Costa Pinto faz mira ao BdP, CMVM, Governo por causa do BES. Arrasa vendas desastrosas do Novo Banco
Durante cerca de cinco horas, Costa Pinto manteve um tom equilibrado e pausado no seu discurso. Mas isso não disfarçou as críticas que foi dirigindo aos diferentes intervenientes do caso BES.
Autor do famoso relatório secreto sobre a atuação do Banco de Portugal na queda do BES, João Costa Pinto deu início às audições da comissão de inquérito ao Novo Banco. O tom equilibrado que pautou a sua intervenção de cinco horas não disfarçou as críticas aos diferentes intervenientes em todo o processo até aos dias de hoje, desde a supervisão do Banco de Portugal, passando pelos outros reguladores e o Governo, e até à gestão do Novo Banco com as vendas desastrosas.
Banco de Portugal atrasado e sem energia
Sobre o Banco de Portugal, foram várias as vezes que Costa Pinto disse que a supervisão foi lenta e pouco enérgica no sentido de travar os acontecimentos no BES. E deu exemplos: duas notas dos técnicos do Banco de Portugal alertaram para os problemas da exposição do BES à parte não financeira (2008) e para elevada complexidade da estrutura do GES que dificultava o seu acompanhamento de supervisão (2011) bem antes da resolução, só que não tiveram grande sequência.
“A supervisão não atuou em tempo útil nem com a energia com que devia ter atuado” antes do colapso do BES, disse Costa Pinto. “Chegou à conclusão, em momentos distintos, que uma atuação mais enérgica poderia ter evitado ou minimizado problemas”. Outro exemplo: o Banco de Portugal dispunha dos dispositivos legais para afastar Ricardo Salgado mais cedo do que fez.
O ex-vice-governador do Banco de Portugal lamentou também que o relatório que fez uma avaliação crítica da supervisão do BES não tenha sido objeto de discussão e tenha ficado na gaveta durante anos. “Para se mudar tem de se reconhecer que errou. Se não se reconhece, não se muda”, disse a determinado momento. Ainda assim, Costa Pinto disse considerar Carlos Costa, o ex-governador, uma “pessoa séria”.
CMVM na mira
O outro supervisor financeiro também não escapou às críticas de Costa Pinto: a Comissão do Mercado de Valores Mobiliário (CMVM), na altura presidida por Carlos Tavares, que pouco ou mal se articulou com o Banco de Portugal no caso BES.
Em causa estavam esquemas financeiros usados para financiar o grupo através da emissão de papel comercial da ESI que era vendida a clientes do banco através dos balcões. Os problemas que vieram a verificar-se na ESI tiveram “quase um efeito dominó”. “Se a ESI ficasse insolvente isso implicava a perda por parte dos acionistas do controle sobre o próprio BES. Por isso, o supervisor teve uma atuação atempada, enérgica? A articulação entre o BdP e a CMVM foi sempre a mais adequada? O relatório fez uma apreciação disso e acha que não”.
Neste ponto, Costa Pinto chamou a atenção para a necessidade de haver uma revisão de todo o sistema de supervisão financeira, incluindo a criação do Conselho Nacional de Supervisão”. O ministro Mário Centeno ainda lançou uma proposta para essa reforma, mas continua na gaveta.
Governos de Passos e Costa erraram
Em relação à atuação do poder político, Costa Pinto também deixou sérios reparos. Em dois momentos, mas no mesmo sentido: Portugal cedeu à “burocracia europeia” em que eles é que decidiram e nós é que pagámos a fatura, segundo o economista.
O primeiro desses momentos diz respeito à resolução do BES, em agosto de 2014, quando o país era governado pela coligação PSD-CDS e o primeiro-ministro era Passos Coelho.
Segundo o economista, uma solução para um banco da importância do BES tinha de ser o respaldo político e isso não aconteceu. “O BES era uma instituição sistémica da maior importância. Uma atuação sobre este grupo não se podia limitar a ser uma intervenção de nível técnico ou de supervisão”, apontou. “Uma intervenção mais enérgica e evitasse os problemas que o relatório identifica teria de ter uma componente política”.
Quanto ao governo de António Costa, a falha deveu-se à forma como a venda do Novo Banco foi conduzida. O compromisso de vender rapidamente o banco não devia ter sido assumido com a Comissão Europeia. Mas Costa Pinto também criticou duramente o mecanismo de capital contingente criado aquando da venda ao fundo americano Lone Star, em 2017, de dimensão “excecional”, considerou. Neste ponto, disse que muitas das perdas registadas pelo Novo Banco poderiam ter sido evitadas se a venda não tivesse acontecido, deixando implícita a ideia de nacionalizar temporariamente o banco, como aconteceu no Reino Unido com os bancos Lloyds e Royal Bank of Scotland.
Gestão do banco arrasada
Segundo Costa Pinto, criado esse mecanismo de capital contingente, ficaram lançadas as bases para que o banco viesse a registar perdas substanciais com as vendas aceleradas de ativos problemáticos herdados do BES.
“Quando se avança para um fire sale, vendas apressadas, tudo muda. As perdas de valor são imediatas. (…) Quando se decide agregar em pacote créditos em que se misturam alhos e bugalhos, coisas boas e más, é receita para o desastre. Quando se recorre a fundos que querem ganhar por ano 15 a 20%, o que implica desvalorizações dos ativos que não podem ser inferiores a 50%… Quando tudo isso acontece não podia haver senão perdas substanciais”.
Costa Pinto destacou que havia a alternativa de colocar um fundo especializado a fazer essa gestão destes ativos e não o Novo Banco. “Porque é que não foi? Se esse fundo tivesse sido criado, essa parte do balanço tivesse saído, e teriam de entrar capitais no Novo Banco. Teriam de entrar fundos públicos para se fazer dessa maneira. Se os ativos seriam geridos com outro profissionalismo? Os ativos teriam sido geridos com tempo, o valor poderia ter sido extraído de outra maneira, as perdas teriam sido outras”.
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