Funcionários públicos querem avaliação sem quotas, mais justa e transparente

O Executivo de António Costa prometeu aos funcionários públicos arrancar o processo de revisão do sistema de avaliação este mês. Os sindicatos reclamam o fim das quotas e mais transparência.

A revisão do sistema de avaliação de desempenho dos funcionários públicos deverá arrancar este mês, de acordo com o compromisso firmado pelo Governo com os sindicatos. O objetivo é acelerar as progressões, que hoje ocorrem, em média, a cada dez anos. As reuniões ainda não estão marcadas, mas os representantes dos trabalhadores do Estado já definiram o que precisa ser melhorado. Em declarações ao ECO, reclamam o fim das quotas, a desburocratização do sistema e o reforço da transparência.

Criado em 2004, o sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública (SIADAP) introduziu, pela primeira vez, a lógica de gestão por objetivos no Estado. Neste âmbito, a cada dois anos, assistentes técnicos, assistentes operacionais e técnicos superiores são avaliados, mas, independentemente do seu desempenho efetivo, apenas uma parte desses funcionários podem ver o seu desemprenho considerado “relevante” (só 25% dos funcionários num serviço podem ter esta qualificação) ou “excelente” (apenas 5% dos trabalhadores). São as chamadas quotas de desempenho.

É importante notar que são essas avaliações que ditam, depois, a atribuição dos pontos que guiam as progressões dos trabalhadores públicos. Nas carreiras gerais, os funcionários precisam de dez pontos para progredirem. Ora, um “relevante” equivale a dois pontos anuais e um “excelente” a três pontos anuais, enquanto um “adequado” (a nota abaixo do “relevante”) equivale a um ponto anual. Resultado: uma vez que a atribuição das duas notas mais altas é limitada, uma parte significativa dos funcionários públicos tem de esperar dez anos para progredir, uma vez que só consegue acumular dois pontos a cada ciclo avaliativo, isto é, a cada dois anos.

É este o sistema que o Governo se comprometeu agora a rever. Em entrevista ao ECO, a ministra da Administração Pública, Alexandra Leitão, admitiu anualizar o SIADAP, mas avisou que “provavelmente não será possível” diminuir para metade o tempo das progressões. Ou seja, os tais dez anos por progressão não passarão, certamente, prevê a ministra, para cinco anos, mesmo com as alterações que começarão a ser discutidas este mês.

Em combinação com a revisão do SIADAP, o Governo admite repensar também a tabela remuneratória única — que está “muito comprimida” face aos sucessivos aumentos do salário mínimo, não acompanhados pela atualização das demais posições remuneratórias — e está a ponderar criar “escalões intermédios” para “progressões intermédias”.

Apesar dos vários sinais deixados pelo Executivo, nas últimas semanas, as reuniões com vista a negociar a revisão do SIADAP ainda não foram marcadas. Os sindicatos já definiram, contudo, aquilo que querem ver melhorado. Para os representantes dos trabalhadores públicos, a principal prioridade é eliminar as quotas de desempenho. Isto além de desburocratizar o sistema e torná-lo mais justo e transparente.

Em declarações ao ECO, o líder da Federação de Sindicatos da Administração Pública (FESAP), José Abraão, defende que os principais problemas dos quais padece hoje o SIADAP são as referidas quotas — pois “só geram injustiça e tratam de modo diferente o que é igual” — e a excessiva burocratização. O sindicalista salienta, além disso, que a anualização do SIADAP é uma reivindicação antiga da FESAP, que, a ser cumprida, “podia resolver a vida dos trabalhadores”, no curto prazo. “A anualização é muito importante“, diz.

José Abraão mostra-se, por outro lado, preocupado com os sinais que o Governo vem deixando. “Não sei o que são escalões intermédios” da tabela remuneratória, diz. “Estar a inventar posições intermédias é uma visão economicista e vem frustrar expectativas dos trabalhadores”, salienta.

O sindicalista frisa que o atual sistema, pelo menos como está, “não serve”, isto é, é preciso “um sistema justo, no qual progressões e promoções não fiquem apenas e só dependentes da avaliação de desempenho”. Abraão sugere, por exemplo, a criação de um mecanismo que garanta que os trabalhadores atingem o topo da carreira, ao fim de largos anos de experiência. O sistema atual, critica o sindicalista, foi feito com vista à contenção salarial.

Também Helena Rodrigues, líder do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), faz fortes críticas ao SIADAP. A sindicalista frisa que o sistema em causa “não promove a excelência dos serviços públicos”; Antes, serve para “conter as pessoas na mesma posição remuneratória”.

Tal como Abraão, Rodrigues diz não conseguir perceber o que são os “escalões intermédios” da tabela remuneratória única anunciados pela ministra e salienta: “Temos de esperar pela proposta para saber em que se traduz“.

Para a líder do STE, as prioridades são a eliminação das quotas, além da anualização do ciclo de avaliação coincidindo com a avaliação dos serviços.

Já a Frente Comum vai mais longe. Ao ECO, Sebastião Santana diz que o sistema atual tem mesmo de ser revogado, já que o seu “grande objetivo” não é avaliar, mas “reter trabalhadores em determinadas posições remuneratórias”. “O problema começa logo pelas quotas”, sublinha o sindicalista, considerando “inaceitável” ficar dez anos no mesmo nível remuneratório. “Na prática, estamos a dizer que, em 40 anos, o trabalhador sobe quatro vezes”, o que desmotiva os funcionários e torna a Administração Pública “pouco atrativa”.

“Não temos problemas em ser avaliados. Exigimos é um sistema equitativo, justo, transparente e sem quotas“, defende o líder da Frente Comum que, ao contrário dos dois outros sindicalistas ouvidos pelo ECO, frisa que a anualização “não resolve o problema de forma nenhuma”.

Quando se sentar à mesa com o Governo, Sebastião Santana vai, além disso, propor um sistema em que a posição remuneratória não dependa apenas da avaliação. “A antiguidade na distribuição dos salários e na progressão deve ser um fator absolutamente determinante“, sugere, referindo que hoje há funcionários públicos com 30 anos de experiência com o mesmo salário de quem entre hoje para o Estado. “É preciso fazer diferenciação entre quem tem experiência e quem não tem“.

Até agora, o Governo não se comprometeu sobre a entrada em vigor das revisões que serão discutidas a partir deste mês. “Não sei quanto tempo demora a negociação. Há negociações mais lentas. Esta, provavelmente, não será uma negociação rápida. E depois há todo o processo legislativo. Portanto, não me vou comprometer com um prazo“, disse a ministra da Administração Pública, em entrevista ao ECO.

O líder da FESAP defende, ainda assim, que os efeitos devem ser “praticamente imediatos”. Os funcionários públicos “não podem esperar para 2023”, data em que termina o ciclo avaliativo, remata.

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