Prémios, salários e plano de compra ditaram cisão entre Casimiro e Leite na Groundforce

Início da rutura entre chairman e CEO aconteceu em março de 2020. Ambos discordaram sobre a resposta à pandemia, levando agora ao afastamento do gestor.

Em julho de 2017, Paulo Neto Leite foi escolhido para chefiar a Groundforce pela mão do acionista Alfredo Casimiro e, quase quatro anos mais tarde, foi o empresário que pôs fim à relação alegando uma “total quebra de confiança”. A rutura chegou após um acumular de desentendimentos relacionados com os prémios de gestão, o atraso no pagamento de salários e o alegado plano de management buyout.

Neto Leite e Casimiro não eram amigos de longa data e conhecem-se por intermédio de conhecidos em comum em 2016. Aproximaram-se no ano seguinte, levando à nomeação e o empresário acabaria por ver no gestor — engenheiro químico de formação com experiência no setor dos serviços e consultoria — um homem de confiança e seu braço direito na empresa de handling. Com a chegada a CEO, substituindo Guilhermino Rodrigues, Paulo Neto Leite passaria a ser também vice-presidente do Conselho de Administração da Groundforce, que era (e ainda é) presidido por Alfredo Casimiro.

“Enquanto CEO servi e levei a empresa, do e ao vosso lado, a números extraordinários que possibilitaram que os acionistas ficassem muito contentes com os dividendos, os trabalhadores contentes com os aumentos, os clientes contentes com a performance operacional e, uma grande maioria de nós, contentes por trabalhar numa empresa com um ambiente única”. A descrição é feita pelo próprio num e-mail enviado a uma série de cargos de chefia, a que o ECO teve acesso.

Na missiva, admite ser “pouco ortodoxo” e quebrar muitas regras tradicionais. “Nem todos gostam, e ainda bem. Não atuo para a aclamação ou para a unanimidade. Não preciso que gostem de mim, nem gosto de massagens ao ego“, diz Paulo Neto Leite. Do lado de Alfredo Casimiro, não há qualquer referência a sucesso ou a sentimentos positivos, mas apenas acusações que justificam a decisão. “Os acionistas entenderam que a confiança no até aqui CEO foi ferida de morte“, anunciou na segunda-feira, apontando para “um conjunto de situações que configuraram uma violação grave dos deveres de lealdade”.

A decisão foi tomada por unanimidade pelos membros da administração, ou seja, tanto pelos representantes da Pasogal como da TAP, mas o acordo parassocial entre ambos assim obriga em caso de destituição de cargos de topo. O ECO tentou contactar Alfredo Casimiro e Paulo Neto Leite para perceber as razões do desentendimento entre os dois, mas nenhum respondeu. Várias fontes relataram, no entanto, que o primeiro embate aconteceu há mais de um ano, quando a pandemia chegou.

"Enquanto CEO servi e levei a empresa, do e ao vosso lado, a números extraordinários que possibilitaram que os acionistas ficassem muito contentes com os dividendos, os trabalhadores contentes com os aumentos, os clientes contentes com a performance operacional e, uma grande maioria de nós, contentes por trabalhar numa empresa com um ambiente única.”

Paulo Neto Leite

Ex-CEO da Groundforce

Em março de 2020, quando foi altura de fechar contas de 2019 Casimiro e Neto Leite discordaram sobre o que fazer com os resultados líquidos. A empresa tinha tido lucros de nove milhões de euros, mas os receios face à Covid-19 levaram a administração a decidir reter reservas. A decisão terá gerado desagrado ao gestor, que defendia a distribuição de dividendos aos acionistas e prémios aos trabalhadores.

A questão dos prémios é, aliás, delicada internamente já que o Ministério Público acusou a Groundforce de discriminação e violação da autonomia sindical por não ter pago prémios anuais relativos a 2017 a parte dos trabalhadores devido às suas ligações sindicais. A Groundforce e Neto Leite são ambos arguidos. O despacho a que o Diário de Notícias teve acesso assume que o ex-CEO “atuou sempre por si e no seu próprio interesse e no interesse por conta da sociedade arguida”, a Groundforce, “sabendo que as condutas assumidas eram proibidas e puníveis por lei”.

Desta vez, a situação passou e o acionista levou a sua avante até que o impacto da pandemia na aviação e na atividade da empresa levou a uma rutura de tesouraria e à impossibilidade de pagar a horas os salários de fevereiro aos 2.400 trabalhadores. A situação de tensão agravou a relação desde o início do ano, mas a gota de água foi o momento em que Neto Leite — que se mantinha publicamente à margem do problema enquanto Alfredo Casimiro falava diariamente — anunciou o pagamento de parte dos salários.

“Isto não é uma mensagem de despedida. É apenas um até já, que saberia que teria que escrever quando tomei a decisão de possibilitar que os nossos trabalhadores recebessem os seus salários”, explicou Neto Leite na mensagem dirigida apenas aos diretores. “Consciente das implicações das decisões que tomei, saberia que este dia iria chegar. Fiz tudo o que a minha consciência e os meus princípios me obrigaram e não me arrependo de um segundo sequer”.

Não é clara razão para o desentendimento nessa altura, mas a comunicação de que seriam pagos 500 euros a cada pessoa foi feita diretamente pelo próprio ao Expresso e só mais tarde confirmada por Casimiro, clarificando que o dinheiro vinha da Segurança Social ao abrigo do lay-off (e portanto teria obrigatoriamente de ser entregue aos trabalhadores), de dinheiro em caixa e de faturação recebida.

"A destituição de Paulo Neto Leite, com efeitos imediatos, justifica-se por um conjunto de situações que configuraram uma violação grave dos deveres de lealdade. Os acionistas entenderam que a confiança no até aqui CEO foi ferida de morte e que este não tem condições para conduzir os negócios sociais da empresa ou para se envolver na procura de soluções sustentáveis para a Groundforce.”

Conselho de Administração

Groundforce

Logo na altura a decisão foi vista por parte dos trabalhadores como uma tomada de posição ao lado dos funcionários contra o acionista (que se envolvera numa discussão pública com o Governo), mas por outros como um aproveitamento da situação de dificuldade. “Ganhámos uma batalha, foi transferido parte do salário para as nossas contas, mas falta bem mais”, dizia então a Comissão de Trabalhadores. “É absolutamente inadmissível que os trabalhadores estejam a ser alvo de um jogo de força entre o acionista privado vs Estado”.

Os holofotes continuaram na guerra entre Casimiro e o ministério das Infraestruturas e da Habitação. Após avanços e recuos nas negociações (e até uma queixa à Procuradoria-Geral da República), a Groundforce e a TAP fecharam, no dia 19 de março, uma operação de venda de todos equipamentos da primeira à segunda, o que permitiu desbloquear 7 milhões de euros para regularizar remunerações, impostos e pagamentos a fornecedores.

Em simultâneo com as negociações para encontrar uma solução de emergência, continuava claro que era (e continua a ser) necessária uma estratégia de mais longo prazo. Começaram a surgir manifestações de interesse junto do Governo para comprar a participação de Casimiro (caso a operação chegasse ao mercado) e o próprio CEO terá admitido em círculos próximos a possibilidade de participar numa operação de management buyout. A possibilidade nunca foi negada pelo próprio. Nesse momento, Casimiro perdera toda a confiança e começou a trabalhar com o objetivo de afastar Leite Neto.

A venda não está totalmente excluída, com o empresário a dizer que “não está vendedor”, mas a admitir “ouvir propostas”. Outra opção é a venda forçada caso Casimiro não consiga pagar, no prazo estabelecido de 60 dias, o empréstimo do Montepio que foi alvo de execução extrajudicial. Se o reembolso não for regularizado até meados de maio, o banco poderá vender a posição. Não foi possível confirmar se Neto Leite continuaria interessado numa eventual compra, mas o gestor despede-se apontando qual a solução que defende.

É um momento de garantir que estamos preparados para o futuro e para garantir a sustentabilidade da nossa empresa. Será por isso que continuarei a lutar todos os dias, como tenho feito até ao momento, agora noutro papel”, diz o ex-CEO, que irá manter funções de administrador não executivo até que seja realizada uma assembleia geral de acionistas. Acrescentou que “é tempo de construir a solução de futuro para a nossa empresa que passa por garantir o aval do Estado para o financiamento necessário para a nossa continuidade”.

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