SAF-T da contabilidade: o que se segue ao Big Brother fiscal?

  • José Araújo
  • 30 Março 2021

Para as empresas é mais uma obrigação declarativa desnecessária e, por isso, mais custos de contexto, mais risco. Incidem coimas pelos atrasos no cumprimento da data de envio, até 30 de abril.

Com base na Petição n.º 628/XIII/4.ª, foi aprovado no passado dia 11 de março o Projeto de Lei 655/XIV/2, que “Procede à revogação do big brother fiscal revogando o Decreto-Lei n.º 48/2020, de 3 de agosto”, e baixou à Comissão de Orçamento e Finanças para discussão na especialidade, bem como o projeto de resolução n.º 886/XIV/2. Assim, volta à discussão Parlamentar o envio, ou não, deste ficheiro que contém todos os movimentos contabilísticos das empresas, anualmente, à Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA).

A Assembleia da República teve de voltar a legislar apenas porque o Governo não cumpriu o que foi legislado pela Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro.

O que está em causa?

O cerne deste tema não é o combate à fraude e evasão fiscal, porque nesse propósito estamos todos de acordo. E a ATA já tem suficiente informação entregue pelas empresas e pelos cidadãos para cumprir a sua missão. O que está em causa é a necessidade, ou não, de concentrar toda a informação económica e financeira das empresas num único local – e criar uma obrigação declarativa, que sujeita as empresas e os contabilistas a mais custos de contexto, pressão declarativa com novas coimas e o envio de mais informação.

E a questão é, para que efeito?

Diz-se que que é para facilitar o preenchimento do Anexo A [1] (Prestação de contas) da Informação Empresarial Simplificada (IES), cuja obrigação anual está estabelecida desde 2008 [2]. Mas as empresas e os contabilistas dispensam a ajuda, porque os programas informáticos que existem no mercado já o fazem com facilidade, e melhor. A ATA só tem de disponibilizar os formulários e os validadores. Acresce ainda que, quanto ao Anexo A da declaração anual (IES), este ficheiro, a ser enviado, pré-preenche apenas alguns mapas e campos e não dispensa a introdução manual de mais elementos para validar a entrega anual da prestação de contas das sociedades.

Qual a origem?

A obrigação de edição, validação e arquivo, para efeitos de inspeção tributária, deste ficheiro remonta a 1 de janeiro de 2008 [3], cuja obrigação decorre da Portaria 321-A/2007, de 26/03, que introduz um avanço tecnológico na harmonização da informação económica e financeira das empresas, em resultado da adoção, no âmbito da OCDE, “da criação de um ficheiro normalizado com o objetivo de permitir uma exportação fácil, e em qualquer altura, de um conjunto predefinido de registos contabilísticos, num formato legível e comum, independente do programa utilizado, sem afetar a estrutura interna da base de dados do programa ou a sua funcionalidade”. Para este propósito também estamos de acordo e, para sermos justos, trata-se de um verdadeiro avanço na normalização de dados que é hoje a base de trabalho para a análise tempestiva e harmonizada da atividade empresarial.

Qual é, afinal, o problema?

Para as empresas trata-se de mais uma obrigação declarativa desnecessária e, por isso, mais custos de contexto, mais risco. Isto porque incidem coimas pelos atrasos no cumprimento da data de envio, até 30 de abril de cada ano, e, sobretudo, o envio em detalhe dos movimentos contabilísticos que informam sobre volumes, preços, margens e custos das diversas atividades. É informação confidencial e apetecível pela concorrência, a que nem os sócios das empresas, muitas vezes, acedem.

Para os contabilistas, o problema não está na origem e nas intenções originais do ficheiro. Inaceitáveis são as sucessivas alterações de normas e procedimentos, publicadas desde então, que passaram a exigir requisitos que extravasam completamente o domínio fiscal e que se intrometem em aspetos de natureza contabilística. Com isto, introduziram-se custos perfeitamente desnecessários e que condicionam a preparação da informação para efeitos de depósito legal das contas, face ao que seja efetivamente aprovado pelas assembleias gerais das sociedades, em conformidade com a legislação comercial e contabilística – cuja responsabilidade técnica na preparação é da exclusiva responsabilidade dos Contabilistas Certificados, conforme o disposto nos Estatutos da respetiva Ordem.

A desmaterialização veio para ficar, mas os benefícios devem ser para todas as partes envolvidas. Há fronteiras que não devem ser ultrapassadas, sob o risco de nos virmos a arrepender no futuro.

[1] Entidades residentes que exercem, a título principal, atividade comercial, industrial ou agrícola e entidades não residentes com estabelecimento estável
[2] Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de janeiro
[3] Portaria 321-A/2007, de 26/03

  • José Araújo
  • Contabilista Certificado nº 5.

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