Este é o sistema da Google que vai substituir os “cookies”

A Google vai deixar de suportar "cookies" de terceiros para publicidade digital. E, para os substituir, desenhou um novo mecanismo que diz garantir mais privacidade na web. Nem toda a gente concorda.

A Google já está a testar, com um pequeno grupo de utilizadores do Chrome, o mecanismo que criou para substituir os cookies. A tecnológica norte-americana acredita ter encontrado uma solução que garante maior privacidade aos cidadãos, mas muitas organizações não estão de acordo com o novo sistema.

Usados há várias décadas, muitos cookies desempenham funções úteis. Alguns evitam que tenha de se autenticar sempre que abre os seus sites preferidos. Outros guardam a informação que preencheu num determinado formulário, para que não tenha de perder tempo a preenchê-lo outra vez.

Mas nem todos os cookies são assim tão inofensivos. Alguns cookies vigiam silenciosamente o seu comportamento enquanto navega de site em site, para lhe mostrar anúncios publicitários com base nas coisas de que mais gosta. Por isso, são chamados de cookies de terceiros.

Entre as empresas responsáveis por estes cookies está o Facebook, que os usa para saber o que anda a fazer na web, mesmo se não tiver conta naquela rede social. Outra é a própria Google. Juntas, ano após ano, estas duas empresas dominam a fatia de leão do mercado global de publicidade digital. E têm muito a agradecer aos cookies.

Mas, agora, os tempos são outros. Cansados de serem vigiados na internet sem darem o devido consentimento, cada vez mais utilizadores têm aderido a soluções mais voltadas para a privacidade digital. O browser Firefox já bloqueia alguns destes cookies, assim como o Safari, da Apple. E browsers como o Brave nasceram e existem só para resolver este exato problema.

Ao perceber isto, há cerca de dois anos, a Google anunciou um projeto para repensar alguns dos pilares fundamentais da web que conhecemos hoje. Nascia assim a Privacy Sandbox, com a missão de desenhar sistemas mais modernos. A mensagem foi clara: algumas das tecnologias da web estão a ficar obsoletas, porque não estão à altura das pretensões de privacidade da maioria dos utilizadores. Entre essas tecnologias, adivinhou, estão os cookies de terceiros.

“Queremos encontrar uma solução que tanto proteja verdadeiramente a privacidade dos utilizadores como ajude o conteúdo a permanecer gratuitamente acessível na web“, referia Justin Schuh, diretor de engenharia do browser Google Chrome, num comunicado divulgado em agosto de 2019. O responsável citava ainda “estudos recentes” para garantir que, quando se bloqueiam os cookies de terceiros, a publicidade torna-se menos relevante e as receitas dos criadores de conteúdos encolhem 52%. Assim como as da Google, claro.

Foi desse esforço, a Privacy Sandbox, que resultou a solução que lhe vamos tentar explicar neste artigo e que a Google quer que substitua os cookies de terceiros, tão cedo quanto possível. Se chegou até aqui, parabéns. É agora que lhe vamos explicar o tal método alternativo. O seu nome é… FLoC.

Queremos encontrar uma solução que tanto proteja verdadeiramente a privacidade dos utilizadores como ajude o conteúdo a permanecer gratuitamente acessível na web.

Justin Schuh

Diretor de engenharia do Google Chrome

Escondidos na multidão

FLoC significa Federated Learning of Cohorts. O nome não é maravilhoso, mas não desista já — no fim, vai perceber como a Google pretende continuar a mostrar-lhe publicidade relevante, e porque é que algumas organizações estão a torcer o nariz.

Ao invés de recorrer aos cookies de terceiros, a Google propõe usar o histórico do browser para juntar os utilizadores em grupos com interesses semelhantes. Assim, se a pessoa “A” pesquisa muito sobre carros e a pessoa “B” visita muitos sites de produtos de cosmética, é provável que acabem a fazer parte de grupos de interesses bastante diferentes.

A multinacional acredita que o sistema confere mais privacidade aos utilizadores por dois grandes motivos. Primeiro, o processamento dos dados ocorre localmente, no dispositivo. Segundo, os anunciantes não vão poder direcionar anúncios a utilizadores específicos, mas sim a grupos mais generalizados com gostos semelhantes. Esses grupos chamam-se cohorts.

Como são gerados os grupos de utilizadores?

Este esquema desenhado pela Google mostra dois processos distintos de geração de cohorts. O método B tem maior interesse para os anunciantes e ilustra a ideia por detrás do FLoC.Google Research

Quando visitar um determinado site, o Google Chrome vai revelar o grupo a que pertence, através do respetivo número de identificação (cohort ID). O site e os respetivos anunciantes terão de usar esse número para aferir a que tipo de interesse corresponde o seu grupo, para efeitos de segmentação de publicidade.

Neste momento, não é claro quantos grupos vão coexistir. Sabe-se, porém, que os cohorts serão gerados por um algoritmo todas as semanas, com base no histórico de sites visitados pelos utilizadores na semana anterior.

A Google propõe ainda que exista uma entidade central para fiscalizar o número de pessoas que integram cada grupo. Será uma espécie de “autoridade” com poder para forçar a geração de novos grupos ou fundir outros, sempre que estes sejam demasiado pequenos para garantir a privacidade dos seus membros. A ideia é assegurar que os utilizadores podem esconder-se no meio da multidão.

Uma não-solução para o verdadeiro problema

Agora já sabe, em linhas gerais, como funciona o FLoC. Mas algumas entidades defendem que a solução da Google, na verdade, só vai agravar o problema, comprometendo ainda mais a privacidade dos utilizadores.

Uma das críticas mais assertivas partiu da Electronic Frontier Foundation (EFF), uma fundação de defesa dos direitos digitais, que considerou o FLoC “uma ideia terrível”. O organismo defende que o FLoC é uma nova forma de fazer aquilo que os cookies de terceiros já fazem atualmente e que, apesar de poder solucionar alguns dos desafios, vai também criar outros, não necessariamente melhores do que os atuais.

“O comportamento dos utilizadores vai ser seguido de site em site como se fosse uma etiqueta, inescrutável à primeira vista, mas rica em significado para quem sabe. O histórico recente, destilado em poucos bits, é ‘democratizado’ e partilhado com dezenas de entidades anónimas que participam no serviço de cada página. Os utilizadores vão iniciar cada interação com uma confissão: aqui está o que eu fiz esta semana, por favor, trate-me em conformidade”, argumenta a EFF.

A fundação apela à Google para que não leve a ideia avante e avisa que, ao serem gerados novos cohorts a cada semana, isso vai fazer deles uma forma de identificação do comportamento dos utilizadores bastante mais potente ao longo do tempo. Quiçá, mais eficaz até do que os próprios cookies.

Outro problema é que está previsto que os sites que já identificam os utilizadores através de um sistema de contas (o Facebook, por exemplo, mas também muitos outros) tenham acesso a mais informação dos utilizadores, incluindo a dados que não podiam consultar anteriormente. Isto porque serão capazes de verificar, todas as semanas, a que grupo pertence uma determinada conta, passando, assim, a ter acesso indireto ao histórico de pesquisas dos seus utilizadores.

Desta forma, a EFF avisa que o FLoC poderá acabar por expor mais dados pessoais, incluindo informação específica sobre o histórico e informação muito sensível dos cidadãos, como a orientação sexual, a religião, entre outras. “Isto significa que cada site que visita saberá com algum rigor o tipo de pessoa que é ao primeiro contacto, sem ter que se dar ao trabalho de o seguir na internet”, avisa a fundação.

A EFF não é a única nesta cruzada contra o FLoC. Os browsers Brave e Vivaldi, que já bloqueiam os cookies de terceiros, anunciaram aos seus utilizadores que não vão aceitar este novo sistema da Google, tecendo-lhe duras críticas em linha com as da EFF. Além disso, a Google também ainda não convenceu os outros browsers concorrentes: a Apple (que gere o Safari), a Microsoft (que gere o Edge) e o browser Firefox, para já, não têm planos para adotar o mecanismo de FLoC, de acordo com o site especializado 9to5Google.

Por agora, prosseguem os testes ao FLoC no Google Chrome, não abrangendo, tanto quanto se sabia, utilizadores residentes na União Europeia (há dúvidas se o FLoC respeita o Regulamento Geral de Proteção de Dados). Se a Google será capaz de trocar cookies por flocs, também ninguém pode dizer ao certo. Mas o Chrome tem quase 70% de quota de mercado, o que quer dizer que, quanto a peso, lá isso não lhe falta. Os próximos tempos ditarão, por isso, se o FLoC se torna no novo padrão da publicidade digital. Ou se, pelo contrário, não vai passar de um simples flop.

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