Somos todos empreendedores

  • Paulo Bandeira
  • 6 Fevereiro 2017

O “Empresário” morreu e foi definitivamente enterrado pelo “Empreendedor”. Louve-se o espírito, refreie-se a vaidade.

Lembro-me que nos anos 80 e 90 do século XX havia um (ainda significativo) conjunto de pessoas que quando lhe perguntavam o que faziam, entregavam um cartão-de-visita que dizia pomposamente “Empresário”. Alguns, antecipando a imediata pergunta que se aflorava, acrescentavam ainda: “faço negócios”. Esta era muitas vezes uma afirmação de poder que punha termo imediato a qualquer dúvida ou discussão que dali quisesse nascer.

Ninguém se atrevia a pôr em causa a importância do senhor “Empresário” e a natureza daquilo em que a sua empresa laborava era discussão de somenos. Termos em que ficava a discussão arrumada.
Na verdade, era muito pouco relevante se a pessoa em causa era um magnata do café ou do calçado ou se tinha uma pequena pastelaria de bairro. O que ressaltava era que havia criado uma empresa e arriscava. E arriscando, ascendia ao intocado e sagrado estatuto de “Empresário”.

Esta moda dos “Empresários” praticamente desapareceu no início do século XXI e as pessoas passaram a dar mais importância e a perder um pouco mais de tempo a explicar o que faziam. O “Empresário” foi substituído em importância pelo “Gestor” e o “faço negócios” acabou substituído pelo “giro um negócio de …” ou “sou gestor de uma empresa de …”.

Esta substituição teve muito que ver com a educação superior e capacitação do empresariado português, com a existência de uma geração com acesso mais franco ao ensino superior e com o entendimento de uma supremacia do “fazer” (ou gerir) sobre o “ser” (“Empresário”).

O que é engraçado (e é a razão de ser desta crónica) é que sinto que em certa medida (e paradoxalmente) estamos neste século XXI a regressar um pouco ao espírito dos anos 80 do século XX. Digo isto porque hoje em dia o que é moda, o que é “chique a valer” (como diria o empertigado “Dâmaso de Salcede”) é ser-se empreendedor e startuper.

Já ninguém constitui empresas, “criam-se startups”. Não se é sócio, é-se Founder (sempre com F grande). Já não se é gestor ou diretor, mas sim CEO, CFO, CTO, CMO ou qualquer outra sigla iniciada por C e terminada em O que seja reconhecível (ou não) como cargo de direção dentro de uma empresa.

Enfim, o “Empresário” morreu e foi definitivamente enterrado pelo “Empreendedor”. Louve-se o espírito, refreie-se a vaidade.

A muitíssimo favorável conjuntura e a disseminação diária de boas notícias sobre novas empresas e empreendimentos a despontar criaram um contexto de mediatização do conceito “Startup” e hoje em dia quem cria uma empresa acaba muitas vezes por comunicar que criou ou tem uma startup de qualquer coisa.

Apenas para que sejamos rigorosos na fixação de conceitos, uma Startup é uma empresa recém-criada (para uns não mais que três e para outros não mais que cinco anos) que cria um modelo de negócio altamente escalável, por regra com um baixo custo inicial e a partir de ideias inovadoras. Não cabem nesta definição certamente negócios de base pessoal, local ou em que os ativos são as pessoas (como a tradicional consultoria).

Em todo o caso, o que realmente importa e deve ser valorizado é que as ideias que antes ficavam no cérebro de alguém ou no papel possam finalmente ter espaço para serem exploradas, desenvolvidas, financiadas e, se viáveis, permitirem a criação de produtos inovadores e de empresas economicamente sustentáveis.

Se a banalização do vocábulo a isso ajudar, pois que seja, sejamos todos Empreendedores.

  • Esta crónica marca o início da colaboração da SRS Advogados com o ECO tendo em vista a redação de uma coluna semanal sobre temas de índole legal relacionados com as startups, o capital de risco e o empreendedorismo em geral.
  • Caso tenha questões que gostasse de ver esclarecidas ou temas que gostasse de ver abordados envie o seu e-mail para startups@eco.pt ou para paulo.bandeira@srslegal.pt.

  • Paulo Bandeira
  • Sócio da SRS Advogados

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