Mais pequena e com rendas acessíveis, torre da Portugália tem luz verde da Câmara de Lisboa

A Câmara de Lisboa aprovou as alterações feitas ao projeto da torre no quarteirão da Portugália, em Lisboa. Edifício será mais pequeno e terá um hotel e habitação de renda acessível.

Muito se tem escrito sobre o famoso quarteirão da Portugália, na Avenida Almirante Reis, em Lisboa. Os planos iniciais previam uma torre de 60 metros mesmo no centro da cidade, mas perante a polémica o projeto a acabar mesmo por ser chumbado pela Câmara de Lisboa (CML), tal como o ECO noticiou na altura. Agora, a proposta foi reformulada e a altura da torre diminuiu para menos de metade, prevendo-se ainda um hotel e casas de renda acessível, tal como exigido pela autarquia. Esta quinta-feira, o projeto acabou por receber “luz verde” da CML, sabe o ECO.

A história remonta a maio de 2019, quando foi noticiado pela primeira vez que um fundo alemão tinha intenções de investir cerca de 40 milhões de euros no “Portugália Plaza”, um projeto que previa a construção de quatro edifícios, entre os quais uma torre com 60 metros de altura, distribuídos por 16 pisos, mesmo no coração da capital. Em cima da mesa estava uma proposta para 85 apartamentos, 16 escritórios e espaços de cowork, uma zona comercial, 413 lugares de estacionamento para automóveis e 99 para motas.

Não tardou até se instalar a polémica entre moradores da zona e arquitetos, que apontavam o dedo à volumetria do projeto e ao seu enquadramento naquela zona. Foi criado mesmo o movimento “Stop Torre 60m Portugália“, que afirmava ser “inaceitável” e uma “agressiva interferência no sistema de vistas da cidade” aquele tipo de construção. “A construção (…) cria uma violenta área de sombras sobre as ruas e casas circundantes”.

Projeto inicial do Portugália Plaza, na Avenida Almirante Reis.D.R.

O projeto foi depois mudado, passando para 49 metros de altura, e recebeu “luz verde” do Departamento de Urbanismo da CML. Mas, em julho de 2020, a autarquia acabou por chumbá-lo em reunião camarária, tal como o ECO noticiou na altura. “Percorrido este processo de análise (…) e a ponderação dos contributos dos que participaram no debate público, bem como as opiniões de especialistas independentes, (…) os serviços de Urbanismo entendem que o projeto deve ser indeferido”, lê-se no site da autarquia.

Entre os incumprimentos apontados na altura para este chumbo estavam o facto de que “o edifício não constitui efetivamente um remate de quarteirão”. Ainda assim, o projeto ainda podia ser viabilizado, desde que fosse reformulado e cumprisse algumas condições. Uma delas era que “as cedências obrigatórias para compensação ao município deverão ser em habitações para renda acessível, a transmitir em propriedade plena à CML”.

Projeto reformulado após chumbo. Altura cai para menos de metade

Entretanto, o projeto foi reformulado para atender às exigências de Fernando Medina. Assim, de acordo com a nova proposta a que o ECO teve acesso, naquela área de 6.739,77 metros quadrados propõem-se construir edifícios com uma altura máxima de 23,26 metros: oito pisos acima do solo e dois na cave, destinados a estacionamento. Em causa está uma área total de “24.976,17 metros quadrados de superfície de pavimento”.

O Projeto de Informação Prévia (PIP) divide-se em duas parcelas: a norte e a sul. Da primeira fazem parte a Cervejaria Portugália e a antiga Fábrica de Cerveja, que os promotores pretendem reabilitar e ampliar. Além disso, está prevista a construção de dois novos blocos destinados a habitação, comércio e serviços, lê-se na memória descritiva do projeto. Por sua vez, para a parcela sul, está prevista a construção de um edifício constituído por dois blocos destinados também a habitação, comércio, serviços e turismo.

Assim, o projeto prevê a construção de 86 a 97 apartamentos T1 a T4 (numa área total de 9.471,99 metros quadrados) e um hotel com 132 a 165 quartos e 35 a 40 apartamentos turísticos, numa área total de 7.096,45 metros quadrados (nesta zona há ainda a possibilidade de se construir uma residência estudantil). Estão ainda previstos 5.060,39 metros quadrados para comércio e 3.167,3 metros quadrados de serviços.

E, tal como exigido pela CML, o projeto prevê a possibilidade de “ser constituída habitação para arrendamento acessível dentro ou fora da parcela”, numa área total de 1.066 metros quadrados, lê-se na memória descritiva. Estas unidades serão afetas ao Programa de Renda Acessível da autarquia. Haverá ainda 2.434 metros quadrados de espaços verdes e cai, assim, a ideia de implementar no projeto uma creche.

Projeto aprovado com votos a favor do PS e PSD

Na passada quinta-feira, o PIP do projeto foi levado a reunião de Câmara, mas acabou adiado a pedido dos vereadores do PCP, que defenderam que o relatório da participação pública deveria ser tornado público. O vereador do Urbanismo da autarquia, Ricardo Veludo, admitiu essa possibilidade, mas, citado pela Lusa, disse “não compreender a necessidade de mais discussão pública”.

Hoje, uma semana depois, o tema foi novamente a reunião de câmara, tendo acabado por receber “luz verde”, com os votos a favor dos vereadores do PS e PSD, a abstenção do CDS e os votos contra do Bloco de Esquerda e do PCP, apurou o ECO. Contudo, o relatório de participação pública [com participações dos habitantes de Lisboa] acabou por não ser revelado, como explicou ao ECO Ana Jara, vereadora do PCP.

“Este processo suscitou uma participação pública que bateu recordes e recebemos o projeto sem ter a informação dessa participação“, disse, referindo desconhecer de que forma é que o projeto responde às participações que recebeu. “A CML poderia ter respondido dessa forma, devolvendo o projeto a quem nele participou”, mas isso não aconteceu. O ECO questionou a CML sobre este relatório, mas até ao momento de publicação deste artigo não obteve qualquer resposta.

Este processo suscitou uma participação publica que bateu recordes e recebemos o projeto sem ter a informação dessa participação.

Ana Jara

Vereadora do PCP na Câmara de Lisboa

Outro dos motivos que explicam o voto do PCP tem a ver com os 25% de área que serão destinados a turismo e com as consequências para a zona envolvente. “Um projeto turístico com esse enquadramento não nos parece que possa fazer sentido numa avenida tão importante”, afirma Ana Jara. “A nossa crítica tem a ver com esse alheamento [por parte da CML] das questões de planeamento daquele pedaço de cidade”.

Por sua vez, o Bloco de Esquerda justifica o voto contra com três argumentos: “Ser mais um hotel numa cidade que já mostrou precisar de investimentos mais diversificados; não haver equipamento social, nomeadamente a creche, numa zona que precisa e que vai ter mais densidade populacional e o facto de as pessoas não terem sido ouvidas, apesar da polémica inicial“, disse fonte oficial dos bloquistas ao ECO.

A abstenção do CDS tem a ver com o facto de o partido já ter denunciado “o atentado urbanístico que foi a primeira versão com uma torre de muitos andares”. Ao ECO, o vereador João Gonçalves Pereira acrescenta: “A nossa pressão fez a Câmara e o promotor recuarem para termos menos altura do edificado e menos construção. Vamos ter algo mais equilibrado com o contexto urbanístico da zona“. O partido vai apresentar uma proposta de alteração para que o licenciamento tenha de ser aprovado em reunião de Câmara.

Já o PSD justifica que “esteve na primeira linha para travar a torre da Portugália”. Ao ECO, o vereador João Pedro Costa afirma que “a solução agora apresentada é equilibrada, permite o atravessamento e o acesso a um logradouro de uso público e a um equipamento de utilização coletiva e reabilita as instalações da Portugália”.

Atual estado do Quarteirão da Portugália, na Avenida Almirante Reis.CML

Por trás deste projeto está o Fundo Imobiliário Fechado Sete Colinas, criado em 2016, e pertencente a um grupo de investimento alemão com uma vasta carteira de investimentos imobiliários em Lisboa. A coordenar todos os projetos deste fundo — incluindo o quarteirão da Portugália — estava a Essentia. Mas isto até ao chumbo da CML. Depois disto, tal como noticiou o ECO em setembro do ano passado, a Essentia foi dispensada pelos alemães.

Na altura, como explicou ao ECO José Gil Duarte, CEO da Essentia, este despedimento tinha a ver com o facto de o investidor querer “diminuir a intensidade dos investimentos”, “não se justificando uma equipa tão transversal e completa”. Depois disso, a Essentia avançou mesmo com um processo de despedimento coletivo. Para a substituir, o fundo contratou a empresa Lace Investments Partners.

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