Prova dos 9: Apple só produz iPhones por causa das Forças Armadas dos EUA, como disse António Costa?
Para explicar porque é que o PRR também é amigo das empresas, António Costa disse que a Apple só produz iPhones "graças a anos de investimento e de investigação das Forças Armadas" dos EUA. Tem razão?
Os mais críticos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) dizem que a “bazuca” europeia canaliza muito mais investimento para a iniciativa pública do que para a privada. O Governo, por seu lado, assegura que não, garantindo que esses investimentos no setor público geram procura adicional para as empresas.
No início do mês, António Costa, primeiro-ministro lançou mais argumentos. Explicou que, quando o PRR prevê que o Estado central ou autarquias construam 26 mil habitações para responder às famílias carenciadas, quem as vai construir “são empresas privadas”. Mas foi mais longe. Para detalhar como é que o público influencia o privado, deu a Apple como exemplo.
A afirmação
“Não podemos desvalorizar a importância que a encomenda pública tem no desenvolvimento de produtos de ponta. Hoje, toda a gente sabe que a Apple só produz o iPhones graças a anos de investimento e de investigação das Forças Armadas americanas. A internet existe porque foi criada pelas Forças Armadas americanas.” — António Costa ao Público, 4 de março de 2021.
Os factos
A Apple é a maior empresa cotada dos EUA, valendo a preços de mercado muito perto de 2 biliões de dólares. O seu principal produto é o iPhone, um dos primeiros smartphones no mercado e o telemóvel mais vendido em todo o mundo no ano de 2020.
O primeiro iPhone foi apresentado em 2007 pelo então presidente executivo da Apple, Steve Jobs. Mas o lançamento já estava a ser preparado há vários anos. Uma cronologia dos rumores até ao lançamento do telemóvel mostra que a primeira referência ao aparelho foi quando a Apple registou o domínio www.iphone.org, que ainda hoje remete para o site oficial da empresa. Foi em 1999.
A internet que conhecemos hoje resultou de muitos anos de investigação e desenvolvimento por parte de particulares e organizações. Mas os seus primórdios remontam aos anos 60 do século XX, mais concretamente a um projeto desenvolvido no seio da Advanced Research Projects Agency (ARPA), um organismo do Departamento de Defesa dos EUA, atualmente conhecido por DARPA.
O projeto inicial, relacionado com comunicação entre terminais, deu origem a um projeto mais alargado, que ficou conhecido por ARPANET. Em 1981, já com vários protocolos desenvolvidos, o acesso à ARPANET foi expandido e, um ano depois, foi criado o protocolo de internet que serviria de base à massificação da rede global.
Prova dos 9
Comecemos pela origem da internet. O primeiro-ministro alega que “a internet existe porque foi criada pelas Forças Armadas americanas”. Terá razão?
A história da internet é muito concreta ao atribuir a origem da rede global ao projeto da ARPA, que é, efetivamente, uma entidade do Departamento de Defesa dos EUA.
Nessa medida, sim, a internet nasceu no seio das Forças Armadas americanas, embora para o seu desenvolvimento tenham contribuído muitas organizações civis. Porém, aos dias de hoje, o maior contributo para aquilo que a internet representa terá sido o das empresas e o da sociedade civil (aliás, a internet é hoje dominada por grandes empresas, como Google, Facebook, Microsoft, Amazon e outras, incluindo, também, a própria Apple).
Mas o primeiro-ministro português alega também que “toda a gente sabe que a Apple só produz iPhones graças a anos de investimento e de investigação das Forças Armadas americanas”.
Assumindo que “toda a gente sabe” é apenas uma forma mais coloquial de falar, para analisar esta afirmação é preciso um olhar mais aprofundado sobre o que é o iPhone.
O iPhone é um telemóvel “inteligente”. Apesar de recorrer à rede celular para fazer chamadas e para as mensagens, o equipamento recorre à internet para a esmagadora maioria das funcionalidades. O seu funcionamento assenta, aliás, em aplicações móveis, descarregadas e atualizadas pela internet a partir da loja oficial da marca.
Por isso, se partirmos do princípio de que sem internet nunca teria existido iPhone, então António Costa tem razão ao afirmar que, sem o trabalho das Forças Armadas dos EUA no desenvolvimento da internet, a Apple nunca teria lançado o iPhone no mercado, pelo menos o equipamento que conhecemos hoje por iPhone.
Mas será correto afirmar que o iPhone só existiu por causa da internet? A verdade é que não sabemos, nem nunca saberemos. Nessa medida, dizer que “a Apple só produz o iPhones graças a anos de investimento e de investigação das Forças Armadas americanas” não é 100% correto, visto que o seu desenvolvimento terá resultado, sobretudo, de “anos de investimento e investigação” da própria Apple enquanto empresa privada.
Todavia, o primeiro-ministro ganha pontos no lado do hardware, quando percebemos que algumas das tecnologias e componentes usadas pelo iPhone foram, efetivamente, desenvolvidas ao longo de anos pelo Departamento de Defesa dos EUA. É o caso, por exemplo, do sistema GPS, que foi efetivamente desenvolvido para uso militar antes de ser aberto à utilização civil.
Feitas as contas, António Costa está, por isso, quase, quase certo ao afirmar que alguma da inovação na base da internet e do iPhone foram o resultado de muitos anos de investigação do Departamento de Defesa dos EUA. Esquece, contudo, o investimento privado em investigação e desenvolvimento que serviu de base a muito do que também são hoje estas tecnologias.
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