontualmente noutras instituições, como na Universidade Católica, na Universidade Nova de Lisboa, nalgumas universidades brasileiras e angolanas e ainda na Faculdade de Direito da Universidade da Guiné-Bissau.
O sócio da Macedo Vitorino, desde 2018, tem mais de 20 anos de experiência nos setores público e privado tendo desempenhado funções académicas, assessoria a membros do governo e consultoria e gestão em empresas privadas. Centra a sua prática nas áreas de Direito do trabalho, Direito civil, Direito constitucional, Corporate Governance, Modernização administrativa e Políticas públicas.
Quando começou a dar aulas?
Comecei a dar aulas logo que terminei o curso de Direito, em 1993, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (na altura, Universidade Clássica). Comecei como monitor e depois fui progredindo: assistente estagiário, assistente e, finalmente, professor auxiliar, que é a categoria que atualmente tenho. Todo este percurso foi acompanhado, naturalmente, pela conclusão dos cursos de Mestrado (pré-Bolonha) e de Doutoramento.
O que pesou para essa decisão de lecionar?
Adoro dar aulas. Verdadeiramente, creio ser a minha melhor e mais completa vocação.
Na altura, comecei a dar aulas na sequência do convite informal de alguns professores da casa, que me incentivaram a enveredar pela carreira académica. Era bom aluno e tinha particular apetência para as provas orais. Por mais de uma vez, os meus professores incentivaram-me a enveredar pela carreira de docente. Candidatei-me, fui admitido e assim começou esta longa jornada.
O primeiro ano foi uma grande experiência: era muito novo e comecei a dar aulas em período pós-laboral, com alunos 20 ou 30 anos mais velhos do que eu, que trabalhavam durante o dia. Foi uma experiência ótima. Fui “lançado às feras”, mas felizmente correu muito bem. Os alunos foram solidários comigo e creio que ganhei a sua admiração. Nesse ano, perdia muitas horas a preparar as aulas, só para não correr o risco de me escapar qualquer coisa. Passava os fins-de-semana a preparar as aulas, para não falhar. E não falhei. O esforço foi compensado. Lembro-me que foi uma sensação maravilhosa, quando terminou o ano letivo. Os alunos elogiaram-me e tive uma alegria tremenda, própria de quem conclui bem uma grande empreitada. A partir daí, percebi – é isto o que quero fazer.
As competências que temos, enquanto professores, são claramente positivas para o exercício da advocacia.
Em que faculdade dá aulas?
A minha Faculdade é a mesma de sempre – a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que é uma grande Escola de Direito. Já tive convites para me transferir para outras universidades, mas gosto da minha Faculdade de Direito. É uma segunda casa.
Isso não significa que não tenha dado aulas noutras instituições, a título pontual.
Em Portugal, dou com alguma frequência aulas de pós-graduação na Escola de Direito da Universidade Católica e na Faculdade de Direito da Universidade Nova.
No estrangeiro, para além de ter dado algumas palestras, cursos de pós-graduação e aulas de Mestrado nalgumas universidades brasileiras (na PUC – Pontífice Universidade Católica de São Paulo) e angolanas (na Mandume ya Ndemufayo), tive duas experiências magníficas enquanto Professor Convidado, por períodos mais prolongados.
Em 1998, fui Professor Convidado na Faculdade de Direito da Universidade da Guiné-Bissau (1998). Foi um gosto dar aulas a alunos guineenses. A forma como se dedicavam às aulas e o esforço que faziam para ter acesso às mesmas, dá-nos que pensar. Tinha alunos que faziam 15 kms a pé só para assistir às aulas. E outros 15 kms para regressar a casa. Sabiam que tinham de aproveitar as aulas e lutavam por isso, muitas vezes não tendo eletricidade e água potável em casa.
Em 2017, fui Visiting Professor na Universidade de Georgetown, em Washington DC (USA). Foi outra grande experiência. Aí, aprendi que nada melhor para a evolução do conhecimento do que a partilha do mesmo. Os americanos trabalham assim – muitos trabalhos de grupo, muitas discussões abertas, partilha de projetos de artigos científicos entre os pares, para recolha de sugestões, antes mesmo de serem publicados, etc. Algo que pura e simplesmente não acontece aqui.
Foram duas grandes experiências, que me enriqueceram bastante.
A Macedo Vitorino faz questão de formar os seus jovens advogados e de trabalhar num regime “horizontal”. Não há uma lógica vertical, de autoridade e respeito.
O que tenta passar como mensagem principal do que é o direito?
Tento transmitir o seguinte: o Direito é a Ciência que nos permite conviver em sociedade. Sem Direito, não há sociedade. É essencial para a nossa vida comunitária. É o Direito que nos permite viver e conviver em paz e harmonia. Mas, para o compreendermos e aplicarmos, temos de conhecer a sua forma de funcionamento e as suas regras. Temos de saber o que é uma norma jurídica, a quem se aplica e como se aplica. Temos de aprender a interpretar e a aplicar as normas, sabendo também que o seu incumprimento tem consequências. Essa é a riqueza do Direito – sendo uma Ciência, com regras próprias, é também uma arte. A interpretação e a aplicação do Direito são operações humanas que requerem conhecimento, cultura e bom senso. É o que tento transmitir: o Direito é uma das mais bem concebidas obras humanas. É feito pelo Homem, para servir e proteger a pessoa. É uma riqueza das nossas sociedades. Sou obviamente um grande adepto e defensor do Estado de Direito.
Se tivesse de escolher: professor/a universitário/a ou advogado/a no escritório?
É difícil escolher, pois gosto muito de ambas as profissões.
Diria que se complementam: um bom Professor Universitário ganha bastante se, para além do conhecimento teórico, tiver experiências práticas que possa utilizar e que enriquecem o seu conhecimento e a forma de o transmitir. Um bom Advogado, por sua vez, ganha se estiver em processo de formação contínua. E nada melhor do que dar aulas para estarmos constantemente atualizados. Enquanto Professor Universitário, somos constantemente obrigados a ler doutrina e jurisprudência (nacional e internacional), a atualizarmos os nossos conhecimentos, a escrevermos artigos científicos e a publicarmos. Isso ajuda muito à prática da advocacia, pois nada melhor para o exercício da advocacia do que estarmos constantemente atualizados.
O que lhe ‘rouba’ mais tempo?
Ambas as atividades consomem muito tempo, mas isso não me incomoda. Sempre gostei e gosto muito de trabalhar. Trabalho desde os meus 21 anos.
Em condições normais, não há uma atividade que roube mais tempo do que outra. Por vezes, porém, há momentos em que uma atividade é mais intensa do que outra.
Se estou em processo de redação de um livro ou artigo científico, por exemplo, estou mais dedicado à atividade universitária. Se estou num processo negocial intenso, enquanto advogado, é essa a atividade que nesse momento me consome mais tempo. Depende. Mas, em média, não há uma que me roube mais tempo do que a outra.
É o Direito que nos permite viver e conviver em paz e harmonia. Mas, para o compreendermos e aplicarmos, temos de conhecer a sua forma de funcionamento e as suas regras.
Os cursos melhoraram com Bolonha?
É difícil fazer essa avaliação.
Por um lado, diria que sim, quanto à duração dos cursos e à “democratização” dos mestrados. Hoje, os cursos demoram menos tempo e os alunos são incentivados a fazer o Mestrado. Isso é positivo.
Por outro lado, em relação ao Curso de Direito, há disciplinas jurídicas que deixaram de ser anuais e passaram a ser semestrais. Nalguns casos, admito que o ensino tenha perdido um pouco.
Mas o balanço é positivo. E o intercâmbio com alunos Erasmus de outros países é muito bom.
De que forma os seus ‘skills‘ como professor o ajudam no exercício da advocacia?
As competências que temos, enquanto professores, são claramente positivas para o exercício da advocacia. Para além de nos dar um conhecimento atualizado, como já disse, ajuda-nos ao nível da exposição oral e dá-nos também – não escondo – uma certa “autoridade” científica, no diálogo com outros colegas. O ensino universitário ajuda-nos a ser melhor advogados.
Ambas as atividades consomem muito tempo, mas isso não me incomoda. Sempre gostei e gosto muito de trabalhar. Trabalho desde os meus 21 anos.
Estamos ainda com demasiados licenciados em direito?
Talvez, mas uma das vantagens do Curso de Direito é o facto de habilitar os estudantes a poderem escolher entre várias profissões. Para além da advocacia e da magistratura, o Curso de Direito habilita os licenciados a enveredarem pela diplomacia, pelo jornalismo, ou por uma carreira na promoção dos direitos humanos, quer em organizações internacionais, quer em ONG’s.
É um curso muito eclético e que prepara muito bem os alunos.
Creio, por isso, que há lugar para todos.
A universidade funciona também como forma de recrutar os melhores alunos para o seu escritório?
Não é esse o objetivo, mas é evidente que pode acontecer.
Neste momento, temos de facto estagiários e advogados na Macedo Vitorino que foram meus alunos e que ajudei a levar para o escritório. E sim, é verdade – são todos ótimos. Trabalhadores, responsáveis, empenhados e acima de tudo com boa cabeça. São livres de pensar, de opinar e de arriscar. Conhecia-os enquanto alunos e sabia que podiam trazer algo de novo para o escritório, mesmo que não fossem os alunos com as melhores médias.
A Macedo Vitorino faz questão de formar os seus jovens advogados e de trabalhar num regime “horizontal”. Não há uma lógica vertical, de autoridade e respeito. Todos são convidados a ousar e a trabalhar diretamente com os clientes. E posso dizer-lhe que os meus (minhas) antigo(a)s alunos têm-me enchido de orgulho. Estão muito bem. Gosto de trabalhar com eles e creio que eles gostam de trabalhar connosco.
Mas atenção; isso não significa que não tenha gostado de dar aulas a outros alunos que não trabalham no meu escritório. Criei laços de amizade com muitos alunos e adorava poder trazer mais para o escritório. Gosto de os ir acompanhando, mesmo à distância. Dá-me um gozo enorme saber que estão a evoluir e que as coisas lhes estão a correr bem. É uma sensação ótima, ver antigos alunos a despontar e a dar cartas nas profissões que seguem. Isso é a maior riqueza do ensino. Conviver com pessoas mais novas, de outra geração e tentar ajudá-las a seguir o seu caminho. Não raras vezes, ajudo alunos a candidatarem-se para mestrados no estrangeiro, ou esclareço dúvidas profissionais que me colocam. Dá-me gozo.
E ensinar em plena pandemia? Como descreve a experiência?
Tem sido uma enorme experiência, de facto.
Devo dizer-lhe que fiquei impressionado, na primeira vaga da pandemia, em março de 2020, com a forma como as universidades souberam dar resposta ao desafio. No espaço de uma semana, a minha Faculdade estava a lecionar em pleno, com recurso a plataformas digitais. E o empenho, quer dos professores, quer dos alunos, foi formidável. Sentíamos que não podíamos ficar paralisados e empenhámo-nos todos em fazer o melhor possível. Foi incrível. Hoje, já estamos todos mais habituados. Agora, é óbvio: nada como aulas presenciais. O contacto Professor-Aluno é muito importante. Há coisas que só se conseguem transmitir presencialmente; há dúvidas que só se conseguem resolver nas aulas presenciais; há ritmos de conversa e discussões de temas mais complexos que só se conseguem ter numa sala de aula.
Mas é o que temos. E perante a adversidade da pandemia, a comunidade universitária respondeu muito bem. Por isso, tem sido uma boa experiência.
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Como é ser advogado versus professor universitário? “Ser professor dá-nos uma certa autoridade científica com os outros colegas”, diz Guilherme Dray
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