O Plano de Recuperação é amigo do Estado ou das empresas?

As empresas dizem que o PRR é muito mais amigo do Estado do que do setor privado. O Governo riposta e defende que a maior parte dos investimentos será concretizado por empresas.

A discussão à volta do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) durante a consulta pública centrou-se numa questão: este é um plano “amigo” do Estado ou das empresas? As confederações empresariais queixam-se da falta de verbas para o setor privado e do peso excessivo do Estado. O Governo defende-se ao dizer que os investimentos no setor público serão concretizados pelas empresas. Eis os argumentos e os números de cada lado.

Uma análise às várias componentes do PRR permite concluir que em algumas áreas não são preto e branco, isto é, não se concluiu de imediato se é para empresas ou para o Estado. Consoante os critérios, a classificação é diferente e, por isso, a conta final não é igual quanto à distribuição dos 13,9 mil milhões de euros de subvenções europeias.

O Governo calculou que havia 4,6 mil milhões de euros em apoios diretos para as empresas, o que corresponde a cerca de 33% do PRR. Além disso, António Costa apontou num vídeo recente que há também “um conjunto de outros investimentos de que as empresas são indiretamente beneficiárias”, como é o caso da formação profissional ou das ligações fronteiriças com Espanha. O primeiro-ministro rejeitou, assim, a existência de uma dicotomia entre o setor público e o privado no PRR.

Posteriormente, o ministro do Planeamento, Nelson de Souza, quantificou o montante de investimentos que, apesar de serem para o Estado, serão concretizados pelas empresas. O PRR vai gerar “uma procura adicional dirigida às empresas de perto de dez mil milhões de euros em setores que passam por serviços tecnológicos, obras públicas, equipamentos de várias naturezas que vão ajudar à dinamização da procura interna”.

Mas estes argumentos não têm convencido, em geral, as empresas. Após a reunião do Conselho Económico e Social sobre o PRR, o presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), António Saraiva, disse que a fatia do investimento prevista para o privado “compara mal” com a fatia dirigida ao setor público, argumentando que é necessário apostar num crescimento “saudável e sustentável” da economia.

Uma crítica partilhada com o presidente da Confederação do Comércio e Serviços (CCP): “Há um claro desequilíbrio entre o investimento público e o apoio às empresas. Para áreas como o comércio e serviços, não há praticamente referência nenhuma”, disse João Vieira Lopes na mesma ocasião, lançando o dado de que “apenas” 24% do PRR é para as empresas. Quanto à questão setorial, Nelson de Souza explicou que essa não é lógica do PRR — que pode ser aproveitado por todos os setores –, mas de outros apoios como o SURE ou o REACT.

Além do desequilíbrio que dizem existir entre público e privado, a principal crítica feita ao PRR é a “falta de visão estratégica” para o futuro da economia portuguesa. A expressão foi usada por várias entidades que reagiram ao Plano, como é o caso da CCP, da SEDES e dos partidos da oposição. Essa também foi uma das falhas apontadas por Joaquim Miranda Sarmento, presidente do Conselho Estratégico Nacional do PSD.

A grande falha [do PRR] é não ter uma visão estratégica sobre os estrangulamentos que afetam a economia portuguesa e ser excessivamente centrado no Estado e no investimento público“, afirmou o economista social-democrata, acusando o Executivo de fazer um Plano não para o país mas para a manutenção do Governo. O programa “consiste numa lista de investimentos e gastos públicos que não foram feitos antes por restrições orçamentais e que agora, havendo recursos, são tidos como prioritários”, concluiu.

Do lado do CDS, o ataque foi semelhante. Francisco Rodrigues dos Santos criticou o facto de a “maioria dos fundos” ser “aplicada em investimento público” que de pouco servem para as “famílias ou empresas”, as quais classificou como sendo “as verdadeiras vítimas da catástrofe pandémica”. Para os centristas, o Plano não resolve “o défice de competitividade da economia portuguesa, o défice de qualificações dos portugueses a as desigualdades sociais e territoriais do país”.

Contas do setor privado diferem das do Governo

No contributo para o PRR que enviou ao Governo, a CIP calculava que “às componentes diretamente relacionadas com empresas estão afetos 5.520 milhões de euros (35% do total), dos quais 1.250 milhões em empréstimos, ainda que a componente específica para empresas seja de 4.405 milhões de euros (28%)“. Ou seja, as empresas ficam com entre 28% a 35% do total do PRR. O valor mais alto contabiliza o eixo das competências e qualificações como sendo para as empresas.

“Ainda que entendendo a importância da ação direta do Estado em frentes de intervenção fortemente carenciadas em resultado do efeito da pandemia, considera-se que a natureza do programa deveria estar mais orientada para o reforço da capacidade de rápida recuperação das empresas, aproveitando, ainda, para aumentar a sua capacidade competitiva num ambiente pós-pandemia que será fortemente desafiante”, escreveu a CIP no seu contributo, assinalando que a “escassa prioridade” dada à recapitalização das empresas era a “principal falha” do Plano.

Ainda assim, a confederação dá o benefício da dúvida ao Governo com a esperança de que haja mais fundos para as empresas no Quadro Financeiro Plurianual (QFP) 2021-2027, o orçamento “normal” da União Europeia, e outras fontes de financiamento europeias. De qualquer das formas, para a CIP “a alocação de verbas neste Plano não reflete a prioridade que deve ser concedida às empresas no processo de recuperação da economia portuguesa”.

A Associação Industrial Portuguesa (AIP) fez um diagnóstico semelhante no contributo enviado ao Governo. De acordo com a classificação feita pela AIP, com base nos seus critérios, o Estado “fica” com 71% (11,7 mil milhões de euros) das verbas do PRR e as empresas com 29% (4,9 mil milhões de euros). Com a proposta da AIP de retirar 700 milhões de euros à habitação (Estado) e reforçar o investimento e inovação (empresas), o peso das empresas passaria para 33%.

Em alternativa, a AIP sugere que o Governo até pode manter o PRR tal como está, mas terá de aumentar de “forma muito significativa os incentivos às empresas nos investimentos previstos na reprogramação do PT 2020 e QFP 2027 nos eixos atrás referidos”. Algo que está em linha com a análise da CIP no seu contributo.

As contas da Associação Empresarial de Portugal (AEP) são ainda menos generosas para o PRR. Nos critérios da AEP, do total de 13.944 milhões de subvenções, só 24% são alocadas diretamente às empresas, o que na ótica da associação “é manifestamente insuficiente”. Para a AEP, o PRR “está muito aquém do que o país e a economia real precisam e tem um forte desequilíbrio nos destinatários – a favor do setor público e em detrimento do setor privado“.

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