Vítor Bento: Capital inicial do Novo Banco “estava demasiado à pele”
Vítor Bento soube desde o primeiro momento que a capitalização do Novo Banco era insuficiente face aos problemas. E adiantou que vários fundos mostraram interesse no BES antes da resolução.
“Logo na madrugada de segunda-feira percebemos que o capital do banco era insuficiente”, reconheceu o primeiro presidente do Novo Banco, criado no domingo de 3 de agosto de 2014, na sequência da resolução do BES. “O capital dotado estava demasiado à pele“, disse Vítor Bento aos deputados da comissão de inquérito ao Novo Banco esta terça-feira. O economista lembrou ainda que vários fundos internacionais mostraram interesse no BES nas semanas antes da resolução: Cerberus, Apollo ou Fosun. “Mas ninguém se chegou à frente”, revelou.
Já na anterior audição parlamentar o ex-administrador João Moreira Rato havia calculado que o banco precisaria de mais de três mil milhões de euros, além dos 4,9 mil milhões que foram inicialmente injetados no Novo Banco. Havia mesmo um estudo do Deutsche Bank a dar conta da necessidade adicional de 3,5 mil milhões, de acordo com o Jornal de Negócios. Antigos responsáveis do Banco de Portugal asseguraram, contudo, que a capitalização inicial foi suficiente para cumprir os rácios regulamentares, mas os ex-responsáveis do banco já sabiam nesse momento que ia ser preciso mais dinheiro para manter o banco em atividade. Vítor Bento explicou aos deputados que ter o “capital demasiado à pele” era negativo para o rating do banco e para relação com as contrapartes no mercado monetário. Também disse que o Banco de Portugal”tinha a consciência que o capital não era abundante”.
“Face às fragilidades que o banco tinha, a valorização dos ativos e passivos ainda por ser feita, essa dotação [de 4,9 mil milhões] poderia vir a revelar-se insuficiente face aos desafios que a instituição tinha pela frente“, frisou Vítor Bento, lembrando que a sua equipa fez questão de demonstrar o seu “incómodo” junto do supervisor liderado por Carlos Costa numa carta enviada a 20 de agosto.
Vítor Bento esteve no BES e Novo Banco entre julho de 2014 (após a saída de Ricardo Salgado, que o convidou para o cargo) e setembro de 2014. O economista deu conta dos pormenores sobre as negociações tidas com as autoridades europeias e disse que “não era possível dar mais capital ao banco” além dos 4,9 mil milhões porque Bruxelas assim determinou. “A mim, pessoalmente, incomodava-me que eu sabia dos compromissos assumidos que não era possível o Estado injetar capital no banco. Não tinha presente a possibilidade de se poderem fazer mais bail-in [impondo perdas aos obrigacionistas do banco]. Se não era possível dar mais capital ao banco, se o banco estivesse com o rácio abaixo dos requisitos quando fosse fechado o balanço inicial, a alternativa era a liquidação. Eu não queria ser o agente de liquidação do banco“, assinalou Vítor Bento.
Mas houve mais exigências europeias que Vítor Bento associou a um certo interesse de consolidação transnacional: as autoridades impuseram que o banco fosse vendido, no máximo, em dois anos, enquanto o ex-presidente do Novo Banco pretendia um prazo mais alargado, de cinco anos, para que fosse possível recuperar a instituição. “A primeira sensação que tive, quando a resolução foi colocada, foi que o banco bom seria um banco normal, que seria gerido e recuperado, tentando fazer a sua valorização”, explicou antigo presidente do banco. “No dia seguinte, percebemos que o cenário não era esse, a resolução impunha condições à atividade do banco”. Neste contexto, deixou de ter interesse em continuar no banco, adiantou Vítor Bento.
A saída do Novo Banco viria a concretizar-se em meados de setembro, já depois ter sido surpreendido com o facto de o Banco de Portugal ter contratado o BNP Paribas para proceder à venda do banco. Esta notícia havia sido comentada por Marques Mendes no jornal da Sic 6 de setembro de 2014. “Quando se está à frente de uma embarcação não pode haver dois capitães”, criticou Vítor Bento. Mais tarde completou: “Começámos a perceber que estávamos num projeto sem capital, sem acionista empenhado, com estas imprecisões”.
A meio da audição, deixou um desabafo: que o Novo Banco foi o filho de “um fantasma” e de uma “ilusão”. E explicou de seguida: o fantasma foi o BPN, pois as autoridades receavam uma intervenção no BES que tivesse impacto semelhante; e a ilusão foi o valor do banco dado que “havia uma ideia do valor do banco que não se concretizou”.
"Logo na madrugada de segunda-feira percebemos que o capital do banco era insuficiente.”
Cerberus, Fosun e Apollo interessados no BES
A administração de Vítor Bento estava a preparar uma capitalização privada do BES, um processo que foi interrompido pela resolução do banco nos primeiros dias de agosto, conforme havia revelado João Moreira Rato na última audição. Mas havia interessados? Vítor Bento disse que sim, embora “ninguém se tenha chegado à frente”.
“Houve vários que manifestaram interesse. A Cerberus, a Apollo, Fosun…. tenho estes de memória, mas terá havido mais”, assegurou.
“No dia 21 ou 22 de julho, a Goldman Sachs, numa conversa connosco, disse que era possível fazer um aumento de capital com dimensão grande desde que os novos investidores passassem a ser donos do banco”, acrescentou o antigo presidente do banco. Havia várias condições: teria de haver uma desconexão do banco face ao GES e um investidor âncora, com mil milhões, e depois ia colocando mais dinheiro ao longo do tempo. A operação seria pública e teria de haver um “prospeto impecável, à prova de bala”.
“O nosso assessor financeiro também disse que era possível fazer um aumento de capital desses, no montante de 3,5 mil milhões, e que haveria interessados”, referiu. “Se alguém se chegou à frente… as condicionantes não estavam ainda clarificadas“, disse. As dúvidas eram a exposição a Angola e o exercício de qualidade de ativos que o BCE estava a realizar. Vítor Bento considerou que seriam precisos um a dois meses para concluir este processo e também apoio do Governo durante este período.
Vítor Bento também comentou a venda da companhia seguradora Tranquilidade ao fundo Apollo, a qual considera a “melhor decisão”, tendo em conta as circunstâncias. E a proposta da Liberty? “Se Liberty tivesse feito oferta vinculativa, provavelmente teria ganho. Mas não o fez”, explicou o economista. O fundo Apollo venceu a corrida com uma oferta de 40 milhões de euros e uma injeção de 150 milhões na Tranquilidade, que viria a vender em 2019 por 600 milhões ao grupo Generali.
(Notícia atualizada às 19h44)
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