TAP no fim da fila de credores em caso de insolvência da Groundforce
Conflito entre companhia aérea e empresa de handling voltou a colocar o cenário de insolvência em cima da mesa. Operação poderia continuar (mantendo empregos) e a eventual venda não seria impedida.
A TAP e a Groundforce não se entendem e a empresa de handling parece mais longe de ser vendida, deixando um impasse que poderá resultar num pedido de insolvência. Sendo credora, a companhia aérea pode pedir a insolvência da Groundforce (cuja declaração é apenas decidida depois pelo tribunal), mas — sendo simultaneamente acionista — pode passar para o fundo da lista de credores na hora de ser ressarcido do dinheiro investido.
“A lei é muito clara, os créditos dos acionistas são subordinados“, explica Paulo Valério, sócio da sociedade de advogados VFA e diretor da Associação Portuguesa de Direito da Insolvência e Recuperação (APDIR). “Num processo de insolvência, os créditos são agrupados por classe e, tipicamente, os últimos a serem pagos são os créditos subordinados, ou seja, de entidades com caráter especial”.
Sendo simultaneamente credor e acionista, a TAP corre o risco de que os seus créditos serem considerados subordinados. Além de passar para os últimos a serem pagos, veria também “muito comprometidos” os direitos de voto na assembleia de credores, onde seria decidido o futuro da empresa, nomeadamente se seguiria para liquidação ou recuperação. “Esta questão pode tornar a insolvência da Groundforce um eventual calvário para a TAP. Este risco é muito real“, sublinha Valério.
A posição é partilhada por um segundo advogado, que pede para não ser identificado devido ao mediatismo do caso. Também não tem dúvidas que a relação de proximidade entre a Groundforce e a TAP levaria um crédito da última a ser qualificado como subordinado. Assim sendo, seria pago em último lugar, “exceto se a TAP tiver alguma garantia sobre a Groundforce (por exemplo, uma hipoteca sobre qualquer bem)“.
Ainda não é certo que vá avançar qualquer insolvência da empresa detida em 49,9% pela TAP e em 50,1% pela Pasogal de Alfredo Casimiro. A possibilidade voltou a estar em “cima da mesa” devido a um novo conflito entre as duas empresas. A administração da empresa de handling decidiu anular os contratos de venda e aluguer de equipamentos assinados com a companhia aérea, mas a TAP rejeita base legal para isso. O primeiro pagamento dos 462 mil euros de prestação mensais devia ter sido feito na passada sexta-feira, o que não aconteceu.
A TAP sendo credora pode pedir a insolvência, mas a declaração ou não de insolvência pelo Tribunal depende de um conjunto de fatores. Tem de haver um conjunto de incumprimentos, nomeadamente fiscais, contributivas, até a trabalhadores, que tenham significado.
O conflito — que ambas as partes consideram levar a tribunal — agrava ainda mais a relação que já não era amistosa desde que a TAP pediu garantias para um adiantamento de faturas para fazer face à rutura de tesouraria da Groundforce. Em março, a Groundforce estava a dever 12,3 milhões de euros à TAP, segundo dados divulgados pelo ministro das Infraestruturas e Infraestruturas Pedro Nuno Santos.
Como este dinheiro diz respeito a serviços que vão sendo prestados, o montante já deverá ter reduzido. Por outro lado, na mesma altura, a empresa de handling devia 10 milhões de euros à ANA, referente à utilização da plataforma. Estes deverão ser os maiores credores atuais da Groundforce. Não é certo que haja incumprimento junto da banca em nome da Groundforce, mas Alfredo Casimiro tem um processo de execução com o Montepio.
“Qualquer credor de uma empresa pode requerer a insolvência, seja qual for a qualidade. A TAP, sendo credora, pode pedir a insolvência, mas a declaração ou não de insolvência pelo Tribunal depende de um conjunto de fatores. Tem de haver um conjunto de incumprimentos, nomeadamente fiscais, contributivos, até a trabalhadores, que tenham significado”, explica o diretor da APDIR.
O acionista Alfredo Casimiro tem garantido que os impostos da empresa têm sido regularizados e que os salários estão garantidos até junho, mas o mesmo não acontece em relação aos subsídios de férias. Outro ponto a ter em conta será a situação financeira da empresa, que tinha capitais próprios positivos em 2019 (em 6,36 milhões de euros) e cujo impacto da pandemia ainda não é conhecido.
“As pessoas coletivas são consideradas insolventes se o passivo for manifestamente superior ao ativo. Mas manifestamente não quer dizer que basta verificar aritmeticamente. Tem de haver uma superioridade significativa e que seja em moldes que faça antecipar que a empresa vai entrar em queda generalizada de pagamentos“, aponta o Valério. Em 2019, o passivo situava-se em 36,144 milhões de euros e o ativo em 42,5 milhões. A análise tem de ser feita e a Groundforce terá oportunidade de defender-se, nomeadamente se houver reavaliações dos ativos a serem feitas.
Insolvência não impede venda, mas já não deverá ser à Atitlan
Caso o Tribunal aceite a declaração, o que acontece em termos de tramitação é que é nomeado um administrador de insolvência, que tem um prazo para apresentar um relatório em que explica a situação da empresa (património, passivo, possibilidades de recuperação, etc.) e dá um parecer sobre liquidação ou recuperação. É depois a assembleia de credores que decide como avançar.
O Governo já admitiu a possibilidade de uma insolvência, apontando para um processo “controlado”, que Casimiro rejeita e diz não saber sequer do que se trata. “Rigorosamente, este conceito no código de insolvência não existe”, diz o diretor da associação, mas clarifica que a regra de uma insolvência é encerrar a empresa, apreender os ativos para venda (muitas vezes com perdas do valor) e distribuir o produto da venda pelos credores. “Na gíria, essa é uma insolvência descontrolada”.
Em sentido contrário, uma insolvência controlada obedeceria a um plano com vários passos definidos pelos credores no sentido da liquidação ou recuperação, de acordo com ambos os advogados contactado. “Numa insolvência controlada, os credores — através da votação do plano — determinam de que forma e em que momento será efetuada a liquidação, podendo canalizar o produto da venda para a continuação da atividade da sociedade (por período limitado de tempo)”, explica o jurista que prefere não ser identificado.
Os contratos de trabalho não têm de cessar e a empresa pode continuar a operar normalmente enquanto implemente uma reestruturação. “A insolvência não determina a cessação dos contratos, devendo os salários continuar a ser satisfeitos pelo administrador da insolvência. No entanto este pode também determinar a cessação dos contratos de trabalho”, diz a mesma fonte. Se assim for, o fundo de garantia salarial poderá servir para pagar até três vezes o salário mínimo nacional por mês, durante um máximo de seis meses.
E nem os contratos das licenças de handling ficariam comprometidos já que poderiam ser renegociados com a ANA. “Os contratos subjacentes a essas licenças normalmente determinam que um processo de recuperação redunde no fim dessa licença, mas isso é uma espécie de cláusula genérica que se põe em todos os contratos. Juridicamente, há margem para negociar com a ANA a manutenção a renovação dessas licenças ou a transmissão dessas licenças para uma nova entidade. Não vejo que haja nenhum problema inultrapassável para promover essas negociações. Vai tudo depender da boa vontade”, considera Paulo Valério.
A insolvência não significa de todo o afastamento do acionista, embora existam mecanismos que o permitam através da entrada para a estrutura acionista de um novo player, que pode ser um credor. Até pode ser a TAP a converter os seus créditos em capital.
Enquanto decorre todo este processo, “a administração pode continuar no devedor para evitar uma descontinuidade da gestão que possa tornar mais difícil um eventual plano de recuperação”, refere Valério. Ou seja, num cenário de insolvência, a administração pode ficar a cargo do administrador de insolvência ou da atual gestão, sendo que o ministro Pedro Nuno Santos já se referiu a Casimiro como o “ainda sócio” da TAP.
Por outro lado, Casimiro pode ser afastado e “até pode ser feita a venda da empresa como um todo a um terceiro que tenha interesse em comprar o negócio da Groundforce“. A alienação da participação da Pasogal não é algo novo. O acionista estava a negociá-lo com os espanhóis da Atitlan, mas esse processo está parado e entrou num impasse, segundo apurou o ECO. Apesar de haver outros interessados, nenhuma outra negociação avançou ainda.
Caso aconteça no âmbito de um processo de recuperação, seria vendido o ativo, enquanto o passivo ficaria na massa insolvente junto com o valor que fosse pago pelo novo investidor. A insolvência “não significa de todo o afastamento do acionista, embora existam mecanismos que o permitam através da entrada para a estrutura acionista de um novo player, que pode ser um credor. Até pode ser a TAP a converter os seus créditos em capital e a fazer assim um aumento de capital”, acrescenta o diretor da APDIR.
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